Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Jornais sem jornalismo

Pode haver jornalismo sem jornais impressos?


Quem pergunta é Jaume Guillamet, catedrático de Jornalismo da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, no artigo “Defendendo a verdade e a razão”, publicado no El País de 23 de fevereiro.


A sua resposta é “difícil, mas não impossível”. Mas – e aí está o ponto forte do artigo, ou um deles – “não é tão difícil, em contrapartida, imaginar jornais sem jornalismo”. Soa melhor em espanhol: “Periódicos sin periodismo”.


O problema é real. A atual conversação, ou algaravia, sobre o futuro presumivelmente sombrio do jornal-papel e o futuro presumivelmente radioso do jornal-internet tende a abafar a preocupação básica com a perda de qualidade da imprensa convencional, ameaçada, quando não já deformada pela sujeição da informação ao entretenimento – a “dissolução do jornalismo na indústria da comunicação”, como escreve o professor.


Muitas das críticas que se fazem à imprensa impressa são enviesadas pelo fascínio com a chamada nova mídia, que abriria de par em par as portas para a democratização do jornalismo, com a entrada em cena de legiões de “jornalistas-cidadãos”, acabando com a relação elitista entre as categorias estanques de produtores e consumidores de informação.


Como dizem os redatores à procura de um fecho para uma pensata que não fecha, “o tempo dirá” se esse cenário edênico tem base, a julgar pelo que se lê, numa modalidade e na outra. O ponto é que, enquanto isso, parecem ter passado a plano secundário os danos – e que danos! – que a imprensa tradicional vem sofrendo desde antes da irrupção da internet por causa da “dissolução” dos padrões clássicos do ofício na geléia geral da indústria da diversão de massa.


Se a internet não existisse, o problema não seria menos verdadeiro. Como existe – e, além disso, explora cada vez mais os recursos aparentemente intermináveis da computação – o problema agravou-se. Guillamet dá um exemplo:




“A imitação dos modelos gráficos instantâneos das notícias audiovisuais tende a produzir um empobrecimento informativo dos jornais, em cujas páginas também ganha espaço o entretenimento.”


A combinação pode ser devastadora.


A cada dia, circulam no mundo zilhões de exemplares de jornais “pobres”, diria o professor. Jornais praticamente sem jornalismo. E isso decerto é que deveria ter prioridade no debate corrente sobre a chamada crise na mídia.


Pois reduz a oferta de jornalismo “como seleção, elaboração e informação dos fatos, de acordo com critérios de interesse público, como investigação e apresentação dos problemas da sociedade, como análise e crítica com o aporte de opiniões fundamentadas” (Guillamet).


Isso – o jornalismo de qualidade imprescindível à democracia – a internet ainda não proporciona e a imprensa convencional, tomada no seu conjunto, passou a proporcionar menos.