Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornal da ditabranda encabeça lobby do contra

O editorialista responsável pela repulsiva afirmação de que a ditadura brasileira teria sido branda ataca de novo: agora sustenta que "a obrigatoriedade de diploma em jornalismo para o exercício da profissão é inconstitucional, por restringir as liberdades de informação e expressão".

Está em editorial de 9/8/2012 do jornal da “ditabranda”, “Vício corporativista” (acesse a íntegra aqui), com o qual é retomado o lobby do patronato da comunicação contra o diploma do jornalismo, cuja obrigatoriedade foi reafirmada pelo Senado e, depois que a Câmara Federal fizer o mesmo, voltará a viger, para bem de todos os leitores e felicidade geral da Nação, Frias, Civitas e outras miniaturas do Cidadão Kane excluídos(até porque os poderosos e seus porta-mentiras pertencem a outra nação e defendem outros interesses, mesquinhos e perversos, sem sintonia nenhuma com o Brasil e sua gente sofrida).

O pior de tudo é ter sido um jornalista quem escreveu tão crassa besteira. Ciente disto, evitou defender o indefensável sozinho, tomando a precaução de esconder-se atrás da toga dos ministros do STF.

Ocorre que, na ridícula decisão tomada em junho de 2009, os meritíssimos do Supremo fiaram-se num relatório do pior ministro de todos os tempos, Gilmar Mendes, que então presidia a corte e fez questão de reservar para si próprio tal incumbência. Por que será?

Pouco familiarizados com o assunto, engoliram bobagens como a de que limitar o exercício da profissão a quem se capacita para o exercer afetaria tais liberdades.

Isto não passa de uma falácia pomposa, "uma tempestade de som e fúria significando nada", como diria Shakespeare. Alhos confundidos com bugalhos.

Liberdade de informação

No que a liberdade de informação seria prejudicada pelo fato de, ao invés de se publicar algo escrito por um engenheiro provavelmente sem saber comunicar-se direito com o público leigo, publicar-se o mesmíssimo conteúdo em forma adequada, ou seja, tornado mais compreensível por um jornalista? Os profissionais de outras áreas vão sempre ser ouvidos como fontes e, eventualmente, receberão convites para opinar em artigos nos quais desfiarão sua expertise.

Mas, desconhecendo as noções básicas de jornalismo, se forem brincar de repórteres, redatores ou editores, eles tendem a meter os pés pelas mãos, comprometendo reputações, alterando as cotações no mercado, atrapalhando investigações em curso, etc.

E se não tratar-se da informação concernente à especialidade do  sem-diploma-de-jornalismo? E se o que se pretende é ter historiadores escrevendo sobre futebol, arquitetos sobre política e médicos sobre economia?

Ora, nos espaços informativos eles ficariam limitados pelas especificações das pautas, sem que seu  olhar diferente sequer pudesse se manifestar.

E, nos interpretativos e opinativos, suas colaborações já são normalmente aceitas, desde que rezem pela cartilha do  big boss.

Ademais, a internet está aí para dar voz a todos os leigos que acreditam serem capazes de igualar-se aos jornalistas, bem como para todos os cidadãos que querem receber tal tipo de informação (ou  informação). 

Essa legião inteira não poderia ser publicada pelos veículos atuais, nem multiplicados por cem. Então, se quiser reduzir-se a liberdade de informação a dar tribuna a cada leigo talentoso, ela nunca haverá. Mas, claro, não se trata de nada disto.

Honestidade e veracidade

Quanto à liberdade de expressão, pior ainda. Todo cidadão tem o direito de expressar suas opiniões que não se choquem com as leis vigentes (é vedado fazer apologia da pedofilia e do racismo, p. ex.), mas não obrigatoriamente nas páginas de jornais e revistas ou nos microfones das rádios e tevês. Se a Folha insistir neste papo furado, uns mil sem-mídia iremos lá exigir que nossas opiniões estejam expressas no jornal do dia seguinte.

Aliás, os autoproclamados (mas suspeitíssimos)  “paladinos das liberdades de informação e de expressão”  sãoos mesmos que ignoraram olimpicamente a obrigação de condeder direito de resposta e de dar voz ao  outro lado  durante o Caso Battisti. Dois pesos  e duas medidas.

O veteraníssimo Carlos Chagas, com a autoridade de quem milita no jornalismo há mais de meio século, diz basicamente o mesmo (ver íntegra aqui):

"O argumento fundamental contra o diploma continua pueril: dizem que vai atropelar a liberdade de expressão. Mentira. Acrescentam que o dom de escrever nasce com o indivíduo e que a limitação agride a liberdade. Outra mentira.

Ninguém está proibido de escrever em jornal ou de expressar-se pela mídia eletrônica. Apenas, quem não tiver diploma atuará como 'colaborador'. Como jornalista, só quem tiver adquirido nos bancos universitários a gama variada de conhecimentos imprescindíveis ao exercício da profissão. Porque ser jornalista não é apenas dispor do dom de escrever ou manifestar-se pelas câmaras e microfones. Exige saber editar, selecionar, apurar, ponderar, respeitar, diagramar, resumir, coordenar e chefiar, predicados mais fáceis de adquirir recebendo lições ordenadas de Ética, História, Política, Economia, Geografia, Psicologia e quanta coisa a mais".

Também concordo plenamente com a conclusão de Carlos Chagas, que faço minha:

"…tirando os que honestamente pensam contra, os demais que se opõem escondem a verdadeira razão de porque assim se posicionam: porque é nos bancos universitários que a categoria se aprimora, adquire amor próprio, sentimento de classe e força para exigir das empresas melhores salários, condições de trabalho e respeito à honestidade e veracidade da notícia. Seria preferível, para os barões, dispor apenas da facilidade de escolher sabujos incapazes de pensar e discernir, adeptos da subserviência a interesses nem sempre verazes e honestos…" 

Profissão x missão

Por último, reitero a análise que fiz logo depois da  suprema lambança, no artigo “Jornalistas: uma batalha perdida e uma guerra por travar” (vide aqui).

Muito mais necessária e nobre que a luta pela obrigatoriedade do diploma é a que temos de travar para restabelecermos a dignidade da profissão de jornalista, seja nas relações empregatícias (a falsa terceirização, além de extremamente desvantajosa, tange os profissionais à subserviência face aos patrões e seus sabujos), seja quanto ao comprometimento com as boas práticas jornalísticas (quando voltaremos a cumprir verdadeiramente nossa missão de resgatar a verdade e disponibilizá-la para os públicos que atingimos?).

Então, não mudo uma vírgula do que escrevi  há três anos:

"Importante mesmo é nos compenetrarmos de que jornalismo, muito mais do que  profissão, sempre foi  missão: um compromisso de tornarmos a verdade acessível aos que não têm os meios para buscá-la por si mesmos.

Num país com carências tão dramáticas e situações tão aflitivas, conta muito mais o destino do nosso povo que o de nós mesmos. Ou deveria contar.

Fomos impedidos de cumprir nossa missão e nos resignamos à impotência. Com isto, nossa profissão também foi levada de roldão e está cada dia mais desvalorizada.

Se quisermos reverter esse processo, teremos de dar os passos certos. Não olharmos para nosso umbigo e tentarmos sensibilizar a comunidade para nos ajudar a defender nossos interesses. Mas sim fazendo com que os interesses da comunidade e os nossos voltem a coincidir".

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[Celso Lungaretti é jornalista profissional diplomado, escritor e ex-preso político]