Monday, 17 de June de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1292

Apple torna-se vítima de seu sucesso

Durante anos, a Apple se beneficiou de uma percepção de mercado que creditava a seus executivos, em especial o cofundador Steve Jobs, uma espécie de toque de Midas. Com raras exceções, as novidades anunciadas pela empresa americana, mesmo alterações discretas em sua linha de produtos, eram tratadas como uma renovação tecnológica importante. A poderosa engrenagem de marketing da companhia sempre tirou proveito disso, criando mistério em torno das apresentações de Jobs, acompanhadas com reverência quase religiosa por consumidores, jornalistas e analistas de mercado.

Agora, parece que a Apple se tornou vítima de seu sucesso. Só ontem, as ações da criadora do iPhone e do iPad acumularam uma queda de 12%, o que significa uma redução no valor de mercado da companhia de US$ 59 bilhões. A Apple permanece a empresa com maior valor de mercado do mundo, mas a diferença em relação a Exxon, a segunda colocada, diminuiu sensivelmente. Em setembro, quando os papéis da Apple atingiram alta histórica, essa diferença era de US$ 240 bilhões. Ontem, a Apple encerrou o pregão valendo pouco mais de US$ 482 bilhões, enquanto o valor da Exxon estava na faixa de US$ 413 bilhões.

E tudo isso por quê? Na quarta-feira, a Apple decepcionou Wall Street ao divulgar os resultados de seu segundo trimestre fiscal. O lucro se manteve estável em relação ao mesmo período do ano anterior – US$ 13,08 bilhões versus US$ 13,06 bilhões, em 2011 – e a expectativa da empresa é que as vendas, que aumentaram 18% (o ritmo mais lento dos últimos três anos), tenham uma expansão ainda mais lenta, de 7% no trimestre atual.

Não é o resultado dos sonhos dos investidores, mas é difícil justificar tanto mal humor por parte do mercado. A justificativa talvez não esteja nos números. Ou, pelo menos, não só neles.

Steve Jobs tornou-se um fenômeno de mídia que extravasou, em muito, os limites do setor de tecnologia. Quando ele morreu, em outubro de 2011, fãs acenderam velas virtuais na tela de seus iPads. Quantos empresários são velados, mesmo que “digitalmente”, pelos consumidores?

Vida em filme

A aura de Jobs se estendeu à Apple e vice-versa. Embora tenha criado um eficiente modelo fechado, pelo qual vende equipamentos, softwares e serviços a seus clientes – sem espaço para os rivais –, a companhia conseguiu ser vista como uma resposta “alternativa” ao mundo das grandes corporações, povoado por marcas como Microsoft, HP, Dell etc.

Sob muitos aspectos, a Apple passou incólume pelo primeiro ano sem seu idealizador. Com Tim Cook na presidência executiva – o sucessor escolhido pelo próprio Jobs –, a Apple atingiu sua maior alta na bolsa, além de manter o ritmo dos lançamentos de produtos.

Mais recentemente, porém, surgiram dúvidas sobre os rumos da empresa. A Apple lançou o iPad mini, uma versão com tela reduzida do tablet mais vendido do mundo. O problema é que Jobs havia repetido inúmeras vezes que a companhia não faria isso porque um equipamento menor não atenderia às necessidades dos usuários.

A decisão foi vista como um inédito ato de capitulação da Apple diante dos rivais, que já tinham produtos menores. Em fóruns especializados, usuários enfurecidos passaram a acusar a Apple de perder sua condição de inovadora para se tornar uma “seguidora” de tendências ditadas por outras empresas, como a coreana Samsung.

É um evidente exagero. A verdade é que não dá para saber se Jobs aprovaria ou não o iPad mini. A estratégia do executivo sempre foi pautada pelo lançamento de poucos produtos, com design elegante e alta capacidade de processamento, destinados a um público abastado. A prolongada crise na Europa e nos Estados Unidos, porém, não tem tornado fáceis os negócios de companhias que vendem produtos sofisticados, mas que requerem uma certa massa de compradores. Computadores e celulares não são vestidos de alta costura ou colares de diamantes, que podem sobreviver de pouquíssimos usuários muito ricos. Talvez Jobs mantivesse o iPad mini fora dos planos, talvez não.

É preciso lembrar também que a inovação tem um ritmo próprio – e cheio de riscos. Mesmo as mais inovadoras companhias do mundo têm dificuldades para continuar um passo à frente depois que se tornam muito grandes. É preciso criar produtos novos sem destruir os atuais, sob o risco de destruir o valor para os acionistas. Por maiores que sejam as equipes de pesquisa, muitas vezes se perde a “próxima grande coisa” ao tentar manter vivas as criações que sustentam os negócios naquele momento.

Imaginar que a Apple conseguiria mudar essa regra parece mais uma irracionalidade do mercado. Ou seja, a redução do preço das ações da Apple, que chegou a superar a barreira dos US$ 700 o papel, não é o fim do mundo, mas uma correção que teria de acontecer cedo ou tarde.

Quanto à capacidade de inovação da empresa da maçã, ainda é cedo para decretar que a ausência de Jobs será fatal. O empresário terá sua vida contada em um novo filme (jOBS, previsto para estrear em 19 de abril), no qual será interpretado por Ashton Kutcher – o ex de Demi Moore. Pode ser que as ações da Apple subam no lançamento do filme, ou caiam se julgarem o desempenho do ator ruim. Irracional? Com as paixões que a Apple desperta, nunca se sabe…

***

[João Luiz Rosa, do Valor Econômico]