Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pandemia aumenta uso de apps de notícias no Brasil e no mundo

(Foto: Hello I’m Nik / Unsplash)

A sabedoria popular possui vários ditos, entre eles um bem conhecido: “Se a vida te dá limões, faça uma limonada”. Para a indústria jornalística, neste momento, esse parece ser um enunciado apropriado.

A pandemia de coronavírus aumentou de maneira substancial a audiência dos sites de notícias pelo mundo. De acordo com dados mostrados pelo Axios, nos EUA houve um crescimento nos downloads de aplicativos de notícias, especialmente de agregadores de conteúdo (News Break e SmartNews), como mostra o gráfico abaixo.

(Créditos: Andrew Witherspoon/Axios)

Segundo pesquisa da empresa de análise de TV Magid, 51% dos entrevistados estão aumentando o consumo de notícias em meio ao surto da doença. Já os sites analisados pela Parse.ly tiveram um aumento de 61% nas suas visualizações de página (pageviews) nas duas primeiras semanas de março em comparação com as sete anteriores.

(Créditos: Andrew Witherspoon/Axios)

“Nunca tivemos tanta audiência, nem de forma quantitativa ou qualitativa, ou seja, no tempo de leitura na internet”, disse à AFP um porta-voz do El País, o jornal mais lido da Espanha.

Segundo Ricardo Kirschbaum, editor-chefe do Clarín, no dia em que o primeiro caso do novo coronavírus foi registrado na Argentina, as visitas aos sites do jornal aumentaram “cerca de 26% e as visualizações em 35%”. Quando o governo decretou a quarentena total, “alcançamos o recorde histórico de usuários (6,6 milhões)”, ressaltou.

Na segunda semana de março, a audiência digital diária do La Nación aumentou em 108%. “Batemos todos os recordes históricos de audiência desde que temos a edição digital (1995)”, afirmou o secretário de redação Martín Rodríguez Yebra para a AFP.

A BBC também registrou recordes de audiência em um momento de incertezas sobre o seu futuro, já que o atual governo de Boris Johnson acusou o veículo de ser parcial e ameaçou acabar com seu sistema histórico de financiamento baseado no imposto audiovisual.

Para Kirschbaum, “uma conclusão parcial desses dados é que as audiências recorrem aos meios de comunicação com uma longa trajetória, como entre outros o Clarín, quando precisam de informação confiável, opiniões com fundamento e coberturas com uma maior profundidade”.

Uma pesquisa realizada pelo instituto Ipsos em meados de março, encomendada pelo site americano Axios, parece confirmar essa hipótese. O estudo revelou que cerca de metade dos americanos confia na grande mídia tradicional como forma de obter informação confiável sobre a pandemia, enquanto 74% desconfia das redes sociais.

Ao mesmo tempo que a imprensa fornece conteúdo com credibilidade para o público, ela contribui para frear a expansão das fake news sobre o coronavírus, como o boato de que o vírus surgido na China foi criado pelo Instituto Pasteur, na França.

E no Brasil?

Um levantamento realizado pela RankMyAPP a pedido do Núcleo mostra que houve um aumento de 68% nos downloads dos principais aplicativos de notícia entre o final de fevereiro e o final de março. Segundo o site de notícias, o número de downloads semanais desse tipo de aplicativo saltou de pouco mais de 2 mil na semana de 24 de fevereiro a 1º de março para cerca de 3,5 mil na semana de 16 a 22 de março, coincidindo com o período em que medidas mais drásticas de distanciamento social começaram a ser tomadas em todo o Brasil.

De acordo com a Apptopia, os principais aplicativos de notícias na semana encerrada em 22 de março eram o Twitter, o app do G1, o agregador Google News e o Reddit.

Ou seja, a expansão da covid-19 e a consequente necessidade de buscar informações confiáveis fizeram disparar a audiência dos grandes meios tradicionais, o que pode se tornar uma grande oportunidade para sair da crise de confiança que os atinge. Em momentos de crise, fica mais evidente a importância do trabalho realizado pelo jornalismo profissional.

A audiência sobe, mas a publicidade cai

O desafio, agora, é transformar esse surto de acessos em receitas. Se o número de leitores aumentou pela busca de informações sobre a doença, por outro lado, o declínio econômico que atingiu a publicidade tem prejudicado veículos que dependem de anúncios para manter suas atividades.

Alguns veículos de circulação local estão demitindo jornalistas, suspendendo a publicação impressa ou mesmo encerrando suas atividades. Dezenas de redações nos EUA estão demitindo funcionários, apesar dos grandes aumentos de tráfego e visualizações.

O New York Times avaliou os efeitos da pandemia em jornais, revistas e empresas de mídia digital por meio de entrevistas com executivos, funcionários de redações e líderes sindicais em todo o país. No total, cerca de 28 mil funcionários de empresas midiáticas nos Estados Unidos foram demitidos, licenciados ou tiveram seus salários reduzidos desde a chegada do coronavírus.

Segundo artigo do professor Rasmus Kleis Nielsen, do Reuters Institute, a pandemia poderá resultar no fechamento de muitos veículos jornalísticos, tanto tradicionais quanto novos. Algumas startups desaparecerão completamente.

A curto prazo, os efeitos gerados pelo corona serão uma queda acentuada das receitas de publicidade; provavelmente uma queda de verbas oriundas dos leitores, embora alguns veículos possam ter um aumento desse tipo de receitas, principalmente aqueles mais conhecidos e que possuem maior confiança do público; e também o declínio de algumas outras formas de receitas, como a proveniente de eventos.

A longo prazo, caso ocorra uma grave recessão econômica, existe a possibilidade da crise econômica após a pandemia ser um golpe mortal para a mídia impressa. O processo de “destruição criadora” de transformações estruturais em direção a um ecossistema midiático mais digital e mais mobile será acelerado pela pandemia.

Mesmo com a recuperação da economia, as empresas que sobreviverem reavaliarão muito agressivamente seus gastos com publicidade e buscarão maximizar o retorno do investimento. Qualquer meio que não possa fornecer evidências disso verá uma queda permanente na publicidade, mesmo quando os gastos gerais do setor se recuperarem. Foi o que aconteceu após a crise financeira. A publicidade se recuperou, mas a publicidade em jornais nunca.

Esse cenário de depressão prolongada também levaria as pessoas a reduzir seus gastos com aquilo que não é considerado “essencial”, incluindo aqueles relativos a mídias, o que pode levar à queda de receitas por assinaturas. Quanto mais assinaturas existirem competindo pelo dinheiro do público, mais isso poderá impactar os veículos em relação a essa fonte de receitas. No entanto, os meios que forem considerados confiáveis e que supram as necessidades do público poderão ver suas assinaturas digitais multiplicarem.

Alternativas de receitas

Em artigo para o Washington Post, a colunista de mídia Margaret Sullivan diz que, no atual momento, uma boa cobertura é vital, mas está ameaçada. Ela cita Craig Aaron, presidente e co-CEO da Free Press, organização de advocacia sem fins lucrativos, que busca fundos federais para a mídia pública e apoio direto a redações comprometidas com a cobertura local. “Os jornalistas são essenciais neste momento. Precisamos manter os repórteres trabalhando e precisamos fazer isso agora”.

Sullivan, que foi ombudsman do New York Times, apresenta também a opinião de Steven Waldman (cofundador da Report for America) e Charles Sennott (CEO do GroundTruth Project) de que o governo não deve “socorrer” as redações, mas incluí-las em seus planos de estímulo futuros. Um caminho para isso seria, por exemplo, destinar gastos com anúncios de saúde pública através da mídia local.

Outra possibilidade levantada pelos empresários é que fundações e filantropos criem fundos especiais para organizações de notícias ou aumentem os investimentos atuais. Para eles, além das instituições, os cidadãos​ deveriam auxiliar o jornalismo local.

Anselmo Crespo, subdiretor da rádio TSF em Portugal, defende em artigo que o jornalismo tem que ser financiado por quem o consome, mas também por quem tem a obrigação de o preservar – no caso, o Estado. Embora apoie uma “comunicação social livre e independente” que não esteja atrelada ao Estado, este seria um momento excepcional.

Para o jornalista, uma das maneiras de fazer isso é pagando pela publicidade institucional ou beneficiando fiscalmente as empresas de comunicação social, já que elas prestam um serviço de utilidade pública, evidente nestes tempos de pandemia. “Porque, se demorar muito, talvez já não haja, no final, muito mais para salvar para além dos órgãos de comunicação social do Estado”, conclui.

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Raul Galhardi é jornalista e mestre em modelos de negócios jornalísticos pela ESPM-SP. Escreve no Medium.