Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Ler jornal ficou melhor

Desde ontem, graças à força dos fatos, o noticiário político ficou menos policial – e mais político, no bom sentido que andava sumido por aqui.


A rapina do dinheiro do contribuinte deixou de ser nestes dois dias o tema principal dos cadernos nacionais da imprensa. Grande parte do espaço ocupado pelas muitas modalidades de ‘seqüestro do poder público’, para usar o termo com que o Banco Mundial designa, entre outras coisas, a corrupção, serve agora para levar ao leitor uma questão ligada diretamente ao papel do Estado no mundo de hoje.


Não é que a mídia venha dando à corrupa mais do que ela merece. Ao contrário, por seu tamanho e ubiquidade, o assalto continuado ao erário obriga o jornalismo a cercá-la de atenções. E o desafia a ir além do mero relato dos acontecimentos ostensivos – por exemplo, identificando e expondo as azeitadas engrenagens da impunidade no Brasil, como fez o Globo nas últimas semanas.


Mas é bom para a saúde cívica do país que os jornais não neguem fogo quando confrontados com um fato em relação ao qual, por sua imensa importância, todos quantos se considerem cidadãos precisam do máximo de informação de boa qualidade.


O fato é o projeto de lei complementar enviado quinta-feira pelo governo ao Congresso para mudar o modo como o Estado presta serviços em nove áreas: saúde; assistência social; meio ambiente; esporte; cultura; ciência e tecnologia; previdência complementar do serviço público; turismo; e comunicação social.


Nessas áreas, a responsabilidade direta pela prestação dos serviços caberá a fundações estatais de direito privado, com autonomia gerencial, orçamentária e financeira. Elas poderão contratar pessoal pela CLT, mediante concurso público, como na administração direta, mas com plano de carreira e política salarial própria, sem direito à estabilidade, como nas empresas estatais e sociedades de economia mista.


Terão também mais flexibilidade para comprar bens e contratar serviços. Os recursos que as fundações receberem do Estado ficarão condicionados ao cumprimento de metas de desempenho estabelecidas nos contratos de gestão com o setor do governo que as supervisionará – por exemplo, no caso dos hospitais, o Ministério da Saúde. Os gestores que descumprirem as metas serão punidos.


Para o Globo, trata-se de ‘uma revolução no serviço público’. Para a Folha, o governo teve um ‘lampejo de inovação’. Para o Estado, o projeto abre caminho para ‘uma mudança radical na gestão do setor público’.


O leitor poderá concordar ou discordar – e terá no noticiário desses mesmos jornais argumentos para formar opinião. Não é sempre que se pode dizer isso de uma cobertura. Neste caso, porém, a imprensa:



1. atinou desde o primeiro momento com a relevância do projeto;


2. esforçou-se para descrevê-lo e explicá-lo sem a canga do burocratês; 


3. foi atrás dos pontos fracos ou obscuros da iniciativa;


4. ressaltou que muita água ainda vai passar debaixo da ponte até o projeto virar lei; 


5. e abriu espaço para avaliações – de especialistas, políticos, dirigentes sindicais e, no caso do Globo, de leitores, publicando hoje nada menos de 20 mensagens a respeito.


Um grande erro: ontem, em manchete de primeira página, a Folha tascou: ‘Governo quer regras do setor privado para funcionalismo’. Como se a (delirante) intenção fosse a de aplicá-las a todos os servidores públicos.


Informações contraditórias também aparecem. A mesma Folha banca hoje que as fundações de direito privado ‘não terão de divulgar gastos’. Já no Globo se lê que ‘o contrato de gestão, a ser firmado entre a fundação e o ministério ao qual estiver vinculada, terá que ser publicado na internet, assim como os dados de cumprimento das metas de desempenho estabelecidas’.


Seria querer demais que um desses – ou outros – jornais oferecesse ao leitor o proverbial ‘tudo sobre’ o projeto. Mas, a julgar pelas edições deste sábado, se tivesse de ler um só, ficaria com o Globo. Pelo espaço que lhe dedicou, pelo comentário da colunista Teresa Cruvinel, pela entrevista com o ‘pai da criança’, o ministro do Planejamento Paulo Bernardo – e por ter trazido o leitor para o centro do debate.


P.S. Por que Lula foi vaiado


Nenhum jornal se deu o trabalho de apurar, ouvindo a galera, por que o presidente Lula foi tão vaiado na abertura do Pan, a ponto de desistir de declarar abertos os jogos.


Na chamada da primeira página, o Globo resolveu ser espirituoso: ‘Sua alta popularidade não resistiu à máxima do escritor Nelson Rodrigues: o Maracanã vaia até minuto de silêncio.’


Só que o prefeito do Rio, Cesar Maia, do ex-PFL, foi aplaudido – sinal de que o ‘Maracanã’ de ontem não era, por exemplo, o de um Fla-Flu, em matéria de composição social do público. 


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