Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

A vocação comunitária do jornalismo do futuro

Quando se fala em relações com a comunidade, a reação de repórteres e editores numa redação jornalística convencional não chega a ser de entusiasmo. Em geral os profissionais preferem dar atenção aos “grandes” temas como política, economia e assuntos internacionais, mas o veterano Tom Rosenstiel, um dos gurus do jornalismo norte-americano, acaba de dar munição para os que defendem a vocação comunitária do jornalismo.

Num artigo publicado fevereiro e que foi usado há uma semana como base para um seminário organizado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Tom Rosenstiel afirma que todas as letras que “o futuro do jornalismo é transformar-se num serviço capaz de ajudar no desenvolvimento de comunidades sociais”. E Rosenstiel não está sozinho nesta profecia. O próprio MIT tem desde 2006 um projeto para desenvolvimento de mídias comunitárias chamado Centro para a Midia Civica, onde o brasileiro Alexandre Gonçalves é um dos pesquisadores.

Tanto Rosenstiel como o MIT procuram responder a uma pergunta ainda sem resposta: qual o papel que o jornalismo desempenhará no novo ambiente da comunicação digital? Embora ambos ainda não tenham uma posição definitiva sobre a questão, o caminho que apontam é o mesmo. A plataforma industrial de produção de notícias não consegue mais preencher sozinha a ligação histórica entre o jornalismo e as necessidades informativas de comunidades sociais.

No seu artigo, o coautor do livro Elementos do Jornalismo [com Bill Kovacs, publicado no Brasil pela Geração Editorial, 204 pp., 2003], conta que os primeiros jornais e os primeiros repórteres surgiram no século 16 em tabernas de portos europeus para publicar a lista de navios atracando e com que tipo de carga. Não demorou muito, esses mesmos folhetins passaram a publicar histórias de marinheiros vindos de terras distantes. “Desde o seu surgimento os jornais viabilizaram a conversa entre jornalistas e a comunidade”, diz Tom Rosenstiel, que acrescenta: “Esta ligação foi perdida quando a imprensa se tornou uma atividade majoritariamente comercial e o lucro passou a ser a preocupação principal”.

A vocação comunitária do jornalismo ganha agora – no contexto digital – uma nova dimensão porque as novas tecnologias tornaram possível a segmentação do noticiário e o restabelecimento da conversa com o leitor. Quando as limitações técnicas e econômicas obrigaram a imprensa a seguir a fórmula da produção em massa para baratear custos de produção, a conversa foi substituída pelo discurso e a notícia personalizada cedeu espaço para uma agenda determinada pelo jornal.

Agora as pessoas começam a descobrir que podem ter notícias que atendem às suas necessidades e desejos, o que provocou uma fuga de leitores e a consequente crise no modelo de negócios dos jornais convencionais. Com isso abriu-se um espaço para a redescoberta da vocação comunitária do jornalismo agora num contexto diferente, onde o desafio não é mais o quê e nem como publicar, mas a fórmula econômica capaz de manter essa prestação de serviços informativos de maneira sustentável.

Este é o principal objetivo das pesquisas em curso no MIT, onde há mais de 30 projetos sendo desenvolvidos. Contrariando o chamado senso comum, tudo indica que não haverá uma formula salvadora, mas sim várias fórmulas e que o sucesso de cada uma delas vai depender diretamente de sua adequação ao contexto em que estão inseridas. Também já possível vislumbrar que a maioria das propostas inclui a economia da troca direta como um dos componentes básicos. Trata-se de uma modalidade de comércio na qual o dinheiro não entra, onde o valor de uso é mais importante do que o valor monetário. Para os economistas modernos, a troca direta, ou escambo, é uma forma primitiva de relação econômica entre indivíduos e entre instituições, mas a ultramoderna economia dos Grandes Dados [fenômeno econômico gerado pela avalancha informativa e que se baseia na colaboração não monetária entre empresas para compartilhar grandes massas de dados com resultados individualizados para cada protagonista; é um tema complexo e quem desejar maiores detalhes pode encontrar o livro Big Data, a Revolution that Will Change the Will Transform How We Live, Work and Think, ou a página A inteligência em Big Data começa com a Intel (em português)] está recuperando o hábito da troca baseada na confiança.

Simplificando muito para facilitar a compreensão, a possibilidade da economia de troca alavancar o jornalismo comunitário está na construção de uma cadeia de produtores de informação em que cada parte tem algo a ganhar com a colaboração entre todos. Esta rede de colaboradores vai desde o cidadão comum que pratica atos jornalísticos pensando no interesse coletivo – como, por exemplo, identificar um ponto de venda de drogas – até uma instituição encarregada do planejamento da segurança pública numa metrópole, como outro exemplo.

Dito dessa maneira parece uma sonhadora utopia, mas, acredite quem quiser, empresas como a Federal Express (Fedex), uma multinacional de transporte de encomendas, entregou seus dados sobre gastos de combustível com sua frota de 69 mil caminhões para uma empresa independente especializada em identificar correlações a partir de grandes números. Esta empresa também recebe dados da DHL, a principal concorrente da Fedex, que tem outros milhares de caminhões distribuindo pacotes pelo mundo inteiro.

A soma dos dados de ambas as frotas ofereceu um resultado que nenhuma das duas conseguiria individualmente e que apontou correlações surpreendentes como o fato de que a economia de combustíveis depende, entre outros fatores, do número de curvas à direita feitas pelos veículos de transporte. Quanto maior o número de curvas à direita, maior a economia de combustíveis. Sem entrar na discussão dos porquês deste fato, ambas as empresas alteraram os trajetos de seus caminhões, lucrando com um compartilhamento de dados inimaginável numa economia de competição feroz e carregada de desconfiança.

A pesquisa sobre o escambo na nova cadeia produtiva de informações jornalísticas ainda está longe de apresentar resultados como esses porque ainda estamos impregnados pelos valores do individualismo e da exclusividade noticiosa. Mas esta nova lógica da colaboração substituindo a competição como forma de melhorar desempenhos inevitavelmente levará à descoberta de fórmulas de sustentabilidade tão inimagináveis quanto o fato de grandes empresas compartilharem suas caixas pretas para ganhar mais dinheiro. A fórmula ainda pode ser uma grande incógnita, mas são cada vez menores as dúvidas de que ela será desenvolvida num contexto comunitário.