Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Quando o repórter atormenta

Dias atrás, um tribunal disciplinar britânico suspendeu por um mês o mandato do prefeito de Londres, Ken Livingston. A decisão foi anulada ontem por uma instância superior.


O caso data de fevereiro do ano passado. Irritado com o assédio do repórter de um tablóide, que a todo custo queria arrancar dele uma declaração sobre a festa que dava pelos 20 anos da ‘saída do armário’ de outro político, Livingston, sabendo que o jornalista era judeu, o acusou de se comportar como um guarda de campo de concentração.


Cada qual que julgue se a reação do prefeito foi apropriada ou desmedida. A propósito, existe um ditato que diz: ‘Nunca ofenda com a verdade.’ 


O ponto que me interessa é o fato muito comum de repórteres não aceitarem um não como resposta.


Trata-se de jornalistas que se consideram investidos do poder de atormentar terceiros, figuras públicas ou não, sem levar em conta as circunstâncias, os motivos pelos quais querem ouvi-los, o direito ao silêncio do outro e até normas elementares de boa educação.


Em 2002, por exemplo, comentei no Observatório da Imprensa o caso da repórter que abordou o então candidato presidencial José Serra à saída de uma churrascaria em Brasília. Antes de entrar no carro, o candidato disse que não tinha nada a dizer naquele momento. A repórter não teve dúvidas: bateu no vidro do automóvel e, quando o passageiro o abaixou, disse-lhe na lata: ‘É por isso periga o senhor não ganhar a eleição.’


Jornalistas devem ser incisivos, ter o que perguntar e não se contentar com enrolações em lugar de respostas. Mas não podem se comportar feito policiais interrogando suspeitos.


Nem sempre os limites entre uma coisa e outra são nítidos, dependendo, por exemplo, da folha corrida de quem se quer ouvir. Ainda assim, vai uma distância entre o bom jornalismo e esse tipo de comportamento invasivo – que o calejado repórter Clovis Rossi chamou certa vez de ‘cenas de jornalismo explícito’ – o qual passa batido pelo respeito à dignidade alheia e da própria profissão.


Neste ano eleitoral de 2006 no Brasil, uma coisa é certa: o leitor-eleitor não terá nada a ganhar com a conduta que estiver mais próxima da cafajestice do que do empenho legítimo em colher as informações que a mídia deve ao público. Atormentar não é sinônimo de apurar.


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