Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Norte: portais de notícias e blogs florescem como fonte de informação*

A segunda fase do Atlas da Notícia apresenta dados significativos para compreender o cenário do jornalismo local na região Norte. A pesquisa contabilizou 76 veículos de jornalismo que tem a internet como principal segmento. Em seguida, 23 jornais impressos, 14 estações de rádio, 8 emissoras de TV e uma revista distribuídos em 26 municípios dos sete estados.

Desertos de notícia são municípios sem veículos jornalísticos, ou seja, sem cobertura significativa de imprensa. (Crédito: Atlas da Notícia 2.0)

Emblemática por abrigar a maior extensão da Amazônia, a região Norte possui proporções menores de domicílios não conectados à internet em comparação a outras regiões do País. Segundo dados do Cetic.br, apesar da baixa conexão domiciliar decorrente da limitação de infraestrutura, o crescimento de acesso à Internet por meio dos telefones celulares tem crescido nos últimos anos. Esses fatores explicam, em parte, a consolidação da Internet como principal segmento de imprensa na região: dos 122 veículos mapeados, 76 são mídias online. É válido destacar que desse total, 26 são novos, ainda não haviam sido mapeados no Atlas da Notícia 1.0.

O Atlas da Notícia constatou que são os blogs e portais de notícias que alcançam municípios distantes das capitais, produzindo jornalismo local. Ainda assim, esses municípios são de médio porte (possuem população acima de 100 mil habitantes) e têm importância no contexto local, a exemplo de Marabá e Parauapebas no Pará, Ariquemes em Rondônia e Araguaína no Tocantins. A exceção é Atalaia do Norte, no Amazonas, que possui pouco mais de 19 mil habitantes, onde identificamos o portal Jambo Verde.

Durante a verificação dos veículos registrados via crowdsourcing, identificamos 10 blogs e percebemos uma situação que se repete: jornalistas de longa carreira que produzem notícias por meio de blogs pessoais. Para além da informação, os blogs possuem um viés mais opinativo do que o jornalismo hard news, inclusive indicando a orientação política, o que foi potencializado nas redes sociais. Observamos que os jornalistas que mantêm blog na região Norte são figuras representativas a quem, geralmente, se recorre quando a imprensa comum (que,em geral, têm ligação com famílias tradicionais na política) não cobre determinado fato. Esses blogs são um componente fundamental para compreender o exercício da democracia por meio do jornalismo na região.

Ainda sobre veículos do segmento online, a quantidade de novos portais de notícia hard news é considerável. Notamos que chegam a replicar o mesmo conteúdo, levantando suspeita sobre a qualidade da produção jornalística desses veículos. Mas, o que chama atenção é a ligação de alguns portais com políticos que participavam, direta ou indiretamente, do último pleito eleitoral. Por exemplo, o portal Vanguarda Amazonense, registrado no município de Iranduba, na região metropolitana de Manaus, foi denunciado pelo Comitê de Fake News do TRE AM por promover campanha ilegal para Amazonino Mendes (PDT) que concorria à reeleição ao governo do Amazonas. No Amapá, o titular do portal Aqui Amapá (registro no WhoIs do Nic.Br) é José Samuel Alcolumbre Tobelem, primeiro suplente do senador David Samuel Alcolumbre Tobelem (DEM), que também concorria ao governo estadual.

Sabemos que a ligação entre veículos de imprensa e políticos não é novidade. No Pará, por exemplo, o grupo RBA de Comunicação — responsável pela produção de um dos principais impressos do estado desde 1982, o Diário do Pará — é de propriedade da família Barbalho, cujos membros são filiados ao PMDB e historicamente ocupam cargos executivos e legislativos.

Fechamentos

Em relação aos veículos de jornalismo que encerraram suas atividades, identificamos apenas três. Em Rondônia, o jornal impresso centenário Alto Madeira rodou sua última edição em 1° de outubro de 2017, depois de enfrentar dificuldades decorrentes da migração do público para os meios digitais, da crise na economia brasileira e da alta tributação. No Amazonas, o Jornal Agora, do grupo Raman Neves de Comunicação, com apenas quatro anos de circulação, teve sua última edição em 28 de outubro de 2016. O Agora era o jornal popular (custava apenas R$ 0,50) e de conteúdo apelativo do grupo, muito diferente do principal impresso, o Em Tempo.

A Rádio Baré foi fundada em 1939 na capital amazonense. Durante sua existência chegou a pertencer aos Diários Associados de 1945 a 1985 e ao Jornal do Commercio de 1985 a 2015, quando sua frequência foi adquirida pela Rede Amazônica (grupo afiliado da Rede Globo em quase todos os estados da região, com exceção do Pará) que, após uma reestruturação, deu lugar à rádio CBN Amazônia Manaus.

Colaboração

No total, foram 122 veículos registrados via crowdsourcing. Os registros foram checados por estudantes de Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas e da Universidade Federal do Pará. O Sindicato dos Jornalistas do Estado do Tocantins apoiou a pesquisa divulgando o formulário entre seus associados, o que garantiu uma inserção significativa de veículos do estado.

Não houve uma adesão satisfatória das escolas e sindicatos de Jornalismo da região, ainda que tenham sido contactados diversas vezes, o que impactou diretamente nos dados levantados. Por exemplo, o fato de que o Amazonas é o estado com maior número de veículos registrados explica-se pela participação do único grupo de estudantes engajado no levantamento ser de Manaus.

É natural que haja uma concentração expressiva de veículos nos estados do Pará e Amazonas por serem os maiores da região. Contudo, as dificuldades de estabelecer um trabalho direto e coordenado com pesquisadores e jornalistas dos demais estados representou a pouca inserção de novos veículos em relação ao levantamento do Atlas da Notícia 1.0. Roraima é o exemplo mais significativo: apenas 3 veículos mapeados pelo crowdsourcing. Apesar de ser o estado com menor população, a expectativa era de que chegássemos a um número maior.

Considerações

Os conglomerados de mídia, grupos de comunicação e redes de jornalismo, que representam a grande imprensa na região Norte, continuam ligados a negócios familiares, algumas com forte atuação política local. Por outro lado, a criação e consolidação de iniciativas de jornalismo independentes ainda é tímida, mas demonstra ter solidez na cobertura de temas relevantes para região. Algumas se utilizam de novas estratégias e linguagens jornalísticas como o JDados que trabalha exclusivamente com jornalismo de dados em Macapá, e a agência Amazônia Real, sediada em Manaus, que pauta principalmente as populações tradicionais e cobre agenda ambiental.

Mapeamos veículos em todos os sete estados do Norte, uma região onde as grandes distâncias e dificuldades de acesso tornam o mapeamento do jornalismo local desafiador. Ainda assim, nos esforçamos para atingir os municípios do interior e chegamos a pelo menos 19. Já nos estados do Acre, Amapá e Roraima todos os veículos registrados estão nas capitais.

A tendência é que a inclusão digital na região continue crescendo e que, consequentemente, os veículos de jornalismo online também acompanhem esse cenário. Portanto, nossa previsão para o próximo mapeamento é de que teremos uma quantidade ainda maior de portais, blogs e até páginas em redes sociais que produzem jornalismo local, garantindo — mesmo que muitas vezes de forma precária — o acesso à informação nos rincões da Amazônia onde o chamado jornalismo tradicional não consegue chegar.

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Jéssica Botelho é jornalista e pesquisadora. É diretora da Agência Ajuri (projeto acelerado pelo New Ventures Lab das Chicas Poderosas), mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade Federal do Amazonas e colaboradora no Centro Popular do Audiovisual. Atua em temas relacionados à jornalismo e questões digitais na perspectiva amazônica. É embaixadora do Youth Safernet Brasil no Amazonas e integrante do Youth Observatory of Internet Society e egressa da Escola de Governança da Internet do CGI.Br e da Escola InternetLab para Jornalistas.

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*NOTA: Este primeiro mapeamento realizado pela rede de pesquisadores do Atlas da Notícia com o apoio de colaboradores voluntários traz o melhor panorama possível, com informações detalhadas, sobre a existência e a natureza de veículos jornalísticos. Mas uma vez que a nossa amostragem reflete os dados obtidos – sem necessariamente cobrir todos os veículos – não a consideramos um retrato completo do jornalismo local e regional do Brasil. À medida que nosso projeto avance anualmente, seremos capazes de corrigir e refinar nossos dados e mapas. A propósito, solicitamos aos nossos leitores que nos comuniquem sobre possíveis incorreções no nosso mapeamento.