Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Papel social do rádio na era globalizada

A transmissão radiofônica pela internet suscita perguntas inevitáveis a quem assiste ao processo de adaptação do rádio ao espaço aberto da web. A inserção de texto e imagem a este universo termina com a exclusividade da expressão sonora que caracterizou o veículo até o momento. Mais uma vez surgem rumores dos mais pessimistas anunciando a morte do rádio tradicional. Em seu lugar estaria nascendo algo ainda inominável.

Tais transformações tecnológicas têm provocado um debate pertinente, estribado em dois pólos opostos. De um lado estão aqueles que não reconhecem a transmissão radiofônica via internet como legítima característica do veículo. De outro, estão os entusiastas desta transformação, que aceitam esta migração para a grande rede como uma forma de adaptação do veículo. A convergência de mídia não só é ditada pela crescente influência social da internet, mas também por um público adaptado a mediações mais interativas.

O rádio do século 20 é um veículo de informação e entretenimento, baseado em notícias, hora certa, informações sobre o tempo, sobre o tráfego e fatos policiais. Este formato serve para fazer uma radiografia completa da cidade. Desta forma, o rádio reduz o mundo a uma comunidade e dá sentido a ela, reforçando sua cultura e seus costumes. Neste aspecto, o rádio reforça os conceitos de aldeias global e local, de McLuhan (1988).

Global e local

O rádio do século 20 se permite ser um veículo regional, com sotaque regional. Para McLuhan (1988), ‘o entretenimento válido tem de lisonjear e explorar os pressupostos culturais e políticos de sua terra de origem’. Desta forma, reforça a cultura e os costumes da região, criando um círculo vicioso que alimenta o processo: produz-se para ser consumido e consome-se porque é produzido aos moldes do que se esperava.

A transmissão via internet, porém, é capaz de reagrupar os homens em uma aldeia global sem perder o sentido tribal. Quando se ouve rádio, parece que se estabelece um mundo particular próprio, em meio às multidões. O rádio atinge íntima e particularmente cada pessoa, mas, ao mesmo tempo, pode criar um sentido de coletividade.

O rádio devolveu a voz do orador da praça pública ligando diferentes grupos de uma comunidade. Assim, é capaz de estabelecer uma ponte entre o local e o global, num fenômeno que tem sido tratado como glocal.

O fenômeno glocal é, do ponto de vista social-histórico, o selo original, o sinete genuíno da civilização mediática, a sua face inconfundível e inelidível, capaz de diferi-la, no fundamental, das outras fases sociotecnológicas (TRIVINHO, 2001, p. 76).

Comassetto (2007, p. 53) argumenta que ‘com a reorganização espacial decorrente da integração planetária e da concretização da ‘aldeia global’, ficou difícil visualizar com clareza que limites separam o local do global no cenário contemporâneo’. Informa-se o ‘global e se concentra no local’ (KLOCKNER, 2001, p. 160), traz a rua para o espaço doméstico. Por meio do tempo real, o rádio pode ser ouvido em qualquer lugar do globo, satisfazendo a característica da proximidade psicológica mesmo que à distância.

Formação de redes de satélites

Woodward (apud SILVA, 2000, p.21) estabelece que a globalização ‘produz diferentes resultados em termos de identidade’. A circulação de informação através da rede produz identidades plurais, mas também identidades contestadas devido a grandes desigualdades. ‘De forma alternativa, pode levar a uma resistência que pode fortalecer e reafirmar algumas identidades nacionais e locais ou pode levar ao surgimento de novas posições de identidade’ (ibid, p. 21). Já a ‘homogeneidade cultural promovida pelo mercado global pode levar ao distanciamento da identidade relativamente à comunidade e à cultura local’ (idem).

Sabe-se, através de Baumann (2005, p. 17), que pertencimento e identidade ‘não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis’. Portanto, para Barbero (2001, p. 35), ‘o ouvinte-internauta vai sair em busca do diferencial e este residirá na qualidade do que se lança na rede e na identificação com quem fala’. Barbero vai mais além e afirma que a característica regional e a linguagem regional do rádio tendem a desaparecer, rompendo as barreiras dos territórios. Desta forma, a identidade cultural local ficará diluída na programação global, perdendo uma das características predominantes do veículo: a regionalidade. Será este o futuro do rádio na webtransmissão?

A partir do final do século 20 e, mais intensamente, no início do século 21, o fenômeno da formação de redes de rádio via satélite tem se fortalecido no Brasil. Para exemplificar, podemos citar a Band News – SP (com programação jornalística e sete emissoras), Rádio Bandeirantes – SP (também com programação voltada para o jornalismo e 45 emissoras), Band FM (de programação popular e 36 emissoras), Rádio Canção Nova, em Cachoeira Paulista (segmento católico e 26 emissoras), CBN – SP (30 emissoras), Estação Sat, no Recife (programação popular e 65 emissoras), Rádio Gaúcha, em Porto Alegre (com 121 emissoras), Jovem Pan AM – SP (programação jornalística e 80 emissoras), Jovem Pan 2 – SP (voltada para jovens e 53 emissoras), Rádio Mirante – São Luís (21 emissoras), Rádio Globo – SP (29 emissoras), Rede Aleluia – SP (62 emissoras), Rádio Transamérica Hits – SP (41 emissoras), Rádio Itatiaia, em Belo Horizonte (nove emissoras), entre muitas outras1. Todas estas emissoras citadas retransmitem suas programações também através da internet, em tempo real.

Caem as fronteiras nacionais

Observa-se que, até o momento, a formação de redes de comunicação criou uma linguagem pasteurizada, sem regionalismos, onde o ouvinte não se identifica como um cidadão local, mas como cidadão global. Após uma breve análise da programação das emissoras comerciais CBN, Band News e Jovem Pan (com cobertura nacional e transmissão pela internet), é possível perceber um grande destaque para os acontecimentos com repercussão nacional e pouco ou quase nenhum para o local. Os comunicadores ou locutores não apresentam sotaques e as divulgações da temperatura e condições do tempo são limitados apenas às principais capitais do país. Os empresários do setor apontam para a formação de rede e a webtransmissão como uma solução para um incremento no capital de giro das empresas, um investimento favorável para o aumento dos lucros.

Para enfrentar a concorrência dessas grandes redes, que possuem uma mega estrutura de jornalismo, o que têm feito as rádios do interior? Para não fechar as portas, muitas reduzem seus custos, a começar pela equipe de profissionais. Investem na automação e perdem o calor das locuções ao vivo e interação com o público-ouvinte.

Contudo, tentam chegar mais longe com o intuito de poder angariar novos anunciantes, novos ouvintes e novos motivos para continuar a emitir. Desta forma, passam a retransmitir sua programação através da internet. Para Barbero (2001, p. 35), ‘a nova tecnologia iguala todas as emissoras, não importa onde estejam, uma vez que tecnicamente estão todas igualmente preparadas. Caem as fronteiras nacionais e globaliza-se o rádio’.

O futuro e o papel na sociedade

Não é possível determinar, ao certo, qual ou quais os caminhos do rádio no futuro. Porém, diante do fenômeno da transmissão em rede de satélites e webtransmissão, que vem abafando (ou mesmo sufocando) a voz da comunidade, há que se pensar numa saída para resgatar as características iniciais do rádio como veículo educativo de mudança social e reforço da cidadania.

No Brasil, o rádio continua constituindo um importante veículo de informação e cultura, com diferenças marcantes entre regiões e estados. Este é o resultado de uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Cultura, denominada Perfil dos Municípios Brasileiros no quesito Cultura e Meios de Comunicação, de 2006.

Por isso, o papel do rádio na sociedade é de suma importância. Uma vez globalizado, deve contribuir para a integração nacional, valorização da cultura e dos valores nacionais. Portanto, discutir o futuro do rádio na era globalizada também pressupõe discutir seu papel na sociedade.

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Professora universitária e jornalista, Juiz de Fora, MG