Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Palavra de israelense: ‘Só o Hamas pode combater o terror’

Na sexta-feira, indiquei as matérias dos principais jornais brasileiros do dia que, a meu ver, ajudariam o leitor a formar opinião fundamentada sobre a grande reviravolta no Oriente Médio, produzida pelas eleições palestinas [ver “O melhor dos jornais sobre a histórica vitória do Hamas”].

Ontem e hoje, os mesmos jornais foram até mais longe em oferecer informações e análises esclarecedoras sobre o novo capítulo do interminável conflito entre judeus e árabes.

Mas, de tudo que li na imprensa nacional e estrangeira, o que mais me impressionou foi um artigo do comentarista Gideon Levy, na edição deste domingo do jornal israelense Haaretz, intitulado “Só a direita pode”.

E tanto me impressionou, acima de tudo pela lucidez, que me ocorreu compartilhá-lo com os eventuais leitores do Verbo Solto. Lá vai:

‘A boa notícia dos territórios ocupados é que o Hamas ganhou as eleições. Não que a vitória de uma organização extremista religiosa não traga consigo perigos e problemas, e o êxito de um movimento secular, moderado e livre de corrupção teria sido preferível. Mas, à falta disso, é possível vislumbrar alguns pontos de luz no triunfo do Hamas.

Primeiro, esses são resultados de todo autênticos, obtidos em eleições respeitavelmente democráticas, embora transcorridas sob as menos democráticas circunstâncias imagináveis – a ocupação.

Não houve tiroteios nem distúrbios. A nação palestina disse o que tinha a dizer de forma admiravelmente ordeira. Disse “não” a um movimento que não lhe proporcionou nenhum avanço na justa luta contra a ocupação. E disse “sim” aos que, na percepção dos eleitores, são mais corajosos e têm as mãos limpas.

A questão religiosa foi posta de lado. A maioria dos palestinos, pode-se afirmar com segurança, não quer um Estado religioso; quer um Estado livre.

Segundo, tanto israelenses como palestinos podem tirar importantes lições desses resultados. Os primeiros precisam finalmente aprender que o uso da força não produz os resultados desejados. Ao contrário.

Nos anos recentes, até a trégua, não passava mês sem que não fossemos informados da eliminação de mais um “alto dirigente” do Hamas. De assassinato em assassinato, o movimento só ganhou força. Conclusão: força não é a resposta.

Os palestinos também têm a aprender que o que levou o Hamas à vitória foi a moderação. O Hamas não ganhou devido aos ataques terroristas. Ganhou em ampla medida apesar do terror.

O movimento veio se moderando nos últimos tempos, mudando de pele, concordando com uma trégua que dura desde novembro de 2004. Nesse meio tempo, o seu poder só cresceu.

Ao contrário do fragmentado Fatah, cujos líderes não controlam o que se passa à sua volta, quando o Hamas quer, nem um revólver de brinquedo dispara. Essa é uma lição importante. Só o Hamas pode verdadeiramente combater o terror. A guerra que Israel conduziu contra o terror, com os seus inumeráveis assassinatos, demolições, remoções e detenções, foi muito menos eficiente do que uma judiciosa decisão dos cabeças do Hamas.

Há mais boas notícias. Só a direita pode fazê-lo? Se isso é verdade, se só os direitistas podem conseguir a paz, então estamos diante de uma nova oportunidade que não pode ser perdida.

Um acordo de paz com o Hamas será bem mais estável e viável do que qualquer um que se assine com a OLP [Organização para a Libertação da Palestina], se o Hamas se lhe opuser. O Hamas pode fazer concessões que o Fatah jamais ousaria.

De todo modo, o Hamas que formará o governo não será o Hamas que despacha homens-bomba suicidas. Compará-lo a organização terroristas internacionais é bobagem: o Hamas é um movimento que luta por objetivos nacionais limitados.

Se Israel for capaz de se dirigir aos extremistas entre os seus inimigos, talvez consiga um acordo verdadeiro que poria fim ao tumor da ocupação e à maldição do terror.

Para tanto, ambas as partes, Israel e Hamas, devem se livrar dos slogans do passado. Os que impõem pré-condições, como o desarmamento do Hamas, perderão a chance.

É tão impossível esperar que o Hamas se desarme como esperar que Israel se desarme. Aos olhos palestinos, as armas do Hamas são para combater a ocupação, e, como é bem sabido, a ocupação não acabou.

Se Israel se comprometesse a parar de matar ativistas do Hamas, há motivos para acreditar que o Hamas concordaria, pelo menos por um tempo, a baixar suas armas. Os meses de trégua provaram isso, mesmo quando Israel não cessou o seu próprio fogo.

Nos meses vindouros, o risco de ataques terroristas ficará ainda menor. Um movimento que deseja consolidar seu regime e obter o reconhecimento internacional não se dedicará ao terror. Nem permitirá que a Jihad Islâmica lhe roube o espetáculo.

Agora é a hora de procurar o Hamas, que está desesperado pelo reconhecimento internacional, particularmente americano – e sabe que isso passa por Israel. Se Israel se mostrar amigável com o Hamas, poderá sair ganhando.

Não que o Hamas não abandonará da noite para o dia as suas exigências extremistas e sonhos irrealistas. Mas saberá, como alguns de seus líderes já declararam, deixá-los de lado se isso servir a seus interesses.

Israel, que de qualquer forma não falava com Yasser Arafat ou com Mahmoud Abbas, tem agora a oportunidade de surpreender. Em vez de desperdiçar mais sabe-se lá quantos anos rejeitando interlocutores – ao cabo dos quais não teremos outra saída se não nos sentarmos à mesa com o Hamas – devemos nos dirigir ao grupo extremista democraticamente eleito.

Israel nada tem a perder com isso. Já vimos as realizações das mãos que assassinam e demolem, removem e encarceram, e temos diante dos nossos olhos a plena consequência dessas políticas: o Hamas ganhou as eleições.’

Pela tradução, L.W.

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