Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Um avanço contra a gastança eleitoral

O colunista Fernando Rodrigues escreve na Folha de hoje que “toda vez que um deputado tem uma idéia, o Brasil piora”.


A frase é de impacto, mas discordo dela no geral – e no particular. Seguinte:


Amanhã, a Câmara deve votar um projeto que já passou pelo Senado, restringindo as atividades de campanha eleitoral.


Se o texto for aprovado sem emendas – o que não deve acontecer – acabam os shomícios, outdoors, distribuição de camisetas e bonés de candidatos.


A idéia é baratear as campanhas, diminuíndo sobretudo os custos do que o relator do projeto, deputado Moreira Franco (PMDB-RJ) chama o uso exacerbado de engenhos publicitários.


Gastos menores, menor necessidade de arrecadar grandes somas para o candidato aparecer mais e melhor do que o concorrente, menor o uso do caixa 2.


Ah, critica Rodrigues. Por que o poder público simplesmente não fiscaliza e pune o caixa 2, já proibido por lei?


O colunista omite que recente pacote de propostas da Justiça Eleitoral, algumas dependentes de aprovação legislativa, outras adotadas automaticamente, criam entraves nunca antes adotados contra os tais “recursos não contabilizados”.


Pela primeira vez, os fiscais eleitorais, que são poucos para dar conta do recado, trabalharão em parceria com o pessoal da Receita Federal e do Tribunal de Contas.


Nenhum partido poderá receber doações em dinheiro, nem fazer pagamentos por serviços eleitorais em dinheiro. A cada 15 dias, os partidos terão de pôr na Internet o registro das entradas e saídas no período, discriminando o que entrou de quem e o que saiu para quem.


Então não é propriamente certo que “ao abandonar a possibilidade de fazer a lei [contra o caixa 2] ser cumprida, os deputados assumem uma derrota”, como acredita o colunista.

Na realidade, o projeto contra a exacerbação da gastança com publicidade – o item singular mais caro de uma campanha – complementa as iniciativas da Justiça Eleitoral.


Com isso, será que vão acabar as fraudes? Não necessariamente. O Código Penal considera crime o homicídio. Nem por isso deixa de acontecer.


O que se pode fazer contra qualquer delito são basicamente duas coisas: criar o máximo de dificuldades para que se consuma (prevenção) e aumentar ao máximo as chances de que, consumado, seja flagrado e punido.


O pacote da Justiça Eleitoral e o projeto contra a gastança nas campanhas tentam atacar o caixa 2 aumentando a prevenção e as chances de punição.


Pode não ser suficiente. Mas a meu ver é muito mais e muito diferente do que “culpar o sofá pelo adultério”, como escreve o jornalista da Folha sobre o projeto.


No fundo, no fundo, as campanhas serão tanto mais baratas e, portanto, mais democráticas (mantendo sob rédea curta o tal do poder econômico), quanto menos elas puderem ser teatrais.


Quando constituinte, o grande Mario Covas queria que o horário eleitoral fosse assim: o candidato falando de um estúdio, sem adereços nem penduricalhos publicitários, dizendo a que vem, olho no olho do eleitor.


Pode parecer ascético demais na chamada “civilização do espetáculo’. Mas o que matou a idéia foi mesmo o lobby do dinheiro e da marquetagem.


Deu no que deu.


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