Friday, 17 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Teatro para a TV

Hoje é dia de constatar, pensando na sessão de ontem do Conselho de Ética da Câmara, não exatamente que uma imagem vale por mil palavras, mas que mil palavras ouvidas podem valer mais do que mil palavras lidas – principalmente quando dá para ver quem e como as diz.


A rigor, nas 6 horas e tanto em que ficou respondendo a perguntas de seus pares, o deputado Roberto Jefferson, advogado criminalista com uma boa centena de atuações diante de corpos de jurados, acrescentou essencialmente ao que dissera nas duas entrevistas à Folha:



1. a identidade de quatro políticos que teriam recebido e repassado o mensalão: os presidentes do PL e do PP, e os líderes das suas bancadas na Câmara;


2. a acusação de que o vídeo nos Correios foi uma armação da Abin e do ministro José Dirceu em represália ao fato de ele ter levado ao conhecimento do presidente Lula a história do pagamento de mesadas;


3. a confissão de que cometeu crime eleitoral ao não declarar os R$ 4 milhões recebidos do PT para as campanhas de candidatos petebistas nas eleições municipais do ano passado;


4. a revelação de que mentiu no artigo escrito para a Folha para negar a matéria da Veja que falava da ajuda financeira do PT ao PTB;


5. a informação de que submeteu a votos na bancada do PTB a oferta que teria recebido do tesoureiro petista Delúbio Soares de “desencravar uma unha” – eufemismo para mesada – no partido.


Não é pouco, mas é muito menos do que se torcia para que contasse. Ainda assim, o impacto do show de TV que ele proporcionou foi incomparavelmente maior ao do libreto publicado em dois domingos consecutivos pela Folha – o único grande jornal de quem o artista parece não ter mágoas.


O público pode não acreditar nos motivos alegados pelo doutor Jefferson para ter soltado a voz para a jornalista Renata Lo Prete (a recusa do governo em aceitar uma “solução negociada” para as mesadas, sendo aquela, implausivelmente, apenas a sua cessação).


Mas aposto e ganho que a grande maioria do distinto acredita em todas as suas acusações proferidas. Não só pela força da representação teatral, mas pelo ar de resignação da platéia, captado pela TV.


Quando Jefferson “versão 1.3”, na genial sacada do colunista Fernando Rodrigues, da Folha,disse que todo mundo alí sabia do mensalão e não houve quem se levantasse para dizer “eu não”, o governo perdeu na mesma hora, perante os espectadores, a queda de braço com o acusado transformado em acusador.


Não precisava nem o deputado Waldemar Costa Neto, o “Boy”, presidente do PL, e o líder do PL, Sandro Mabel, se mostrarem aflito, um, deseperado, outro. Roberto Jefferson, quem diria!, saiu consagrado.


É por isso que até o mais tosco dos políticos sabe que eleição se ganha (ou se perde) na televisão. Não fosse isso, não gastariam oceanos de dinheiro no horário eleitoral. E, não tivessem de gastar tanto, não precisariam roubar tanto. Nas inesquecíveis palavras jeffersonianas: “Você não nomeia alguém para uma estatal sem a contrapartida de contribuições para o partido.”


O troco do Globo


O deputado bateu pesado na imprensa (ver “Jefferson, crítico de mídia”, de 14/6). Na Veja, mas principalmente no que chamou “imprensa oficial”, a TV Globo, o Globo e a revista Época.


O jornal registrou a bordoada na matéria “O deputado que se diz perseguido pela imprensa”. A matéria é basicamente fiel aos fatos, menos por uma impropriedade e uma omissão.


A impropriedade está em dizer que, na visão de Jefferson, além dos órgãos citados, também o Estado estaria determinado a destruí-lo para, segundo o texto, “atender a interesses do governo”.


Quem escreveu ou editou a matéria deve saber que a Veja e o Estadão podem ser acusados de muita coisa, menos de atender a interesses do governo Lula. Tanto assim que o próprio Jefferson contou ter ouvido do ministro Dirceu que na Veja ele não tinha influência por ser uma publicação “tucana”.


No caso do Estado, ele se limitou a dizer que o jornal participou do “linchamento” sem lhe dar “direito de defesa” e que o seu repórter Expedito Filho escreveu que ele era “metrossexual”. “Isso não”, protestou, levantando a suspeita de que ele acha que metrossexual é uma variação de homossexual.


A omissão foi a da passagem mais forte da investida do deputado, tendo como alvo a revista Época, por ter fotografado “a mãe dos meus filhos e a avó dos meus netos de baby-doll” e a ele mesmo “sentado na privada”. A omissão é grave porque ele tem razão: não havia razão jornalística alguma para publicar essas imagens.


O Globo errou também na montagem das manchetes que seriam as das “reportagens que irritaram Jefferson” (três do Globo, duas da Veja, duas da Época e uma do Estado). A do Estadão foi enfiada nesse agrupamento como Pilatos no Credo. Afinal, diz apenas: “PL oficializa pedido de cassação de Jefferson na Câmara”.