Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Uma reflexão sobre o jornalismo contemporâneo

Desde os anos 1970, novas tecnologias permeavam o ambiente da comunicação com finalidade de otimização de tempo, custos, mão-de-obra e aumento da produtividade, em vista de altos lucros. A indústria gráfica que subsidia os veículos de comunicação também foi privilegiada pela substituição gradativa de antiquados procedimentos por equipamentos informatizados, que são constantemente aperfeiçoados e além de aumentarem a produtividade também reduzem mão-de-obra.

Entre os anos 70 e 80, as empresas se viam entre a necessidade de aumento de produção, o que significa investimentos, e a necessidade de redução de custos para que resistissem à avassaladora crise que afetava a economia. A chegada da informática aos veículos de comunicação gerou a idéia de que a mesma poderia substituir alguns procedimentos, até então frutos de uma padronização estratégica para a produção e, para tanto, seria vantajoso tornar as etapas menos onerosas e eliminar grande parte dos profissionais.

Até então a divisão de trabalho poderia ser comparada à produção fordista, onde as informações eram determinadas, depois colhidas ou apuradas, redigidas segundo normas técnicas ou manuais, triadas, editadas, diagramadas, revisadas, inseridas no material a ser veiculado, para, então, serem aprovadas, sem contar que todo este processo necessitava ainda de supervisão. Cada uma destas ações exigia, rigorosa e tradicionalmente, um profissional diferente.

Editar informação é mais vantajoso

A alteração violenta deste modelo seria instaurada a partir da possibilidade da tecnologia centralizar grande parte destas ações, exigindo – e até, de certo modo, possibilitando – que apenas um profissional fosse capaz de colher a informação e tratá-la em todas as esferas necessárias. Os processos de revisão, redação, edição e até mesmo diagramação poderiam ser realizados por meio de apenas uma ferramenta e, portanto, o mesmo profissional teria centralizadas em si todas (ou quase todas) as etapas de produção, o que extinguiu muitos postos de trabalho neste segmento.

Não deixa de ser uma horizontalização da hieraquia que, ao invés de tornar o trabalho colaborativo, tornou-o exclusivo, neste novo modelo similar ao toyotista. Com o advento da internet, a febre de social medias, blogs, transmissões em tempo real e rádios virtuais, muitos especialistas migraram para a produção online para, logo em seguida, competir com ‘gente comum’ também produtora de conteúdo na rede. Muitos anônimos e especialistas de outras áreas provaram a liberdade de veicular sua produção ou própria edição de notícias, sendo ela relevante ou não.

O fluxo de informação parece infinito e parece também não saciar o público e a concorrência. A demanda de informação dos vários modelos de comunicação (impressos, virtuais, rádio, TV, segmentados etc.) chegou a tamanha intensidade que a antiga arte de ‘fabricar’ conteúdo limita-se, em muitos casos, a editar e reproduzir informação de outras fontes. Esta estratégia é recomendada largamente, como afirmou Sérgio Gwercman (ver aqui), redator-chefe da Superinteressante, que além de material impresso possui um canal online – no 2º Seminário Internacional de Jornalismo: ‘Editar informações pode ser mais interessante e vantajoso do que tentar produzi-las, pois a produção virou uma commodity de baixo valor.’

Assessorias terceirizam suas estratégias

Até os anos 80, assessorias de imprensa constituíam-se de profissionais formados em Relações Públicas cujas atribuições consistiam em planejar e promover eventos, divulgações, contatos e bom relacionamento com diversos veículos de comunicação – até em ações conjuntas com o marketing da empresa e, de preferência, cavando pautas com a mídia tradicional sem ter que custear anúncios publicitários, realizar media training com representantes ou mesmo representar a empresa em diálogos públicos – fossem estes de natureza expositiva ou defensiva sobre a imagem da empresa, pois até existem profissionais que são pagos para confeccionar um banco de situações previsíveis em determinadas empresas –, imaginar as prováveis conseqüências na sociedade e deixar preparadas as medidas necessárias.

Com tal versatilidade inerente e as possibilidades de intervenção vinculadas às mais diversas situações, o jornalista que também transita pela comunicação percebe-se capaz de unir com mais desenvoltura a necessidade desta profissão de influenciar e ser influenciado por tantas áreas (internas ou externas à empresa, como jurídico, financeiro, consumidores, formadores de opinião etc.), mesmo porque é oriundo da dimensão técnica e categórica da imprensa (também ora impermeável, ora corruptível), relativamente obsoletas aos RPs.

Assim como muitas redações podem ser integralmente pautadas por material ‘corporativo’ e notícias ‘encomendadas’ por assessores. Criam-se dilemas éticos tanto quanto ao desempenho dos RPs quanto ao fortalecimento das assessorias de comunicação (discretas atuações desde os anos 80 e impulsionadas a partir dos anos 90) encabeçadas por jornalistas, assim como muitos representantes do setor de assessoria de imprensa já se restringem ao planejamento destas ações e terceirizam a implementação de suas estratégias por assessorias de comunicação.

Raízes mais éticas

A legitimidade da informação, reconhecendo o exercício do jornalismo como atividade que manipula (em todas as concepções da palavra) direções por meio de notícias e conhecimento, tornou-se polêmica a partir da nova decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 17 de junho de 2009, que desvincula tal profissão da exigência de diploma universitário. A discussão é embasada por argumentos de todas as direções, pautando-se grandes incidências de descomprometimento de muitos profissionais em exercício, a atuação tendenciosa a que muitos se submetem (por tendências pessoais ou impostas pelo guarda-chuva corporativo), a intervenção das conveniências que fogem da ideologia de equidade e bem-comum na relação com o leitor e no que tange toda a sociedade.

Vê-se ainda a participação dos atores sociais em muitas fases dos processos produtivos midiáticos e até mesmo a autonomia destes atores na produção, mesmo não possuindo a trajetória acadêmica regulamentada, até então. Desta forma, reconhece-se formalmente o discurso como ato de poder indissociável a toda pessoa de direitos e ainda, já foi afirmado, que tal profissão consiste de teor puramente intelectual. Julga-se que a Lei da Imprensa, tendo sido constituída no período da ditadura militar, vigora em desacordo com a Constituição, a legislação máxima de uma nação.

Ao que tudo indica, a má conduta não poderá ainda assim ser exaurida, porém o caráter multidisciplinar da atividade pode ser enriquecido por profissionais competentes das mais diversas searas. Cogita-se em jornalistas como mediadores sociais, o que poderia parecer tão impossível quanto alguns jornalistas que, tornando-se conceituados e habilidosos em suas análises, palmilham pelos textos abolindo o formato exclusivamente informativo, de teor seco e objetivo, que é praxe dos manuais da área.

Vive-se um grande dilema, tendo em vista a convergência digital, a internet como fonte informal de renda e de recrutamento de força de trabalho, assim como um agente de difícil fiscalização e antes mesmo, regulamentação. Vêem-se os critérios de qualidade que sempre estiveram ameaçados enfrentarem mais um inimigo em potencial, caracterizado por atores sociais das mais variadas intenções que disseminam informação, até mesmo porque não existe uma ferramenta ou indicador confiável ou universal quanto à qualidade. As ofertas de acesso à internet, TV digital e rádio, de um lado, e os indicadores sociais que diminuem cada vez mais a adesão popular à mídia impressa, do outro, pedem jornalismo ‘da verdade’ e com raízes mais éticas, para combater a desinformação criada por tais excessos.

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Licenciada em Letras e estudante de pós-graduação em Gestão da Comunicação, São Paulo, SP