Saturday, 27 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

O homem que sabia de menos

Nem o gélido José Dirceu – de quem os gringos diriam que neve não derreteria na sua boca e que só perdeu o eixo quando ouviu que já tinha nascido arrogante –, nem o seu operístico acusador Roberto Jefferson, todo cheio de caras, bocas e pausas retóricas, foram ao fundo da questão.

Quem o fez foi o pefelista baiano José Carlos Aleluia, um dos três mais competentes arguidores da jornada. Os outros foram o seu conterrâneo e correligionário Jairo Carneiro, relator do processo contra Jefferson no Conselho de Ética da Câmara, e o tucano paranaense Gustavo Fruet, sub-relator da CPI dos Correios.

Aleluia mostrou por que Dirceu ficou na situação de que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

No papel do homem que sabia de menos, Dirceu não convenceu nem a velhinha de Taubaté. Com todo o respeito, nem a senhora sua mãe, lá em Santa Rita do Passa Quatro, há de ter acreditado que o filho todo-poderoso e todo-controlador e os Delúbios que ele plantou na Executiva do PT viviam em galáxias diferentes.

A alternativa, naturalmente, seria ele dizer: sim, eu sabia. Para não dizer, sim, eu mandei. Mas – e aí é que entra o brilhante raciocínio de Aleluia – se ele admitisse até a mais branda versão possível do seu envolvimento no caixão 2 em que a cúpula do PT sepultou a honra perdida, em nome de um projeto de poder, só faltaria dizer, com todas as letras, que o presidente Lula também sabia. No mínimo.

Porque, mesmo se ele matasse no peito, como diria Jefferson, a integral responsabilidade pela compra por atacado de políticos, a idéia de que ele aprisionou o presidente no buraco negro da absoluta ignorância do que faziam ele e os seus companheiros seria ainda menos crível do que os rechaços e repilos do seu depoimento.

Não que, em tese – e põe em tese aí – isso não pudesse ter acontecido. Mas nesse caso Dirceu não seria o Dirceu da “obediência canina” ao chefe, o Dirceu que nada fazia à sua revelia e o Dirceu que só fazia o que ele mandava.

Portanto, para não colocar o presidente na frigideira, ele só podia passar por bobo, sabendo que ninguém seria bobo de acreditar na bobagem.

A conexão portuguesa

Mas não tem escapatória: quando ele for cassado e recorrer ao Supremo, como anunciou – sob o previsível argumento de que não só não ofendeu o decoro parlamentar, porque é inocente, mas nem podia, porque estava no governo e não na Câmara – decerto será alvo de um processo por crime de responsabilidade.

Ou, a crer na miragem a que o homem-forte do governo e do PT recorreu para se declarar “inocêncio” no Conselho, por crime de irresponsabilidade.

E como fica o desavisado Lula, que disse que o seu destino está nas mãos da mídia, mais ou menos na mesma hora em que o seu canino ex-auxiliar tratava de livrar-lhe a cara?

Depois que Jefferson jogou na mesa a conexão portuguesa com certeza das tratativas heterodoxas com a Telecom de lá, o ex-ministro ficou ainda mais enrolado nos fios da trama petebo-petista-valeriana (como diria o Estadão dos velhos tempos).

Banco – sem jogo de palavras – o que escrevi ontem aqui:

O impeachment do presidente pode ser inviável por uma série de razões. A sua alegada inocência não há de ser uma delas.