Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Porque o Brasil não é a Venezuela. Mas é bom manter os olhos bem abertos

O El Nacional de Caracas abre sua primeira página de hoje com ‘Abstenção: 75,15%’. O El Universal, seu concorrente nas bancas, mas aliado na oposição ao presidente Hugo Chávez, segue no mesmo tom: ‘Abstenção: 75%’. Além da convocação de parte da oposição para que os eleitores não comparececem na eleição legislativa de ontem, o aguaceiro que caiu sobre várias partes do país também colaborou para o absenteísmo. O El Universal registra: ‘A chuva não foi de votos’, e emenda:



A falida tentativa, à hora de acordar do sonho dominical de todos os civis em todas as partes, com o toque militar intimidor da sirene, foi o primeiro sintoma do fracasso. O toque não cobriu a totalidade da área metropolitana, como nas ocasiões anteriores, com o toque militar gravado e amplificado por alto-falantes abusivos que estariam nos reafirmando não só quem manda na Venezuela, mas também a orbigação militar de nos levantarmos com toda a pressa, entrar tremendo de frio na ducha e sair às ruas, com o coração na boca, para nos colocarmos na fila e, com paciência infinita a hora de reproduzir, com o voto eletrônico, nossa lealdade de vassalos ao dono e senhor de terras e almas.
Sim, houve frio,e bastante, acompanhado também por uma chuva insistente que, desta vez, não foi de votos. Mas também não houve filas, nem plantões, nem esperas intermináveis, nem muito menos a reiteração das cegas submissões que até bem pouco tempo eram maiores do que o senso comum e a livre vontade de decidir segundo a consciência de cada um.


Assim, com mais clichês do que informação, o jornal mais vendido do país comenta o alto índice de absenteísmo que, agora, será levado pelo Copei, que governou o país durante quatro décadas,à Justiça para que as eleições sejam canceladas, ‘apesar da certeza de que nenhum tribunal lhes dará razão’, acrescenta o El Nacional. O Copei questiona todo o processo eleitoral desde o início, apesar da presença de observadores da União Européia e da Organização dos Estados Americanos, inclusive o percentual de absenteísmo divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral. Para eles, foi de 82%. Para outro agrupamento político de oposição a Chávez, é ainda maior: 90% dos eleitores não comparaceram. Tanto no El Universal como no El Nacional, reportagens registram que ‘foi exitosa’ a convocação de parte da oposição para que os venezuelanos se dedicassem à ‘jornada de orações’, ao invés de comparecer às urnas.


A leitura comparativa entre o que trazem os jornais venezuelanos e brasileiros sobre as eleições conduz a várias conclusões. A primeira delas é que o regime de Chávez não é eficiente na censura aos meios de comunicação que tanto comove a grande imprensa do países vizinhos. A segunda – e mais importante – conclusão é que por mais que se pareçam os discursos dos grupos controladores de mídia, vários dos empresários brasileiros do setor de comunicações têm DNA diferente.

Os exemplos mais evidentes estão nos jornais de ontem e anteontem. Apesar da repetição do alerta de que o autoritarismo de Hugo Chávez ameça não venezuelanos, mas também os compatriotas de países vizinhos, vários importantes controladores de mídia do Brasil preservam o bom hábito de dar liberdade para seus profissionais competentes registrarem a vida como ela é.

Tome-se, por exemplo, o editorial do O Estado de S.Paulo de ontem, ‘As eleições na Venezuela’, que aluga o discurso de parte da oposição a Chávez a favor da ‘ilegitimidade do processo’, mas, ao mesmo tempo, faz o que a maioria dos demais jornais evita: investir em reportagem. Para Caracas, o jornal mandou um de seus melhores profissionais, Lourival Sant´Anna, que retratou nos últimos dias detalhes da realidade venezuelana que colidem com as verdades que sustentam a opinião dos donos do jornal, mas que, apesar disso, não agem como seus pares venezuelanos que, se for preciso, invertem os fatos e fraudam o noticiário. 

Outro exemplo é o da Folha de S.Paulo e do O Globo, que publicam a coluna do jornalista Elio Gaspari às quartas e domingos. Ontem, o principal texto da coluna apontou o ‘cheiro de golpe’ contra Chávez, a partir da decisão da oposição de fugir das urnas e da declaração enviesada da secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, de que democracia não se faz apenas com eleições. 

As reportagens de Sant´Anna e a coluna de Gaspari são exemplos que diferenciam os donos da mídia brasileira da venezuelana. O que não quer dizer que eles (os donos) sejam imparciais na orientação que determinam para o noticiário político nacional. A bola da vez é o investimento que o governo federal pretende fazer em 2006, ano de eleição. Será forte a tendência do noticiário a nos convencer de que Lula usa dinheiro público para tentar a reeleição. Recomenda-se, portanto, manter os olhos bem abertos.