Sunday, 19 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Entre Josias e Jefferson

A palavra da moda entre os jornalistas é credibilidade, mas pode se chamar de confiança o cimento que liga consumidores e fornecedores de informação: órgãos de mídia, programas (no caso do rádio e da TV), seções (no caso de jornais e revistas) e, principalmente, pessoas: repórteres, comentaristas, colunistas (em todos eles e na Internet também).

Um leitor, por exemplo, não precisa confiar em tudo no que os seus olhos batem ao percorrer o periódico de sua preferência. Basta que ele mais confie do que desconfie do que lê a cada dia no conjunto das reportagens, artigos, colunas e editoriais publicados para continuar a ser fiel ao jornal ou revista.

Mas ele confia ou desconfia, caso a caso, em quem assina reportagens e comentários, principalmente quando os signatários escrevem sobre fatos insuscetíveis de confirmação imediata – as tais matérias de bastidor, cujas fontes quase sempre não têm nome nem sobrenome e, como se diz nas redações, falam “em off”.

Em um mesmo jornal, leio sempre o jornalista A porque, entre outras qualidades, como independência e traquejo, nunca me vendeu gato por lebre, mesmo quando – em se tratando de jornalista com redação própria, como se chama, no jargão do ofício, o autor de textos opinativos – eu não costumo concordar com as suas idéias.

Mas não leio B pelo mesmo motivo que me impediria de comprar dele um carro usado: ou não confio na excelência de sua apurática ou não confio na honestidade de sua opiniática. Posso até lê-lo, mas por motivos espúrios: para saber o que querem plantar na mídia aqueles a quem ele me parece servir, por amizade, conveniência ou afinidade política.

Um jornalista cujas matérias sempre leio, pelos motivos nobres, não pelos outros, é o repórter-colunista da Folha, Josias de Souza. E por confiar nele, não tive a menor dúvida de que ouviu de quem não disse ter ouvido que o deputado Roberto Jefferson tinha 52 gravações de “diálogos que manteve com outros políticos e até com autoridades do governo”, alguns tratando de temas como verbas e cargos.

O jornal deu a informação na edição de ontem. Nela se lê que um correligionário do petebista acha que ele “adotou um comportamento kamikaze e que “os diálogos que ameaça tornar públicos teriam potencial para ceifar muitas carreiras políticas, a começar da dele próprio”.

A rigor, Josias não foi o primeiro a noticiar as supostas fitas. O blogueiro Ricardo Noblat já as havia mencionado, com a diferença – significativa por ser irrisória – de que seriam 51.

A tecla play

Eis que hoje a Folha dá que o doutor Jefferson pediu a quatro deputados do PTB que dessem o dito pelo não dito: não tem fitas “porque não é araponga”. Foi o que afirmou o líder do partido na Câmara, José Múcio, ao sair do apê onde Jefferson se mantinha trancado desde o domingo em que soltou a sua denúncia-bomba sobre o mensalão.

“Foi uma notícia que soltaram para denegrir sua imagem”, disse o politicamente incorreto evangélico Philemon Rodrigues, do PTB paraibano, depois de visitar Jefferson para lhe dar “apoio espiritual”.

Estranhamente, a matéria-desmentido, assinada por Silvio Navarro, da Agência Folha, não faz nenhuma referência à matéria desmentida. Isso é grave. Não basta dar o título “Jefferson agora diz que não tem 52 gravações”.

Era essencial que o jornal dissesse que Josias não tirou do nada a informação das fitas, mas que a ouviu de um ou mais interlocutores do político. Tanto que escreveu: “Não perdem por esperar”, ameaça, ainda segundo relato de colegas de partido.”

Claro que ele não pode identificar os “colegas”, porém tampouco pode passar por mentiroso. Afinal, outros leitores talvez não confiem nele como eu – e confiando ou desconfiando, merecem uma satisfação em cima da bucha, do tipo “a Folha sustenta que recebeu a informação publicada”.

É o que o manual manda fazer quando o jornal publica uma carta que diz que o autor não disse (ou fez) o que lhe foi atribuído – e o jornal banca a atribuição. Do contrário, sai uma errata no mesmo espaço.

Para mim, o deputado tem fitas, sim. Podem ser 52, 51, 5, 2, ou uma unzinha só, mas levou uma prensa daquelas para parar de fazer terrorismo.

Acho que a tecla play está nessa passagem da matéria de hoje: “Segundo Múcio, o intuito de Jefferson (ao negar as gravações) foi tranquilizar algumas pessoas que estão sendo vítimas de que há vítimas. Ele disse, entretanto, não saber quem são essas pessoas.”

Agora, cá entre nós, conhecendo Josias, mesmo que só de ler, e conhecendo Jefferson, mesmo que só de acompanhar a sua notória trajetória, quem você acha que se desentendeu com a verdade?