Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Artistas reagem à proposta do grupo Procure Saber

Imoralidade, censura, ganância e até “falta do que fazer” – a defesa da proibição de biografias não autorizadas (encabeçada pelo grupo Procure Saber, que reúne nomes como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan, Milton Nascimento e Paula Lavigne) tem sido criticada por representantes da classe artística. O compositor Alceu Valença escreveu um texto, em sua página no Facebook, em que defende a liberdade da expressão como valor “que deveria estar na frente de qualquer questão”. Antonio Cicero, Aldir Blanc e Nana Caymmi também se colocaram a favor de que biografias não autorizadas sejam produzidas livremente.

– Isso é um absurdo – ataca Nana Caymmi. – Sempre fui a favor da liberdade, desde o episódio da biografia de Garrincha, do Roberto Carlos. Se você quer ser artista, sua vida se torna pública. Proibir biografias é falta do que fazer, vem da invenção da máquina de lavar. (Os artistas que são contra biografias não autorizadas) Estão todos velhos, deveriam se sentir honrados por ter gente interessada na vida delas. É uma ignorância proibir quando nossa juventude precisa conhecer seus ídolos. Não tem porque esconder nada, a não ser que estejam envolvidos com tráfico de drogas, de mulheres, de órgãos, de crianças, e a gente não saiba.

Nana é crítica também com relação à sugestão de que artistas ganhem algum tipo de remuneração por terem suas vidas como tema de um livro (o cantor Djavan justificou em artigo que “editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação”):

– Quem enriquece com livro no Brasil? O negócio é que, onde tem dinheiro envolvido, essa turma está atrás. Tenho amigos como Sérgio Cabral, Ruy Castro que vivem disso, não é assim.

O compositor Aldir Blanc também se manifesta sobre o tema:

– Sou inteiramente a favor da liberdade de biografias, e contra todo e qualquer tipo de censura – diz. – Quem se sentir caluniado que processe o biógrafo. A liberdade de expressão vem em primeiro lugar.

Não autorizada

O poeta e letrista Antonio Cicero pondera:

– Sou a favor da liberação de biografias não autorizadas, sendo que, caso o biografado se considere caluniado, tenha o direito de processar o biógrafo. Mas me parece razoável a tese de que o biografado mereça receber alguma percentagem dos direitos autorais.

Em seu texto, Alceu Valença pergunta: “O que é pior: a mordaça genérica ou a suposta difamação?”. Ele defende os escritores brasileiros, afirmando que apesar de se falar “muito em biografias oportunistas, difamatórias (…) a grande maioria dos nossos autores estão bem distantes desse tipo de comportamento”. Para o músico, a luta não deve ser pela restrição à publicação de livros, mas sim no poder judiciário, que precisa agir com “mais eficiência e celeridade processual” nos casos de “livros ofensivos e meramente oportunistas”.

“Arrisco em dizer que cerceá-los seria uma equivocada tentativa de tapar, calar, esconder e camuflar a história no nosso tempo e espaço”, reflete o músico, classificando como “imoral” a ideia de pagamento de royalties para os “biografados ou herdeiros”, afirmando que a questão “definitivamente não é financeira”. “Falem mal, mas me paguem…(?) é essa a premissa??? Nem tudo pode se resumir ao vil metal!”, critica.

O debate gerou também uma iniciativa irreverente e inusitada. No Facebook, um grupo criou uma página que se propõe a fazer “a mais pirata e coletiva biografia não autorizada de Caetano Veloso”. O espaço, que já tem mais de 1,3 mil curtidas, recebe colaborações de usuários. Eles enviam links de matérias, fotos e outros conteúdos que, um por um, costuram a vida do célebre cantor e compositor baiano.

– Não criamos a página para tirar sarro do Caetano. Queremos reconstruir a vida dele e lançar uma biografia não autorizada em forma de e-book gratuito – explica Ricardo Giassetti, que criou o espaço com Danilo Corci, seu sócio na editora MojoBooks. – Estamos recebendo centenas de mensagens de colaboração e fazendo a curadoria do que entra na timeline.

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Carlos Albuquerque e Leonardo Lichote, do Globo