Quinta-feira, 6 de novembro de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1363

A imprensa, os financiadores dos garimpos na Amazônia e as pesquisas eleitorais

(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Em números redondos, na lida de repórter, há uns 40 anos ando rodando pelos rincões do Brasil e de países vizinhos em busca de histórias para contar. Aprendi muito sobre a arte da reportagem nas estradas, por onde passei deixei muitas fontes que me mantêm atualizado sobre os acontecimentos. É importante para o repórter ter alguém para quem ligar quando as coisas acontecem. Contei essa historinha em razão das notícias de que garimpeiros em busca do ouro estão tentando voltar para a Reserva Indígena Yanomani, uma gleba de 9,6 milhões de hectares na fronteira entre Roraima e a Venezuela. De onde foram expulsos em 2023 pelo governo federal. A imprensa aponta como um dos motivos da tentativa de retorno dos garimpeiros à área a valorização de 60% nas cotações do ouro nos mercados internacionais em 2025. A disparada é resultado da fuga de bancos centrais e investidores para ativos de proteção diante das incertezas econômicas e políticas mundiais, principalmente a guerra tarifária iniciada no começo do ano pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 79 anos. Esta tentativa da volta dos garimpeiros às terras indígenas é um problema pontual que será resolvido pelas agências de fiscalização do governo federal, que tem recursos e pessoal para lidar com o assunto. No ano passado, por outro motivo, também houve uma tentativa de retorno dos garimpeiros às reservas indígenas. Vamos conversar sobre o assunto.

Omotivo pela qual os financiadores dos garimpos na Floresta Amazônica voltaram a investir na atividade foi o fato de que as pesquisas eleitorais mostravam que a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 80 anos, estava em decadência, com um índice de desaprovação maior que o de aprovação – os dados podem serem encontrados na internet. Esse quadro comprometeria a sua reeleição em 2026. Portanto, aumentaria a chance de ser eleito o candidato que será indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 70 anos. Bolsonaro não pode concorrer por ter sido considerado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E porque atualmente cumpre prisão domiciliar enquanto aguarda transitar em julgado a sentença de 27 anos de cadeia decretada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) por sua condenação em cinco crimes, um deles ser chefe de uma organização criminosa que tentou dar um golpe de estado. No início de 2025, Lula começou a recuperar sua popularidade, graças ao tarifaço de 50% aplicado pelo governo Trump aos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos. Nas duas últimas semanas de outubro, as chances de Lula se reeleger são reais, seja lá quem for o indicado por Bolsonaro. Falta um ano para as eleições e, neste período, os financiadores dos garimpos vão ficar de olho nas pesquisas eleitorais para a Presidência da República. Por quê? As suas principais atividades ilegais na Amazônia, como o garimpo (ouro e bauxita), a derrubada de árvores nobres e a pesca, são fiscalizadas e controladas pelos serviços públicos federais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e outros. Aprendi o seguinte. Caso o candidato eleito tenha o compromisso de preservar a floresta, significa que vai investir em recursos materiais e humanos para os serviços de fiscalização. Neste caso, os financiadores desmontam as suas bases e armazenam no mato a produção que restou (ouro, bauxita e madeira). Este material será retirado de maneira discreta e vendido aos receptadores. Caso o eleito não tenha compromisso com a preservação da floresta, os saqueadores expandem suas atividades, porque os serviços federais de fiscalização serão desmontados. Esta expansão inclui a invasão de novas áreas.

Comentei sobre o assunto no post (02/2023) Ouro e toras da Amazônia foram escondidos até as coisas esfriarem. Lembro que em 2018, quando as pesquisas eleitorais apontavam Bolsonaro como candidato preferido dos eleitores, aconteceram várias invasões de garimpeiros a áreas indígenas e o desmatamento se acelerou. Bolsonaro ganhou as eleições e realmente desmontou o aparato de fiscalização ambiental. Na eleição seguinte, em 2022, concorreu à reeleição e perdeu para Lula numa disputa muito acirrada. O nome do vencedor só foi conhecido ao final da apuração do segundo turno. Lula venceu por com 50,9% dos votos contra 49,1% de Bolsonaro, uma diferença de apenas 2,13 milhões de votos. Na ocasião, a maioria dos financiadores da exploração ilegal da Floresta Amazônica apostava na vitória de Bolsonaro e manteve funcionando os seus garimpos. A consequência foi que não conseguiram desativar a tempo a maioria dos equipamentos e se tornaram presas fáceis para o aparato de fiscalização do governo federal, que colocou fogo em máquinas, aviões e outros veículos. Antes de seguir a conversa, quero fazer um pequeno comentário que julgo relevante. Liguei para várias fontes que tenho na região, principalmente entre os pilotos de garimpo, e ouvi que, caso o indicado pelo ex-presidente ganhe as eleições, ele terá o compromisso de desativar a fiscalização ambiental. Voltando a nossa conversa. A realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA), no próximo mês, chama a atenção do mundo para a Floresta Amazônica. O que isso significa? Problemas para os financiadores da destruição da floresta. Mas qual é o tamanho do problema? Seja qual for, o dano que causará entre os financiadores não os destruirá porque a estrutura criminosa que montaram é muito sólida. São verdadeiras organizações, nas quais existem os gerentes que lidam com grupos que operam em campo, os legalizadores do ouro e da madeira, e têm contatos nos mercados ao redor do mundo.

Vejam bem. No final dos anos 80, quando comecei a viajar fazendo reportagens na região, os garimpeiros eram aventureiros que se embrenhavam mato adentro na procura de ouro. Foi assim que nasceram os famosos garimpos de Serra Pelada (1980 – 1986), no Pará, o do Peixoto (1970 –1987), no Mato Grosso (MT), e de diamantes, em 2000, ainda ativo na reserva indígena dos índios Cinta Larga, uma gleba de 2,7 milhões de hectares na divisa de Mato Grosso e Rondônia. Estive na região fazendo matérias sobre um conflito que aconteceu em 2004, quando 19 garimpeiros foram mortos pelos índios. Naquela época, os garimpeiros usavam armas velhas nos enfrentamentos com os índios. Nos dias atuais, estão equipados com fuzis fornecidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, que se tornou um dos investidores. Os jornalistas precisam dar uma parada e repensar a cobertura sobre os saqueadores da natureza. Há muito tempo deixaram de ser amadores, ou simplesmente um grupo de aventureiros, me chamou a atenção um delegado da PF. Eles se organizam para financiar a atividade ilegal do garimpo e dos madeireiros. Olhando a questão sob a “letra fria da lei”, como se dizia nos tempos das máquinas de escrever na redação, podem ser enquadrados no crime da formação de organização criminosa. O delegado, em tom professoral, explica: “Wagner, tu e os teus colegas escrevem que a presença do PCC significa que o crime organizado chegou aos garimpos. Não, o crime organizado chegou quando os financiadores locais se organizaram”. É simples assim, como os jornalistas colocam um ponto final em uma conversa na mesa dos botecos.

Publicado originalmente em “Histórias Mal Contadas”

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.