Quinta-feira, 17 de julho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1346

A hora de assumir o feed: porque jornalistas precisam buscar quem rejeita o jornalismo

(Foto: Gerd Altmann/Pixabay)

Das diferentes lições que aprendi com alguns dos grandes jornalistas que tive a sorte de ter como chefes — Octavio Guedes, Fábio Gusmão, Giampaolo Braga, Lauro Jardim, Daniela Pinheiro —, a maior delas talvez tenha sido a preocupação em fazer um jornalismo que seja relevante para o leitor. O que o leitor está pensando? Isso interessa? O Octavio às vezes gritava na redação do Extra, na sexta, uns 15 anos atrás, que o jornal de domingo não estava valendo os R$ 2 que o leitor pagaria, cobrando pautas mais instigantes. Isso está no meu DNA como repórter. E, por isso, há alguns anos me agoniava a crescente redução de leitores que o jornalismo enfrenta. Ainda que sigamos fundamentais, e esses anos de democracia à beira do precipício evidenciaram isso, somos cada vez menos lidos e relevantes. Foi aí que nasceu a ideia do Amado Mundo, canal que lanço esta semana com um time de 25 profissionais.

O Amado Mundo mistura jornalistas e criadores de conteúdo, informação e entretenimento, para produzir um jornalismo em que o leitor saia melhor do que entrou. Isso não é fácil nem trivial. Queremos falar com quem parou de acompanhar notícias, mas não deixou de se importar com o mundo. Tem muita gente cansada da linguagem fria, do formato engessado, do tom catastrófico e da urgência artificial — mas ainda sedenta por informação confiável, crítica e inteligente. Gente que acha possível informar e se entreter. Eu sou um deles.

Esse fenômeno da rejeição à notícia é real. As pessoas evitam notícias porque estão emocionalmente esgotadas, ou porque sentem que os meios não falam mais com elas. A resposta não é simplificar a pauta ou aderir ao entretenimento puro. É recuperar a conexão, a relevância, a presença e, acima de tudo, a confiança. E, para isso, a forma importa tanto quanto o conteúdo. Não adianta investirmos tanto na qualidade, se não pensarmos em como chegar ao leitor.

Não vamos abandonar a informação relevante — por sinal, o aquecimento global praticamente desapareceu do noticiário nestes tempos de news avoidance. Mas vamos tratá-la com a seriedade e a resolutividade que a confiança em um mundo melhor merece. A Geração Z nasceu conectada, mas também já nasceu com a ansiedade do próprio aquecimento global em curso. Aprendeu a se comunicar nos últimos anos com uma guerra em curso – de narrativas e de bombas – e, nas últimas semanas, convive com notícias de mísseis cruzando outros céus pelo mundo e ameaças de apocalipse atômico.

É nesse ponto que aflora a figura do newsfluencer — o jornalista que não apenas informa, mas aparece, conversa, engaja, se posiciona, ou o influenciador que se preocupa com a integridade da informação tal qual um jornalista. É alguém que entende a lógica dos algoritmos, mas não se vende a eles. Que sabe que jornalismo sem audiência é só uma boa intenção.

Os colegas mais conservadores podem torcer o nariz. Vão dizer que isso não é jornalismo “de verdade”, que o conteúdo opinativo ou performático ameaça a credibilidade da profissão. Que misturar com entretenimento é deturpar a informação. Mas na realidade é a credibilidade que não mora mais no formato – ela mora na relação com a audiência. E essa relação só se constrói com presença e linguagem compatível com os tempos digitais.

O YouTube é hoje um espaço legítimo de informação e de formação de opinião. Se não estamos lá, outros estarão – nem sempre com responsabilidade, nem sempre com compromisso com os fatos. O vácuo é ocupado por vozes que misturam opinião com achismo, narrativa com desinformação e audiência com autoridade. As paródias de programas jornalísticos feitas com inteligência artificial que tomaram conta das redes nas últimas semanas provam isso.

Ao se lançar em uma linguagem pensada para as redes, o Amado Mundo propõe usar as ferramentas da internet, sem abrir mão dos fundamentos do jornalismo que tanto prezamos. É um projeto que aposta em credibilidade, e também em edição ágil, identidade visual forte, roteiros envolventes e presença multiplataforma. Não se trata de “fazer jornalismo nas redes”, mas de fazer jornalismo para as redes.

Ali misturamos descaradamente jornalistas renomados com influenciadores já consolidados ou em potencial. Tem tudo o que os cadernos de um jornal tradicional trariam, como variedades, economia e tecnologia, mas num formato criado para gerar empatia. Acreditamos de verdade na união entre a informação e o entretenimento como forma de tornar o acesso a conteúdo de qualidade mais palatável. Uma comunicação para os tempos modernos, abraçando as novas gerações, tão carentes de um contato mais agradável e positivo. De cara, queremos falar com millenials, mas estamos de olho, claro, na disputada Geração Z.

Está na hora de repensar o nosso lugar, como jornalistas e influenciadores, na mídia digital. Não como meros replicadores de release em vídeo ou como peças de uma engrenagem de cliques, mas como protagonistas de uma nova etapa da informação: mais acessível, mais humana, mais próxima. O mundo mudou. A notícia mudou. A gente também precisa mudar.

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Guilherme Amado é jornalista, colunista, empreendedor em mídia, membro do board da Global Investigative Journalism Network e fellow na Universidade Stanford.