Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Matéria vai fundo no óleo de Tupi

Na quarta-feira passada, 14, no artigo ‘Petróleo de Tupi põe a mídia à prova’ [http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id=
{83110FF7-4EE0-4A86-A5F2-F1CEA69A64C5}&id_blog=3] escrevi que a impresa tem o dever de ‘explicar, tornar a explicar, explicar de novo e ainda uma vez e ainda outra o que estiver em jogo no processo que poderá culminar com a entrada do Brasil na liga dos 10 maiores produtores mundiais do tal ouro negro’.


Como exemplo do que precisa ser explicado reiteradas vezes, citei a relação do custo extravagante da extração de óleo a aguas profundas – cerca de 7 mil metros abaixo do nível do mar, no caso das jazidas no chamado pré-sal da Bacia de Santos – com as cotações do produto. Aquém de certo valor de mercado, essa operação sem precedentes na história da exploração do petróleo simplesmente não compensa.


Domingo, na bela matéria do repórter Herton Escobar, do Estado, ‘2 km de sal desafiam tecnologia’, essa questão aflora com toda a força. A tal ponto que um dos mais qualificados especialistas no assunto, o engenheiro Giuseppe Bacoccoli, ex-superintendente de Exploração da Petrobrás, aparece dizendo que ‘talvez cheguemos à conclusão de que podemos [buscar o petróleo], mas não devemos’.


Reportagens desse padrão sobre o colosso de Tupi a mídia deve ao público. E pode perfeitamente fazê-las.


O texto:


‘Sete mil metros abaixo da superfície, o petróleo aguarda, aprisionado nas entranhas rochosas da plataforma continental. Trazê-lo para a superfície não será fácil. Muito menos barato. O tão cobiçado petróleo do campo de Tupi – suficiente para encher até 8 bilhões de barris – está enterrado sob dois quilômetros de água, mais dois quilômetros de rocha e, para completar, outros dois quilômetros de crosta de sal. É aí que a coisa se complica.

A preocupação maior, do ponto de vista tecnológico, não é nem a profundidade. O que mete medo mesmo é o sal. O Brasil é um dos líderes mundiais em exploração de petróleo em águas profundas, mas nunca teve de atravessar uma crosta desse tipo. “Vamos ter de desenvolver essa tecnologia”, disse ao Estado o engenheiro Nelson Ebecken, coordenador do Núcleo de Transferência de Tecnologia (NTT) da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), principal parceira acadêmica da Petrobrás. “Se essa camada de sal estivesse em terra já seria difícil. Imagine, então, a três mil ou quatro mil metros de profundidade.”

A essa profundidade, pressionado e aquecido pelo calor interno do planeta, o sal se comporta como um material viscoso, o que cria problemas para a perfuração e a manutenção dos poços. “A rocha é dura, mas é estável. O sal não é tão duro, mas é menos estável”, explica o colega e também engenheiro Edison Castro Prates de Lima. Imagine algo como uma gelatina: “Você abre o buraco e o buraco fecha”, compara o especialista Giuseppe Bacoccoli, do Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia da Coppe.

O planejamento dos poços, dizem os pesquisadores, terá de ser extremamente bem feito, para que não entrem em colapso. Trata-se de um ambiente pouco explorado no mundo. No Golfo do México, há poços que chegam a 8 mil metros de profundidade, mas mesmo esses estão acima da camada de sal, segundo Giuseppe. “Já se perfurou sal em outros lugares, mas não a essa profundidade nem com essa espessura”, completa Ebecken.

Desde que o Brasil começou a tirar petróleo do fundo do mar, no fim da década de 60, não se deparava com um cenário tão complexo. A descoberta do campo de Tupi, na Bacia de Santos, anunciada na semana passada pela Petrobrás, impõe um novo desafio econômico e tecnológico para a exploração petrolífera nacional. Técnicas terão de ser aprimoradas; custos terão de ser reduzidos. Na própria Bacia de Santos, a Petrobrás possui poços de até 5 mil metros de profundidade na rocha, mas em lâminas d’água (a distância entre a superfície e o leito marinho) muito mais rasas, na faixa dos 100 metros. E sem sal.

Apesar das dificuldades, todos os especialistas da Coppe ouvidos pelo Estado estão confiantes em que o Brasil tem competência tecnológica para chegar ao óleo de Tupi. “Não vejo nenhuma quebra de paradigma, é mais uma evolução”, afirma Bacoccoli, que já foi superintendente de Exploração da Petrobrás. O desafio maior, segundo ele, diz respeito ao custo, que aumenta exponencialmente com a profundidade e a complexidade da operação. “Talvez cheguemos à conclusão de que podemos, mas não devemos.”

“Vencer a camada de sal implica um custo adicional considerável”, completa o diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe, Segen Estefen. Além das dificuldades de perfuração, ele prevê a necessidade de “poços inteligentes”, equipados com sensores para monitorar a saúde das veias petrolíferas em tempo real. Algo como um carro de Fórmula 1, que pode ser monitorado completamente dos boxes, compara Estefen.

A sete mil metros de profundidade, qualquer falha pode significar prejuízos de milhões de dólares. Todos os materiais que vão para o fundo do mar precisam ser duramente testados em terra. A Coppe tem duas câmaras hiperbáricas de fabricação própria, capazes de simular pressões de até mil metros e cinco mil metros de profundidade. São tanques de aço lacrados, com água injetada sob alta pressão.

Uma terceira câmara, que está sendo usada justamente para testar os sensores de poços inteligentes, combina profundidade e temperatura (6 mil metros e 200 °C, respectivamente). O projeto para um quarto simulador, de até 7 mil metros, já está pronto e a expectativa é de que entre em operação no início de 2009.

A instalação dos poços é toda feita remotamente da superfície, com o uso de robôs. A pressão a dois mil metros de profundidade é 200 vezes maior do que a pressão em terra, ao nível do mar. Um ser humano nessas condições seria literalmente esmagado. A profundidade máxima para um mergulhador, com riscos altíssimos, é por volta de 300 metros.

Dentro das rochas, o petróleo está fervendo. Quando chega ao topo do poço, no leito marinho, está a quase 100°C. Aí começa um outro problema. A água no fundo do mar está a aproximadamente 4°C. Para transportar o petróleo até a plataforma, dois mil metros acima, é preciso mantê-lo quente. Caso contrário, a queda de temperatura induz a formação de “coágulos” que podem entupir completamente os dutos. “É como se o óleo passasse por uma serpentina, perdendo calor ao longo do trajeto”, compara Segen. A solução é revestir os canos de aço com material isolante, ou injetar produtos químicos para evitar o adensamento do óleo.

Os dutos que transportam o óleo do solo marinho até a plataforma são chamados de risers (do inglês rise, que significa elevar ou ascender). Podem ser de aço rígido ou flexíveis, com camadas intercaladas de aço e polímeros. A lâmina d’água profunda do campo de Tupi exigirá um planejamento cuidadoso de engenharia. Uma opção para reduzir o peso dos risers seria usar titânio no lugar do aço: um metal altamente resistente e leve. Só que muito mais caro. “Estamos operando no limite da tecnologia. O problema é o custo, se vai ser caro demais ou não.”

Isso vai depender do preço do petróleo. Com o barril a US$ 100, como está hoje, Bacoccoli acredita que a exploração será economicamente viável. A expectativa é começar a produção do campo por volta de 2013. “Mesmo que o preço do petróleo caia 50%, o que é improvável, ainda dá para trabalhar.”

O anúncio da descoberta de Tupi coincidiu com o aniversário de 30 anos da parceria entre Petrobrás e Coppe, que impulsionou a exploração de petróleo offshore no País. Para engenheiros que estão no projeto desde o início – quando as profundidades não passavam de 50 metros – o novo desafio é muito bem-vindo. “Não torcemos para que seja mais profundo e mais complicado, mas para a academia é ótimo”, afirma, maliciosamente, Nelson Ebecken, um dos pioneiros da área, já pensando nas muitas teses de mestrado e doutorado que poderão ser produzidas com o estudo do reservatório. “A vocação da universidade é inovar, buscar soluções. É tudo que a gente queria.”


P.S. Folha sacode a segunda-feira 


Quando escrevi ontem, a propósito do noticiário da crise ambiental, que a imprensa precisa manter “o maior desafio da nossa era” no centro do radar do público, tinha em mente, entre inumeráveis outras possibilidades, algo como o que a Folha fez hoje, sacudindo a apatia midiática das segundas-feira com a manchete de primeira página ‘Poluição cresce mais que PIB no país’, para a reportagem exclusiva do editor de Ciência do jornal, Claudio Angelo.


Ele apurou que, segundo um estudo encomendado pelo governo, entre 1994 e 2005 o volume do gás carbônico emitido no Brasil aumentou alarmantes 45%. Isso, imaginem, sem contar as emissões tóxicas das queimadas, principalmente na Amazônia: só elas já fazem do Brasil o quinto maior poluente do mundo na modalidade.