Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O que estão fazendo com os nossos comentários?

Em sua maioria, nada! A resposta honesta à pergunta do título parece chocar um pouco, mas a verdade é que a grande maioria dos profissionais e dos veículos ignora o conteúdo produzido pelos leitores nas caixas de comentários. A primeira vista, você pode me responder “também pudera!” com a quantidade de participações com o tom “culpa do PT” (mesmo que a matéria fale sobre a volta dos Power Rangers na TV) e de ofensas gratuitas ou ironias estúpidas desferidas pelos leitores desanima a qualquer pessoa que deseja levar a sério o que ali é escrito. Mas não podemos generalizar e cometer as mesmas gafes que alguns comentadores de plantão.

Em meio a todo aquele falatório existem pessoas questionando de maneira coerente e educada a postura do veículo, existem pessoas pedindo maiores informações sobre a notícia e existem pessoas apontando erros que não foram percebidos pela equipe editorial. O fato de haver joio em meio ao trigo nos coloca na postura de que é preciso separá-los. Voltemos o olhar, portanto, para os três maiores jornais do país em seus sites e suas contas no Facebook: O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo.

Nos seus sites, EstadãoFolha e O Globo exigem que o leitor crie uma conta. A estratégia de cadastro formal para os usuários tem dupla função: o controle e identificação dos leitores que interagem e a possibilidade de conquistar novos assinantes, visto que acesso ao conteúdo desses veículos é pago. O Estadão, após a mudança em seu site, rearranjou o espaço dos comentários e eles foram parar no canto superior direito dos textos, já nos outros dois, o clássico espaço de participação se localiza após o corpo da notícia. A Folha tem inclusive uma seção explicando sua postura frente aos comentários em “Termos e condições de uso”. Em virtude do controle, a participação dos leitores é pequena.

Credibilidade e confiança

Em contrapartida, nas redes sociais na internet, a participação é volumosa. No Facebook, existem posts que alcançam a marca de 5 mil comentários. Estadão, FolhaO Globo publicam entre 23 e 45 posts e chegam a recebem 15 mil comentários em um só dia. Ao que indica, não existe nenhum mecanismo que regule os comentários além da criação de um perfil no Facebook. Pode existir algum controle no perfil do Estadão (como observado nos dias 26 a 30 de maio), pois houve algumas reclamações de usuários que supostamente tiveram seus comentários apagados. Entretanto, o perfil oficial do veículo não respondeu aos que reclamavam.

O que me parece é que os jornais se preocupam com o conteúdo que é produzido pelas suas audiências em seu site, mas não no Facebook. Parecem entender que a responsabilidade por esses comentários seria do site de rede social. Juridicamente, acho justo, mas do ponto de vista da obrigação jornalística de prestar um serviço à sociedade não é. Quando diversas pessoas solicitam nos comentários mais informações sobre as empresas que estão atendendo durante a greve dos cobradores e motoristas para a Folha (como observado nos dias 19 a 23 de maio), é obrigação do veículo responder. Quando alguém reporta um erro de digitação em uma notícia do O Globo (como observado nos dias 12 a 16 de maio) e o jornal agradece através de seu perfil na rede e corrige o erro, existe um reforço na relação de confiança entre jornal e leitor.

Obviamente, que optar por dar mais importância ao que os usuários respondem demanda um custo de mais profissionais dedicados a isso. Entretanto, em tempos de crise do modelo de distribuição massiva de notícias e, especialmente, de crise nos veículos impressos, talvez este seja um caminho para conquistar maior credibilidade e confiança dos leitores.

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  Thiago Amorim Caminada é mestrando no POSJOR/UFSC e pesquisador do objETHOS