Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Camisa-de-força na internet

É um assombro a resolução da Justiça Eleitoral que estende à internet as limitações impostas às emissoras de rádio e TV na cobertura da campanha deste ano.



 


Como diz a Folha – o único dos grandes jornais a falar do assunto hoje, em matéria de página inteira – o ato do TSE “fechou as portas do mundo virtual para a divulgação de informação jornalística e de manifestações individuais sobre candidatos”. [Íntegra da matéria mais adiante.]



 


Nenhum site, blog ou comunidade virtual pode apoiar ou criticar candidatos. Tampouco pode lhes dar tratamento desigual.



 


É um atentado à liberdade de expressão no mais livre dos espaços já criados pelo engenho humano – e que não depende de autorização, permissão ou concessão do poder público para existir, diferentemente de uma estação de rádio ou TV.



 


Dá, por exemplo, no seguinte:



 


Um jornal declara em editorial o seu apoio a um candidato. O editorial não pode sair na sua edição online.



 


Será que ninguém pedirá ao Supremo que remova a mordaça?



 


Um mistério de US$ 20 milhões



 


Furo mundial ou furo na água, a informação do repórter Frédéric Blassel, da sucursal de Zurique da Radio Suisse-Romande, sediada em Berna, de que a Colômbia pagou US$ 20 milhões a um comandante das Farc pela libertação de Ingrid Betancourt e outros 14 reféns, está indo pelo ralo na mídia.



 


O repórter atribuiu a história a uma fonte a quem conhece há 20 anos. É improvável que seja um colombiano. Leva jeito de ser um agente (ou ex) da espionagem francesa.



 


A versão, transmitida na sexta-feira e imediatamente desmentida pelo governo de Bogotá, é importante demais para ser mencionada agora apenas como uma das várias dúvidas que persistem sobre a operação.



 


Bem que um jornal brasileiro – como o Estado, que tem em Genebra um correspondente de primeira linha, Jamil Chade – poderia dar a ficha desse repórter. No site www.swissinvestigation.net/en/directory/ ele figura numa relação de 37 jornalistas investigativos de seu país.



 


Por que não apurar quantas e quais de suas revelações anteriores foram comprovadas – ou “desprovadas”? E quantas e quais vieram desse mesmo informante? Por que não lhe perguntar ainda se ele banca uma informação-bomba como essa com base em uma única fonte?



 


Mais escola, menos desnutrição



 


O ombudsman da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva, critica hoje o jornal por não ter dado destaque à descoberta de que, entre 1996 e 2006, a desnutrição infantil crônica diminuiu 46% no país – e 74% no Nordeste.!



 


“A notícia não apareceu em primeira página; saiu apenas no pé da capa de Cotidiano de sexta”, aponta – até aí coberto de razão.



 


Até aí, porque no sábado, quando a coluna decerto já estava fechada, a Folha se redimiu, publicando uma imperdível entrevista do repórter João Batista Natali com o especialista em saúde pública Carlos Augusto Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da USP. Ocupa praticamente uma página. Pode ser lida em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0507200831.htm



 


Monteiro foi um dos responsáveis pela pesquisa, feita para o Ministério da Saúde, que evidenciou a extraordinária mudança nas condições de vida das crianças brasileiras.



 


Segundo ele, o fator mais importante para a queda da desnutrição infantil foi “a melhoria excepcional no nível de escolaridade das mães”.



 


Em 1996, os filhos de mães com menos de 4 anos de escola eram 28% do total. Hoje são 11%. Já os filhos de mães com pelo menos 8 anos de escola passaram de 32% para 62%.



É um Brasil que raramente aparece na mídia.



 


“TSE restringe uso de internet na campanha”



”A restrição imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral ao uso da internet como instrumento de propaganda fechou as portas do mundo virtual para a divulgação de informação jornalística e de manifestações individuais sobre candidatos.


A limitação está prevista na Resolução nº 22.718, uma espécie de guia para as eleições municipais deste ano. O ponto mais polêmico é o fato de o TSE ter equiparado legalmente a internet ao rádio e à televisão, que são concessões públicas.


A legislação eleitoral proíbe a mídia eletrônica de difundir opinião favorável ou contrária a candidato e ainda de dar tratamento diferenciado aos postulantes. Já os jornais e revistas, que são empresas privadas, não sofrem restrições.


Na prática, a equiparação significa que as inúmeras ferramentas da internet -como blog, e-mail, web TV, web rádio e páginas de notícias, de bate-papo, de vídeos ou comunidades virtuais- não poderão ser usadas para divulgar imagens ou opiniões que configurem apoio ou crítica a candidatos.

A vedação cria situações inusitadas. Um texto desfavorável a uma candidatura, por exemplo, pode ser publicado num jornal impresso, mas não pode ser reproduzido em um blog.

Até mesmo o internauta poderá ser multado se criar sites, blogs ou comunidades pró ou contra candidatos. O tribunal entende que quem não pode praticar um ato por meio próprio também não pode praticar por meio de terceiros.

Uma consulta e um mandado de segurança foram encaminhados ao TSE para tentar esclarecer as dúvidas sobre a internet na disputa de 2008.


A consulta, assinada pelo deputado federal José Fernando de Oliveira (PV-MG), questionava o uso do e-mail, do blog, do link patrocinado (anúncio em site de busca) e de comunidades virtuais como instrumentos de propaganda. Os ministros do TSE não chegaram a um consenso.


Enquanto o presidente da corte, Carlos Ayres Britto, defendeu a internet como um espaço de liberdade de comunicação e, por isso, não sujeita a restrições legais, o colega Ari Pargendler apresentou cerca de 45 propostas de controle da rede mundial de computação.


O TSE optou pelo voto do ministro Joaquim Barbosa, que propôs postergar a discussão para casos concretos que ainda serão levados ao tribunal.


O mandado de segurança foi iniciado pelo Grupo Estado, que criticou a equiparação da internet às empresas de radiodifusão. Sem analisar o tema, o TSE rejeitou o recurso.


Advogados de empresas jornalísticas com portais na internet criticaram a resolução.


‘É uma situação absurda. Um site vinculado a um jornal ou a uma revista pertence a um grupo privado, não é uma concessão pública, não pode ser censurado’, disse o advogado do Grupo Estado Afranio Affonso Ferreira Neto.
Para ele, um internauta não tem uma postura passiva diante da notícia, ele precisa ‘navegar’ até encontrar o que busca.


O advogado Luís Francisco Carvalho Filho, da Folha, também criticou os limites impostos pela resolução. ‘Como cidadão, tenho o direito de expressar a minha opinião em um blog, de dizer em quem voto e de criticar candidatos.’ Para Carvalho Filho, a maioria das questões sobre o uso da internet na eleição serão certamente analisadas pela Justiça.


Luiz de Camargo Aranha Neto, advogado das Organizações Globo, defendeu o fim da regulamentação da internet, a exemplo do que já ocorre em outros países. ‘Mesmo porque uma fiscalização é impossível, você pode criar um site num provedor do exterior. Como a Justiça vai impedir?’


Para o especialista em direito eletrônico Renato Opice Blum, a tendência é, aos poucos, a legislação brasileira ser menos proibitiva com a internet. ‘Mais cedo ou mais tarde, nós também teremos uma regulamentação mais equilibrada.’


No mês passado, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio divulgou uma portaria permitindo o uso de blog, de site e de comunidade do Orkut na eleição. Vetou o uso do e-mail.”