Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A mídia é violenta. Mas só ela?

Seria a chamada mídia, os órgãos jornalísticos e de entretenimento, violenta e, por este motivo, a grande culpada da precarização de nossa sociedade? Acontece que por um lado, sim, a mídia é extremamente violenta, gosta de uma polêmica sobre o nada e um sensacionalismo sobre quase tudo. Mas por outro nós temos uma sociedade extremamente transgressora dos seus próprios costumes. É o sujo e o mal lavado.

A mídia como um todo gosta e se pauta, muitas vezes, pela fofoca constrangedora para gerar vendas e justificar seu investimento em digital com base em visualizações. Mas se há sangue ao torcer um jornal, há quem goste de vê-lo totalmente vermelho. Se há uma proliferação de Datenas e afins, é porque há quem dê suporte a tudo isso. A violência na mídia só existe em reflexo de um campo fértil e receptivo de atuação por parte da sociedade. Ambas são culpadas.

Não é novidade para ninguém que a imprensa brasileira é recheada de fatos negativos e, principalmente, aqueles que abordam a violência como espetáculo, como uma peça de teatro vivida diariamente pelos brasileiros. De norte a sul a violência é um dos carros-chefe do jornalismo, pois ao retratá-la como uma demência, algo endêmico, a sociedade delira e aplaude. Não cabe aqui sermos inocentes ou incoerentes ao acreditar que o mal só vem do lado de lá e que a sociedade é apenas a vítima incontestável de uma manipulação conspiradora por parte dos meios de comunicação.

Um ciclo vicioso e letal

Ser inocente ou incoerente sobre isso seria como acreditar que a sociedade brasileira não passa de um grande recipiente vazio, pronto para ser preenchido com absolutamente qualquer coisa que a “grande mídia” queira inserir. É como se acreditássemos fielmente que o grande problema que envolve nossa sociedade não tem como base a saúde precária, o sistema educacional falido e nem tampouco a segurança pública desestruturada. É como se acreditássemos fielmente que tudo é culpa da imprensa. E nada mais.

Acreditar nisso é taxar de maneira simplória problemas profundos e históricos. A desigualdade social, a corrupção, o preconceito enraizado nos mais diversos setores, o descaso público e, é claro, uma imprensa extremamente negativista, formam um caldo grosso e temperado sobre nossa sociedade, mas ela, a sociedade, também tem sua parcela de culpa ao ser participativa com todos esses fatores citados. Ela é o grande reflexo de tudo, principalmente o espelho para que a mídia tenha um tom mais violento e menos social.

Sim, a mídia tem um tom violento de causar náuseas, mas realmente é preciso esperar que uma organização criminosa tome de refém a maior cidade do país para que tenhamos consciência do que está acontecendo? É realmente preciso ver ataques a ônibus resultarem em vítimas inocentes para que tomemos causa de como o Maranhão é precário e abandonado? É preciso que um cinegrafista morra para que saibamos que a hostilização a jornalistas tem sido algo frequente? Nos acostumados com a violência no varejo, mas quando ela vem no atacado nos assustamos.

A mídia é violenta. A sociedade é violenta. O Brasil é violento. Nós somos violentos e participamos ativa e diariamente para que não nos esqueçamos disso. Por um lado, a imprensa, ao focar única e exclusivamente o tema em papéis, TVs e bits; por outro, a sociedade que se demonstra fértil e fiel a tudo isso, inclusive ao consumir de maneira frenética e ininterrupta cápsulas informacionais cada vez mais violentas. O ciclo é vicioso. E letal.

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Cleyton Carlos Torres é jornalista, blogueiro e editor do Mídia8!