Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Apesar de desafios, imprensa amazônica se destaca na cobertura ambiental

Na condição de maior região territorial brasileira, também dotada de importância crítica nas negociações globais relacionadas às mudanças climáticas, o Norte do país exibe uma série de desafios quando se trata de sua imprensa local. Em sua terceira edição, o Atlas da Notícia indica a existência de 323 desertos de notícia, além do fechamento de seis veículos, segundo o mapeamento nos sete estados da região.

Mas apesar de enfrentar desafios financeiros e institucionais, como a perseguição a jornalistas ativos na cobertura de temas ambientais, o jornalismo local tem se mostrado fundamental na cobertura de temas ambientais. Foi o jornal Folha do Progresso, sediado em Novo Progresso, no Pará, que denunciou pela primeira vez o chamado “dia do fogo”, após realizar uma investigação que detectou o plano de ruralistas locais para provocar incêndios criminosos de forma coordenada no dia 10 de agosto.

O Folha do Progresso circula quinzenalmente no formato impresso, no município do sudoeste paraense com pouco mais de 25 mil habitantes. Além do periódico, o Folha do Progresso mantém um site que suporta vídeos e uma rádio web. Já nos desdobramentos dos incêndios, o G1 Santarém (veículo que integra a rede TV Tapajós, afiliada da Rede Globo) fez a cobertura completa da prisão dos brigadistas de Santarém (PA) acusados de provocar incêndios na região.

A Amazônia Real, uma agência de notícias independente focada na cobertura de temas relacionados à agenda ambiental e às populações tradicionais, também se destaca na cobertura local. Sediada em Manaus (AM), tem abrangência regional com uma equipe de repórteres correspondentes em todos os estados do Norte, além de Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O foco no jornalismo investigativo revela o esforço da agência em denunciar violações de direitos humanos na região, como a série de reportagens “Amazônia em Chamas” que mostra as consequências dos incêndios de agosto.

Os dados do Atlas da Notícia também mostram que há predominância de veículos nos segmentos rádio e online: 39 e 111, respectivamente. Tais números representam mais da metade dos veículos mapeados pela pesquisa na região Norte este ano. Os fatores para compreender a imprensa da região se encontram nos desafios existentes para produzir jornalismo na Amazônia, sobretudo nas dificuldades operacionais e políticas que elevam os custos e os riscos.

Logística cara para circular, infraestrutura de comunicação muitas vezes escassa, pressão e ameaças de políticos locais, construção de relacionamento de confiança com populações tradicionais são alguns dos desafios que se impõem para reportar as notícias da maior floresta tropical do mundo. Com poucos recursos e muitos desafios, o jornalismo local da região Norte consegue ter um alcance maior nos interiores por meio da radiodifusão e redução nos custos de produção com ferramentas digitais e publicação por meio da internet.

Novos registros
Os estados que mais registraram veículos na região foram Amazonas (100), Pará (51) e Acre (45). Já Tocantins (30), Rondônia (21) e Amapá (20) tiveram acréscimos consideráveis, enquanto em Roraima foram identificados apenas doze veículos. Em comparação à edição anterior, o principal feito da pesquisa foi maximizar a capilaridade em três estados que haviam registrado veículos apenas nas capitais – sete novos municípios no Acre, um em Roraima e três no Amapá.

Outro fator que merece destaque em relação à edição anterior foi o uso de dados coletados via Lei de Acesso à Informação. Obtivemos respostas mais satisfatórias de pedidos de quatro estados (Acre, Amazonas, Amapá e Tocantins) e apenas três estados (Pará, Rondônia e Roraima) não responderam no prazo estipulado por lei ou não forneceram as informações solicitadas. Os documentos recebidos continham listas de veículos que serviram como ponto de partida ao mapeamento em cada estado; alguns registraram também outras informações (como número de CNPJ, propriedade, município, entre outros) que auxiliaram os pesquisadores no levantamento e na checagem dos veículos.

Fechamentos, desertos e quase desertos de notícias
Nesta terceira fase, foram mapeados 279 novos veículos na região Norte, categorizados em quatro segmentos (rádio, tv, impresso e online). Se somadas as edições anteriores, chegamos a 814 veículos mapeados nos sete estados da região.

Apesar de chamar atenção da imprensa nacional e internacional pontualmente, principalmente quando se trata de agenda ambiental ligada à Amazônia, o jornalismo local ainda é um desafio na região Norte. Todos os estados nortistas possuem, proporcionalmente, mais de 50% do seu território sem cobertura jornalística em nível local – ou seja, produção jornalística que abrange temas de interesse público (saúde, educação, cultura, economia etc.) nos municípios, cobrindo atuação do poder local como prefeituras e câmaras municipais. O estado do Tocantins é o que, proporcionalmente, possui a maior parte do seu território sem cobertura jornalística local, alcançando o índice de 89,2%. Isso significa que, dos 139 municípios do Tocantins, 124 são desertos de notícias. (Para fins de metodologia, consideramos desertos de notícias os municípios que não possuem nenhum veículo e quase desertos são os municípios que possuem um ou dois veículos.)

Mesmo que a quantidade de desertos de notícias seja significativa na região Norte – são 323 cidades sem nenhum veículo mapeado pela pesquisa, a cada edição do Atlas da Notícia conseguimos alcançar mais municípios de pequeno porte, distantes das capitais ou de municípios de médio porte com influência no contexto regional. Novo Progresso (PA) é um exemplo. Na edição anterior, estava mapeado como deserto de notícia, classificação que muda este ano, para quase deserto, com a identificação do jornal Folha do Progresso.

Tamanho das redações
Em relação à quantidade de funcionários de cada veículo, constatamos que aqueles filiados a grandes redes são os que possuem maior quantidade de profissionais de diferentes segmentos (incluindo jornalistas) e se concentram nas capitais ou municípios de médio porte, como Marabá (PA) e Santarém (PA). No entanto, há ocorrências de veículos com mais de trinta funcionários em dois municípios de pequeno porte: CBN Tocantins, em Porto Nacional, e 105 FM Paraíso, em Paraíso do Tocantins.

Outra situação que merece destaque é que as maiores redações ainda são de veículos impressos. Nessa categoria, considerando veículos que possuem a partir de trinta funcionários, foram mapeados onze jornais em cinco estados da região (não houve registros no Amapá e no Acre), dos quais dois paraenses (Jornal O Liberal e Diário do Pará) foram registrados com mais de 120 funcionários. Por outro lado, no segmento online, as redações são pequenas. Verificamos 55 veículos registrados com um a nove funcionários, mais 22 blogs de operação individual, enquanto os veículos online identificados com mais de trinta funcionários foram apenas nove.

Crises nos modelos de negócios tradicionais de empresas jornalísticas provocaram reduções drásticas nos recursos humanos dos veículos – ou passaralhos, para ficar no jargão da área. Esses números merecem um estudo mais aprofundado sobre sua natureza, a fim de de vislumbrar respostas relacionadas às mudanças no modo de produção e publicação jornalística, considerando também o contexto regional e local de cada veículo.

O desafio da sustentabilidade financeira
O veículo Correio do Lavrado, de Roraima, teve projeto de reportagem selecionado no edital Jornalismo de Educação – iniciativa da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca). A reportagem vencedora trata do impacto da migração venezuelana nas escolas roraimenses e a publicação está prevista para abril de 2020. Outra alternativa identificada para garantir a sustentabilidade da produção jornalística foi o financiamento coletivo. O portal de notícias do oeste paraense Mojuí na Íntegra lançou campanha para arrecadar fundos que permitam o crescimento do veículo, com o objetivo de criar rádio e tv web, além de um jornal impresso.

Percebe-se a sustentabilidade financeira como um grande desafio ao jornalismo local. Bem como o modo de produção jornalística passou por processos de mudança com a assimilação das tecnologias de informação e comunicação, os modelos de negócio também buscam se readaptar nesse cenário. Assim, é natural que a busca por financiamento para além da publicidade seja a solução encontrada para diversificar a fonte de renda dos veículos.

Aposta em diferentes formatos
Na edição anterior do Atlas da Notícia, constatamos o crescimento de sites e blogs como principais fontes de informação na região Norte. Ainda que persistam problemas de acesso e infra-estrutura de internet na região, veículos categorizados no segmento online seguem entre os principais – apenas três estados (Pará, Roraima e Tocantins) registram uma quantidade maior de veículos no segmento rádio. De modo que novos formatos e linguagens surgem dentro desse contexto, como, por exemplo, veículos jornalísticos totalmente voltados para redes sociais.

O diferencial do Portal One News, veículo de notícias da capital paraense, é apostar na disseminação do seu conteúdo em duas plataformas de redes sociais, Facebook e Instagram, inclusive produzindo conteúdo no formato “stories” (disponível por apenas 24h depois de publicado). Já o site Direto de Brasília aposta na cobertura política de notícias na capital federal relacionadas ao estado do Acre como temática principal e aborda, secundariamente, temas gerais, como esportes e economia, entre outros.

Redes sociais
Ainda que novos veículos baseados em plataformas de rede social estejam surgindo no contexto da imprensa nortista, notamos que muitos não conseguem manter regularidade de publicação ou uma produção jornalística com linguagem adequada para cada plataforma. Há interesse em ter uma presença online expressiva para divulgação de conteúdo, o que se torna um desafio, visto que a maioria das redações conta com poucos funcionários.

Durante a etapa de checagem das informações dos veículos, verificamos também que links dentro dos sites direcionam para perfis pessoais (geralmente, do fundador do veículo), ainda que o veículo possua seu próprio perfil – o mesmo ocorre em plataformas de vídeos sem nenhum vídeo publicado, o que indica uma personalização desses veículos e nos leva a refletir sobre o tratamento profissional dos mesmos e de sua linha editorial. Apesar das dificuldades operacionais, notamos que há uma maior adesão ao Instagram por parte dos veículos, na tentativa de disseminar conteúdo e gerar tráfego para seus sites, a exemplo do Roraima1, de Boa Vista (RR), e do Portal Juma, de Apuí (AM).

Colaboração
O mapeamento realizado pelo Atlas da Notícia é um esforço colaborativo. Buscamos parcerias com escolas de jornalismo e pesquisadores para identificar veículos, além de obter e checar dados disponíveis sobre cada um. Nesta edição, a região Norte contou com o apoio da Universidade Federal do Acre, Faculdade Estácio Amapá, Universidade Federal do Amazonas – por meio do Laboratório Experimental de Jornalismo em Rede Lab F5 e das pesquisadoras Tainá Cavalcante e Kamila Monteiro. No total, dezessete voluntários trabalharam nesta edição para alcançar o melhor cenário da imprensa local nortista.

Colaboradores
O Atlas da Notícia é um projeto de pesquisa colaborativo que contou com a participação das seguintes pessoas no Norte:

Ana Carolina de Souza Loureiro
Andressa Mendes Osório
Anne Karoline de Souza Santos
Ariel Rodrigues Bentes
Bruna dos Santos Martins
Camila Barbosa Oliveira
Elinaete Sabóia de Oliveira
Gabriel Bravo de Lima
Giselle Xavier D’Ávila Lucena
Jacks de Mello Andrade Jr
José Airton Veiga dos Santos Neto
Juliana Lira de Oliveira
Kamila Monteiro
Luciano Mesquita da Cunha
Tainá Cavalcante Pinheiro da Silva
Thiago Abdon de Oliveira
Yasmin da Silva Tabosa
Yvine Lorena Macedo Rodrigues

E com o apoio das seguintes instituições:

Faculdade Estácio Amapá
Museu Emílio Goeldi
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) – Laboratório Experimental de Jornalismo em Rede (Lab F5)
Universidade Federal do Acre (UFAC)
e das pesquisadoras Tainá Cavalcante e Kamila Monteiro

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Jéssica Botelho é pesquisadora e jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Amazonas. Integrante do Centro Popular do Audiovisual/Núcleo de Estudos e Práticas em Cibercultura(Manaus/AM). Embaixadora do Safer Internet Day no Amazonas. Atua especialmente em temas sobre jornalismo digital, internet e direitos humanos na perspectiva amazônica. Participou do projeto de fact-checking O Poder de Eleger, como checadora, em 2018.