Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Jornalismo pode despertar sintomas mórbidos na sociedade para evitar o colapso climático

O jornalismo, diante da emergência climática e da desaparição de mundos, ocupa uma posição privilegiada. Seu papel frente ao futuro posto da catástrofe ambiental é o de acelerar a aparição de sintomas mórbidos na sociedade, atuando para avançar o processo de desagregação de uma velha – e condenada – sociedade em prol de outro horizonte para as vidas e as histórias que habitam este planeta ferido.

Ao se conectar com a sociedade, é possibilitado ao jornalismo vislumbrar os sintomas coletivos que perturbam o nosso tempo. Como lembra Gramsci, as manifestações mórbidas devem-se ao fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não está preparado para nascer. Nessa fratura, nesse absurdo cotidiano, a prática noticiosa encontra terreno fértil para construir novos caminhos no presente e, assim, frear o colapso ambiental que se descortina. Preservar o máximo de mundos existentes só é possível com a compreensão dos incômodos que o jornalismo traz às relações interpessoais.

É mais que visível – e registrado em notícias contemporâneas – que a encruzilhada do tempo climático está próxima. O curto espaço para a ação sinaliza que, em breve, uma escolha social deverá ser feita: caberá à humanidade decidir, junto aos seus mundos, se seguirá o futuro – o caminho pavimentado pelas atualizações do presente – ou o porvir – escolha outra que, desviando do futuro, tece um novo horizonte. Uma opção se tornará definitiva e a outra será apenas uma possibilidade ressignificada no presente. Essa decisão precisa perpassar e ser perpassada pelo jornalismo.

Se o futuro posto é a catástrofe ambiental anunciada, as notícias deverão incentivar a escolha pelo porvir. Frear a caminhada no presente por meio de um jornalismo que force o aparecimento de sintomas mórbidos na sociedade. Ao defender uma prática noticiosa capaz de oferecer liberdade às relações coletivas, propomos um novo discurso ambiental no jornalismo que leve em si sintomas surgidos entre o velho e o novo. 

Mas, nesse contexto, nem todo sintoma mórbido precisa ser despertado. Ao contrário, há alguns que podem – e devem – ser evitados pela imprensa. Tal é o caso do medo. O medo é um sintoma inútil ao enfrentamento da tragédia ambiental. Não é de interesse da notícia despertá-lo na sociedade, porque o medo paralisa. Não somente torna inerte a ação, mas o Leviatã gera a submissão e o cerceamento de escolhas. Incentivar, por meio do jornalismo, que a sociedade sinta medo das questões climáticas é destituir de sentido um porvir ambiental e as possibilidades de ações. 

Para uma prática jornalística comprometida com o futuro ambiental, o seu discurso deve incentivar o sintoma da angústia – a fonte da liberdade humana, como lembra Kierkegaard. Ante à determinação dos mundos, com fins estabelecidos e que provocam o assombro social, a notícia é capaz de fomentar a escolha de um novo porvir, tanto para as relações da humanidade com o planeta como consigo mesma. Angustiar a sociedade é oportunizar a vivência da liberdade como uma possibilidade de escolha, antes mesmo dessa possibilidade tornar-se realidade.

Enquanto o medo paralisa, a angústia cobra ação. Diante de uma escolha, permanecer inerte não é uma opção – angústia e culpa se entrecruzam em suas existências. Pelo discurso do medo, deposita-se a escolha e as consequências em alguém. Pela notícia que angustia, o jornalismo choca a humanidade com as suas possibilidades de decisão. A imprensa que promove o medo condena a sociedade ao futuro determinado – extinguindo os mundos possíveis. Angustiar a sociedade é colocar o porvir, isto é, a escolha por outra atualização do presente, em destaque. A sociedade angustiada pelas notícias, na encruzilhada do tempo, é convidada a escolher – a exercer sua liberdade em realidades na qual poderá se sentir culpada ou responsável.

A revolta também é fundamental nesse processo de liberdade para os mundos. Não se trata da revolta pontual, direcionada e com um fim previsível. Mas do seu sintoma mórbido que é manifesto junto ao absurdo. Apreendida como sintoma na sociedade, a revolta provocada pelo jornalismo projeta a sua ação contra o mecanicismo, levando ao agir verdadeiramente político. A inconformidade, que nega a existência solitária e vazia, busca outra possibilidade de coexistir com mundos outros em um mesmo planeta agonizante.

Ao promover a morbidez da revolta, a prática jornalística incentiva o reconhecimento de cenários possíveis e não-reduzíveis ao determinismo do futuro. Em sintonia com a liberdade que pode frear o colapso climático, a revolta, a angústia e a responsabilidade pela escolha se traduzem em ações éticas e coletivas. Não se trata de informar para a escolha pessoal, mas de noticiar com vistas à comunicação efetiva no momento em que a possibilidade de escolha se apresentar. Criar condições para que o novo possa ser vislumbrado enquanto o velho ainda resiste em sua substituição. 

Melancolia transgressora

Angustiar, revoltar – melancolizar. É urgente permitir às pessoas o reconhecimento e a identificação melancólica  dos mundos a elas renegados. Ao promover isso pela notícia, o jornalismo manifesta ações transgressoras, sobre as decisões de outros mundos, e identifica, subvertendo o futuro determinista para agir na criação do porvir. As notícias melancólicas, despertando sintomas mórbidos, são estratégias para o conhecimento de práticas sociais libertadoras.

A melancolia, entendida como tristeza, reduz a prática jornalística ao mero serviço de construção da catástrofe ambiental. Propomos, ao contrário, que o sintoma melancólico, ao menos no jornalismo, seja uma forma de repúdio. Notícias melancólicas são críticas e criativas, repulsivas e atraentes, egoístas e altruístas. São discursos que despertam a melancolia na sociedade à medida que colocam a proibição ao lado da reivindicação, o apagamento frente à criatividade, libertando os mundos para a escolha de horizontes cerceados por aquilo que hoje se mostra como unicidade. 

A prática noticiosa deve despertar, para a sociedade e para si, o sintoma mórbido que se furta à aceleração sem pausa e ao eterno continuar: o tédio profundo. Entendiar os processos de comunicação para que a reflexão seja possível e, mais do que isso, que seja realizável a conclusão do antigo e o findar do velho. Descansar e refletir de forma tediosa para que o novo se manifeste. Reduzir as informações tornando o porvir um caminho viável. Trazer para a sociedade o tédio por meio da notícia é recuperar o discurso político da ação, ou seja, construir novas relações com objetivos comunitários e com a existência de mundos diversos.

Para evitar e frear o colapso climático, é dever ético do jornalismo fomentar a morbidez na sociedade – despertar em cada mundo coexistente neste planeta ferido os sintomas mórbidos que aceleram a sua passagem do antigo para o novo. Afastar o medo da catástrofe, colocando em ênfase a angústia. Angustiar a sociedade como possibilidade de vivenciar a realidade da liberdade, garantindo que os mundos não desapareçam. Revoltar as relações sociais para despertar a humanidade de sua ação mecânica, conciliando saberes que tornem compreensíveis os impactos das suas ações no planeta.

Melancolizar as decisões e tornar críticas as ações humanas no planeta, incentivando a saída criativa e inovadora para os caminhos ambientais. Entendiar a vida e os processos de comunicação, colocando pausas e respiros para reflexões cotidianas no universo de eventos que vinculam a existência dos mundos ao planeta. Acabar com o futuro climático determinista, construindo – por meio da notícia – o porvir ambiental. É dever do jornalismo e da sua atividade social acelerar a morte do velho e transmitir o novo em seus sintomas mais fortes.

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Wellington Felipe Hack é bacharel em Jornalismo e acadêmico de Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (RS).