Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Correndo atrás da crise

O corte de quase um milhão de vagas formais nos 12 meses até agosto foi a notícia econômica mais quente nas edições de sábado, 26/9. O fechamento dos 985,6 mil postos, com a maior parte das demissões concentrada na indústria de transformação e na construção civil, havia sido divulgada na sexta-feira à tarde pelo Ministério de Trabalho. Na manhã de sexta os jornais haviam destacado o desemprego de 7,6% nas seis maiores áreas metropolitanas, segundo o IBGE.

São universos diferentes, mas a evolução dos números aponta a mesma tendência. O noticiário do sábado teria ficado mais interessante e mais vivo com uma referência aos dados do IBGE. Isso tomaria, talvez, uma linha. Com mais uma ou duas seria possível enriquecer a informação com mais um lembrete: a mais ampla pesquisa realizada regularmente no País havia apontado uma desocupação de 8,3% no segundo trimestre –cerca de 8,4 milhões de pessoas em busca de emprego formal ou informal.

Este levantamento mais amplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, também é produzido pelo IBGE. Por sua extensão, é o mais adequado para comparações internacionais, embora várias entidades continuem usando os dados da velha pesquisa mensal nas seis maiores áreas metropolitanas. Por qualquer critério, no entanto, o desemprego no Brasil tem sido maior, já há um bom tempo, que o observado nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha e na Coréia.

Não é preciso gastar muito mais espaço para apresentar um retrato mais completo do emprego e de outros componentes do quadro econômico. Basta recorrer um pouco mais à memória, às vezes para evocar uma notícia do dia anterior, e valorizar um pouco mais o significado dos números. Como fica o Brasil na escala internacional? Além do número, a crise está afetando também a qualidade do emprego? Esta última questão é especialmente relevante.

O fechamento de 474,7 mil postos na indústria de transformação, por exemplo, confirma a péssima situação do setor manufatureiro e indica a redução da qualidade do emprego.  No Brasil, a ocupação industrial ainda é, na média, bem mais produtiva que a dos serviços. Além disso, o trabalhador da indústria geralmente recebe salário maior e mais benefícios complementares que o da maior parte dos serviços. É difícil, sem dúvida, explorar todos esses detalhes nas principais coberturas do dia a dia, mas com certeza é possível oferecer ao leitor informações mais interessantes e significativas.

Taxa de juros nos Estados Unidos

Ainda a propósito de comparações internacionais: a maior economia do mundo, a americana, disparou no segundo trimestre e cresceu em ritmo equivalente a 3,9%. Esse é o número da terceira estimativa. Na anterior, a taxa encontrada havia sido 3,7%. O desemprego nos Estados Unidos bateu há pouco tempo em 5,1% da força de trabalho. Dados como esses fortalecem os argumentos a favor de um aumento dos juros básicos nos próximos meses – um assunto de grande importância para o Brasil.

Na quinta-feira, a economista Janet Yellen, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) defendeu em discurso na Universidade de Massachussetts a elevação da taxa básica ainda este ano. Essa possibilidade havia sido mencionada, poucos dias antes, depois da última reunião do comitê responsável pela política monetária. Mas o pronunciamento de Yellen, um discurso de 40 páginas com dezenas de notas acadêmicas, conduziu a discussão a outro patamar.

Embora agências tenham divulgado as primeiras informações sobre o discurso a partir das 18 horas daquele dia, a maior parte dos grandes jornais ignorou a fala da presidente do Fed. A exceção foi o Valor, com meia página de cobertura.  A informação sobre o crescimento econômico dos Estados Unidos, divulgada oficialmente na manhã de sexta-feira, criou uma oportunidade para recuperação do discurso. Mas a maior parte do noticiário sobre a expansão americana foi burocrática e pouco interessante.

A importância do assunto deveria ser óbvia para todo redator de economia. Qualquer aumento dos juros básicos americanos, atualmente na faixa de zero a 0,25% ao ano, mexerá com os mercados financeiros. O acesso a recursos ficará provavelmente mais difícil para os governos com problemas em suas contas.

A situação será ainda mais complicada no caso de países com nota de crédito rebaixada ao grau especulativo, Uma grande agência, a Standard & Poor’s, já derrubou a nota brasileira para esse nível. Uma das preocupações mais notórias do governo, nesta altura, é diminuir o risco de uma segunda agência tomar a mesma decisão.

A tensão associada à insegurança política do governo, aos esforços da presidente para conseguir apoio ­– oferecendo ao PMDB até o Ministério da Saúde – e às dificuldades para ajeitar o seu orçamento refletiu-se, durante a semana toda, no mercado de câmbio. Mais de uma vez o dólar ultrapassou R$ 4 e em todas as ocasiões do Banco Central agiu para derrubar a cotação.

O câmbio foi um tema constante, do começo ao fim da semana, e as editorias deram duro para acompanhar o sobe e desce da cotação, as intervenções do BC e os efeitos do câmbio nas dívidas empresariais. O problema das empresas com dívidas em moeda estrangeira criou oportunidade para coberturas menos burocráticas. Também nesse caso os jornais apresentaram desempenhos bem diferentes.

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Rolf Kuntz é colunista do jornal O Estado de São Paulo e professor de Filosofia Política, na USP.