
(Foto: Lula Marques/Agência Brasil)
A rasteira é um golpe de luta muito usado na capoeira que consiste em derrubar o adversário no chão atingindo-o na parte de trás da sua perna de apoio, geralmente na altura do calcanhar. Pensei na rasteira na quarta-feira (25), quando os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), 48 anos, e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), 35 anos, derrubaram o decreto do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, que reajustou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Assim como na capoeira, a rasteira faz parte da luta política. Portanto, é do jogo. Se a rasteira tivesse acontecido no primeiro semestre de 2026 teria influência nas eleições presidenciais. Como aconteceu agora, o governo tem chance de reverter a situação e usá-la para fortalecer o seu discurso de defensor dos pobres, fundamental para tornar a candidatura à reeleição de Lula competitiva. Vamos conversar sobre o assunto.
Mas antes vamos contextualizar a nossa conversa, resumindo o que foi publicado na imprensa. Em maio, o governo havia reajustado o IOF para fechar as contas públicas. O imposto nas compras internacionais de pessoas físicas em cartões de crédito e débito aumentou de 3,38% para 3,5%. Para compra de moeda estrangeira em espécie e em remessas para o exterior subiu de 1,1% para 3,5%. A alíquota diária do imposto para empresas foi elevada de 0,0041% para 0,0082%. E de zero para 5% sobre seguros do tipo VGBL, previdência privada para investidores de renda mais alta. E, por último, de zero para 0,38% para fundos de investimento em direito creditório na aquisição de cotas. Com a derrubada do decreto presidencial, os percentuais voltaram ao que eram anteriormente. Desde o início desta história, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, 62 anos, tem se posicionado a favor de que o governo federal recorra à Justiça para derrubar a decisão do Senado e da Câmara. E nesta terça-feira (01), o governo Lula decidiu que vai lutar no Supremo Tribunal Federal (STF) pela volta do decreto do IOF. Independentemente do destino que terá esta disputa entre o governo Lula e os presidentes das duas casas do Congresso, o fato é que a derrubada do decreto fortalece a tese do comprometimento do governo com os interesses dos pobres. Do Lula defensor da preservação dos programas sociais e de renda. Para que isso aconteça é preciso cobrar impostos dos mais ricos e da chamada “taxação BBB” – bilionários, bancos e bets. Do outro lado, o Senado e a Câmara defendem os privilégios da minoria rica. É o que a maior parte dos noticiários vem publicando nas manchetes. Consolidando no governo o discurso da justiça tributária. Enquanto os comentaristas econômicos e políticos defendem o corte de gastos para equilibrar o déficit orçamentário. Sem apontar onde devem ser feitos os cortes. Os jornais têm publicado gráficos sugerido que os ganhos dos aposentados são o grande problema para as contas públicas.
Lula é calejado na disputa política. Nos seus discursos não está fechando as portas para o entendimento. Mas assumiu com muita veemência a posição de defensor dos pobres. Não devemos esquecer que o atual ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, 67 anos, é marqueteiro e foi o responsável pela campanha de Lula em 2022. Onde nós jornalistas enxergamos uma crise de credibilidade do governo, como foi o caso da derrubada do decreto do IOF, ele vê uma oportunidade para o governo marcar posição favorável entre a maioria dos eleitores. O presidente teve a prudência política de usar o episódio da derrubada do decreto para marcar a sua posição favorável à maioria pobre. Nas eleições de 2026, o foco não se resume à corrida presidencial. Existe entre a situação e a oposição a intenção de eleger a maioria no Senado e na Câmara. Lula tem lembrado sempre a oportunidade de fazer maioria nas duas casas. No domingo (29), o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, disse: “Me deem 50% dos parlamentares eleitos para a Câmara e o Senado”. Ele fez a declaração na manifestação que reuniu 12 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo (SP). Organizada pelo pastor Silas Malafaia, 66 anos, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a manifestação teve como objetivo ser uma demonstração de força política às vésperas da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluir o julgamento no qual Bolsonaro e mais 33 pessoas respondem por vários crimes, entre eles formação de uma organização criminosa para dar um golpe de estado. Tratei do assunto no post (13/06) Bolsonaro corta os laços políticos e de amizade com os manifestantes do 8 de janeiro. O ex-presidente foi considerado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No acordo que fez com as suas bases, ele deverá indicar o seu substituto nas eleições de 2026.
Bolsonaro acredita que se eleger a maioria do Congresso poderá não só derrubar a sua inelegibilidade como conseguir a anistia para os envolvidos na tentativa de golpe. Tem muita coisa em jogo nas eleições de 2026. Nesta disputa acirrada, cada episódio, por mais singelo que seja, é aproveitado para fixar posição política. O que podemos dizer sobre a rasteira dada em Lula por Alcolumbre e Motta? A prudência recomenda que apenas o que estamos enxergando. O que aconteceu entre quatro paredes ainda não veio a público. E quando vier será uma versão da realidade. No atual momento, os senadores e deputados federais estão na defensiva perante a opinião pública. A começar pelo fato de que 76% da população brasileira se posicionou contrária ao aumento do número de deputados federais. E, na quarta-feira (25), eles aprovaram o aumento de 513 para 531 parlamentares. Soma-se a este fato a escandalosa quantia de R$ 59 bilhões designados para emendas dos senadores e deputados. É um jogo pesado.
Publicado originalmente em Histórias Mal Contadas
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.