Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um laboratório planetário da web

Há uma década os jornais começaram a publicar notícias e informações também na internet. Hoje, cerca de 70% dos jornais de todo mundo instalaram uma sucursal no espaço cibernético e nada menos que 40% dos internautas navegam em páginas noticiosas antes de encarar um jornal impresso ou um telejornal.

Mas esses dez anos ainda não foram suficientes para definir o que é e o que não é jornalismo online. Nos Estados Unidos é possível encontrar as mais variadas estratégias editoriais e comerciais entre os 15 mil jornais publicados na internet. No Brasil, a ANJ – Associação Nacional de Jornais (http://www.anj.org.br/) tinha 130 sites informativos cadastrados em 2003, todos eles solidamente enraizados numa cultura jornalística ainda influenciada pelas edições em papel.

A busca do chamado jornalismo online ainda está mais marcada pelo método do erro e do acerto do que por um processo lógico. Na verdade, a única coisa que parece ganhar ares de consenso é a de que existem vários jornalismos online, cujo único ponto em comum seria o fato de serem publicados na web e terem a notícia como matéria-prima essencial.

Apesar de todas as incertezas existentes entre os jornalistas que trabalham com a internet, é cada vez mais comum a distinção inicial entre o uso da web como ferramenta para o jornalismo convencional e como veículo de comunicação com características específicas. A grande diferença é que a ferramenta não afeta o conjunto de atitudes, percepções e valores que constituem a base do jornalismo tradicional, enquanto a opção pelo desenvolvimento de um novo meio de comunicação mexe com a cultura jornalística contemporânea, gera polêmicas e correntes de opinião.

Poucas vezes, nos 400 anos de história da imprensa, o jornalismo foi sacudido por tantas mudanças tecnológicas em tão pouco tempo. A inovação alterou a rotina de trabalho dos profissionais e transformou o público de commodity passiva em protagonista ativo. Por isto não é de estranhar que a profissão viva hoje em estado de permanente ebulição.

Quando pensamos na web como veículo de comunicação, duas áreas de estudo saltam imediatamente aos olhos dos jornalistas: a primeira é a descoberta das especificidades deste novo veículo, ou seja, a descoberta do jornalismo online; e a segunda é praticar a interatividade – noutras palavras, como estabelecer uma nova relação entre o profissional e seu público.

Na verdade jornalismo online e interatividade com o público não existem um sem o outro, mas para entender melhor os dilemas que cada um enfrenta não há outro jeito senão vê-los separadamente.

Os jornalismos online

Ainda há muita discussão, mas é cada vez maior o número dos que acham que não existe apenas uma, mas várias modalidades de jornalismo na web. Desde a que é uma mera transposição mecânica, uma verdadeira fotografia das edições impressas ou dos noticiários televisivos, até o chamado jornalismo-cidadão (praticado por pessoas sem diploma de jornalismo) e os visionários que experimentam fórmulas de jornalismo por imersão (no qual o leitor pode se tornar piloto de um caça-bombardeiro virtual, por exemplo).

Entre um extremo e outro existem situações que incorporam doses diferentes de ingredientes digitais. O texto quer você está lendo, por exemplo, segue uma estrutura convencional, pois tudo nela obedece a lógica do papel, mas a leitura está sendo feita num ambiente virtual. O fato de essa estrutura não estar construída segundo as exigências e possibilidades da web faz com que a maioria dos leitores acabe imprimindo o texto, abandonando o ambiente virtual.

É uma experiência híbrida onde a cultura analógica e a digital se misturam em doses desiguais. Mas a tendência é mudar tudo isso, transformando a leitura passiva numa experiência, numa aventura e numa criação. A versão online deste Observatório, mais cedo ou mais tarde, acabará sendo bem diferente da atual.

A quase totalidade dos sites atuais de jornalismo online segue o formato híbrido. A informação é recolhida por uma estrutura convencional (redação de jornal impresso, rádio ou TV) e publicada num ambiente virtual usando, em grau variável, os mecanismos da web (hiperlink, busca, votação e pesquisas de opinião, mensagens para repórteres e editores).

Mas a internet oferece muito mais do que isto para o jornalismo. Ela permite, por exemplo, o desenvolvimento de narrativas não lineares para uma notícia, dando ao leitor/ouvinte/espectador a possibilidade de criar uma leitura personalizada. A web permite misturar numa mesma narrativa o texto, as imagens estáticas (fotos e gráficos) e dinâmicas (filmes e animação).

O jornalismo online, na verdade, transformou-se num imenso laboratório de experiências, debates e alguns conflitos. Há profissionais sérios como os pesquisadores do Hypergene (http://www.hypergene.net), que estudam a ‘amazonificação’ dos sites jornalísticos. Eles testam a incorporação dos cinco princípios da arquitetura da informação do site de comércio eletrônico Amazon Books (http://www.amazon.com) às páginas jornalismo online para tornar a leitura/navegação ainda mais envolvente. Mais detalhes em (http://www.hypergene.net/ideas/amazon.html).

Já estudiosos como Barry Parr (http://parr.org/biography.shtml) propõem que os sites jornalísticos se aproximem cada vez mais da estrutura cronológica e personalizada dos weblogs – veja um polêmico texto desse autor em (http://mediasavvy.com/archives/000480.shtml).

Isto sem falar na moda do jornalismo-cidadão lançada pelo jornal sul-coreano OhmyNews (veja abaixo remissão para matéria publicada no OI sobre este jornal) e no projeto participativo brasileiro do Centro de Mídia Independente (http://www.midiaindependente.org/), inspirado no Independent Media Center (http://www.indymedia.org/or/index.shtml).

O professor Mark Deuze, da Universidade de Indiana, estuda quatro modalidades de jornalismo online – veja em (http://www.firstmonday.dk/issues/issue6_10/deuze/) – tendo como base um modelo teórico de comunicação participativa aberta.

Interatividade

Durante muito tempo a expressão esteve associada apenas à possibilidade de os leitores mandarem mensagens para os autores de reportagens ou comentários em sites de jornalismo online.

Hoje, no entanto, a interatividade adquiriu um caráter muito mais amplo à medida que os leitores passaram a ter uma participação cada vez maior na produção e circulação de informações na internet. Ela engloba todo o processo em que os diferentes atores participam da comunicação online, desde a leitura até o envolvimento com o assunto lido através da formação de comunidades virtuais de pessoas interessadas no mesmo tema.

A interatividade evoluiu dos BBS (bulletin board service) que eram uma espécie de jornal mural digital até os weblogs (sites pessoais) de hoje, passando pelos fóruns, listas de discussão e chats.

Os weblogs transformaram o leitor comum em publisher ao permitir que ele crie sua página web com mínimos conhecimentos técnicos e possa levar as suas opiniões e descobertas ao espaço cibernético em condições de igualdade com os mais experientes profissionais da informação.

Hoje existem cerca de 3,5 milhões de weblogs em todo o mundo (mais detalhes em (http://www.technorati.com/). No Brasil seriam cerca de 80 mil, crescendo a um ritmo de um novo a cada cinco minutos.

O fato de haver tanta gente produzindo informações de forma profissional ou amadora acabou gerando o desenvolvimento de ferramentas para facilitar e agilizar a troca de informações entre os blogueiros. A principal delas é o RSS (real simple syndication), na qual o usuário usa um programa leitor de notícias que capta tudo o que houver de mais recente em weblogs selecionados pelo interessado. A novidade acabou sendo adotada também pelos jornais online e, com isso, o leitor não vai mais à noticia, mas é a notícia que vai até ele.

Os weblogs e o RSS estão empurrando os jornais online rumo a uma diferenciação cada vez maior em relação às versões impressas. Tudo porque as versões online reconhecem que se não aderirem à interatividade acabarão perdendo leitores.

O crescimento da importância do leitor no processo de produção e circulação de informações é o fenômeno com maior potencial transformador nas relações entre o jornalista e seu público – uma área tradicionalmente pouco estudada pelos profissionais da notícia.

Há inclusive alguns pesquisadores nos Estados Unidos e na Europa que defendem a tese de que o diferencial futuro entre os jornalistas profissionais e os weblogs de informação feitos por amadores será basicamente o estudo e o conhecimento do público ao qual se dirigem.

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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica; e-mail (cacastilho@brturbo.com)