Monday, 02 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Veja não informa o essencial para se entender progresso do Chile


A reportagem elogiosa da revista Veja da semana sobre o Chile reduz a ignorância sobre o que acontece na América Latina, mas omite dados fundamentais que explicam o progresso chileno – e comprometem inapelavelmente o trabalho apresentado. O crescimento econômico do país, como interpreta a revista, não se deve apenas ao rigoroso controle fiscal ou ao controle da inflação — e muito menos à assinatura de acordos comerciais ‘com o maior número de parceiros, sobretudo os mais ricos’. Para a revista, esse é o caminho que o Brasil deveria seguir, pois os acordos ‘servem muito bem para países grandes e pequenos da América Latina’.


Apesar das quatro páginas, a reportagem não informa que um dos principais motivos da atual prosperidade chilena são os preços internacionais do cobre, principal item da pauta de exportações com uma fatia de 45% das vendas externas. Os preços do cobre só fazem crescer desde 1989, com sucessivos recordes. Em abril passado, por exemplo, bateram o recorde dos últimos 25 anos na bolsa de mercadorias de Londres alcançando o preço de US$ 3.300, a tonelada. Na comparação direta, seria o mesmo que tratar do crescimento das exportações brasileiras no último ano e omitir a importância da soja.


Faltou dizer também que o Chile é o principal fornecedor de cobre e tem a maior reserva do minério no mundo. Da mesma forma, omitiu-se que a maior empresa do país e principal exportadora chilena, a Codelco, é estatal. A empresa, nacionalizada pelo ex-presidente Salvador Allende, foi mantida sob controle estatal com a instalação da ditadura de Augusto Pinochet, quitando veracidade na afirmação da revista de que Pinochet abraçou as privatizações enquanto as demais ditaduras latino-americanas optaram pela estatização. Aqui, outro buraco na reportagem: a nacionalização foi mantida, apesar do programa econômico ultraliberal do grupo de economistas que ficou conhecido como os Chicago Boys, do qual, por sinal, saiu o candidato da oposição nas próximas eleições presidenciais, Joaquín Lavín.


Outra omissão não explica porque 2005 também será um ano próspero para os chilenos. A razão, de novo, está no cobre. As projeções apontam para queda dos preços internacionais somente no ano que vem, por causa do crescimento acelerado da China. Os estoques internacionais estão no chão porque os países produtores foram incapazes de atender a demanda mundial. No ano passado, o déficit entre oferta e demanda foi de 742 toneladas.


A ausência de informações tão capitais é resultado direto da editorialização do texto, aplicada para adequar a realidade chilena ao que a revista acredita ser a solução para o subdesenvolvimento do Brasil: a assinatura de acordos comerciais. Não é bem assim.


Acordos de livre-comércio geram riqueza, mas não são a única receita para a cura do subdesenvolvimento, como mostra México, país que tem o maior número de acordos comerciais assinados com outros países. O governo do presidente Vicente Fox recorreu aos acordos bilaterais de comércio quando constatou que as promessas de investimentos norte-americanos, em decorrência do Nafta, o bloco comercial da América do Norte, não se cumpririam. Em 22 de dezembro de 2003, na reportagem de capa sobre os dez anos do bloco, ‘O Nafta valeu a pena?’, a revista BusinessWeek trouxe: ‘Os mexicanos pensaram que seu país seria a maior fábrica dos Estados Unidos, honra que agora cabe à China, onde os trabalhadores custam uma fração dos mexicanos. Com isso, o governo acreditou que quanto maior o número de pactos comerciais, maiores também seriam os benefícios adicionais e assinou acordos com 30 países. Como o previsto, os consumidores tiveram acesso a produtos melhores e mais baratos, mas toda indústria local, dos fabricantes de brinquedos aos de calçados, assim como os produtores de arroz e milho, lutam para sobreviver ao impacto das importações baratas’.