Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Falou, tá gravado, doutor


Ufa! Ainda bem que a Folha, diferentemente do Estado e do Globo, se deu o trabalho de perguntar ao pessoal da Veja se o ex-presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), Lídio Duarte, sabia que estava sendo gravado quando disse ao repórter Policarpo Júnior que o corretor de seguros Henrique Brandão e “o chefe dele”, deputado Roberto Jefferson, pediram mesada de R$ 400 mil para o PTB “de cada indicado” para a estatal. A resposta, está na edição de hoje, é sim.


 


Como se sabe, na primeira matéria sobre o assunto, a Veja contou o milagre sem citar o santo (santo, no contexto, é modo de dizer, mesmo que não haja nenhuma evidência de que o doutor Lídio pagou alguma vez o pedágio exigido). Ocorre que, em depoimento à Polícia Federal, anteontem, ele negou a informação da revista segundo a qual ele saíra do IRB por não suportar as pressões da corrupa. Negou também a história da mesada. O seu advogado chegou a falar que isso era uma “fantasia”.


 


Estranho. Será que o doutor Lídio se esqueceu de que tinha sido gravado com o seu consentimento – e que, para usar a expressão clássica, tudo que dissesse à PF poderia ser usasdo contra ele pela revista? Estranho também que a Veja tenha se comprometido a não transcrever o explosivo conteúdo da gravação naquela matéria inicial.


 


Os termos do que parece ter sido uma negociação entre fonte e repórter (ou direção da Veja) também parecem obscuros. Que será que a revista esperava ganhar jornalisticamente segurando mercadoria tão preciosa? Suponha que o doutor Lídio e o seu causídico tivessem sido mais enroladores e menos taxativos, e não deixassem a Veja com nariz de Pinóquio. A revista continuaria guardando a fita para dias melhores?


 


Volto agora ao “ufa” da primeira linha. O alívio vem do fato de que, se a gravação fosse clandestina, eu teria de entrar no espinheiro de uma das mais divisivas questões da ética profissional – a legitimidade do uso de câmaras ou gravadores ocultos em reportagens investigativas para expôr malfeitos. Faz pouco ouvi de um professor de jornalismo que a sua classe rachou ao meio diante do dilema.


 


Mas, de qualquer forma, vamos lá: não há escapatória. Na edição de 24 de maio, o Observatório da Imprensa transcreveu a introdução do excelente livro do jornalista Frederico Vasconcelos, “Juízes no banco dos réus”. Nela, Fred, como é conhecido, lembra que “jornalistas e operadores do Direito enfrentam uma dificuldade comum: encontrar o equilíbrio entre a garantia da livre informação e a inviolabilidade dos direitos individuais”.


 


Às vezes parece mais fácil encontrar a proverbial agulha no palheiro. Porque, embora repórter não seja policial e editor não seja juiz (como o OI intitulou o transcrito), tampouco é confessor ou psicanalista. E muitas vezes o interesse público só será servido pela livre informação quando o jornalista não tiver alternativa salvo a de registrar atos ou palavras à revelia dos seus autores, para documentar maracutaias atentatórias, em última análise, ao bem comum.


 


Isso é violação de privacidade? É. Deveria ser banido do jornalismo? Honestamente, não estou convencido disso. Antes de tudo porque, em regra, os maracuteiros dispõem de mais e melhores meios de perpetrar sejá lá o que for – principalmente quando são governo ou com ele transacionam – do que a mídia de flagrá-los. Registros clandestinos não servem de prova em processos. Mas, divulgados, podem servir para desencadear inquéritos que de outro modo muito dificilmente seriam instaurados.


 


O que os repórteres políticos sabem dos podres de seus objetos – alguns deles figuraças cujo poder é aparentemente inextinguível – e não conseguem provar literalmente não está escrito.


 


Não quero me refugiar no relativismo – até para não incorrer no pecado que o Santo Padre Bento verbera com a ira dos justos -, mas, no limite, cada caso é um caso. E só o senso ético do jornalista em posição de decidir indicará que nessa matéria cabe divulgar o que a gravação oculta captou, naquela não. Porque nessa tudo indica que não haverá outra forma de denunciar a falcatrua, e naquela pode ser que haja.


 


Como exercício acadêmico, imagine que a Veja gravou o doutor Lídio sem ele saber. Seria provavelmente precipitado ela publicar a gravação sem antes esgotar todos os recursos para confirmar o que o homem disse. Agora imagine que a Veja o gravou à sorrelfa e ele a desmente a revista na polícia. O que você queria que a revista fizesse? Passasse por mentirosa ou entregasse o cavalheiro? A resposta me parece clara.


 


E as bravatas e ameaças do senador Antonio Carlos Magalhães, gravadas às escondidas e repassadas à IstoÉ por um grupo de procuradores federais. Será que a revista deveria devolvê-las com uma polida recusa, ou, como fez, dar o seu conteúdo, relatando as circunstâncias da gravação? Também aqui penso que ela agiu direito.


 


Em suma, não se trata de ser abstêmio ou cachaceiro. Trata-se de “apreciar” com moderação  – e ponha moderação nisso – um meio de última instância para um fim de utilidade pública.


 


Salvo melhor juízo.