Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bernardo Ajzenberg

‘Embora com algum atraso, devido às férias, e depois de tantos textos já publicados sobre o tema, vejo-me na obrigação de comentar ao menos um aspecto dentre tantos suscitados pela divulgação dos resultados do inquérito efetuado pela Justiça britânica sobre o suicídio do cientista David Kelly, as supostas responsabilidades da BBC, inculpada, e do governo de Tony Blair, inocentado.

As falhas técnicas cometidas pela rede de rádio e TV ao informar, em maio de 2003, que o dossiê sobre as supostas armas de destruição em massa iraquianas havia sido ‘apimentado’ pelo governo parecem claras: não se ouviu o ‘outro lado’, inflou-se a dimensão da fonte citada em ‘off’ e forçou-se um tanto a barra nas afirmações dessa mesma fonte (mais tarde ‘vazada’ à mídia pelo próprio governo como sendo Kelly).

Mas essas falhas, condenáveis, infelizmente são muito mais comuns do que se imagina. Quem acompanha atentamente a mídia encontra deslizes do mesmo gênero por toda parte, em assuntos mais ou menos relevantes, com desdobramentos maiores ou menores.

Além disso, se errou gravemente nos procedimentos, a peça jornalística em questão, conforme revelações das últimas semanas, acertou no principal.

Ocorre que, ali, houve um suicídio -um drama nacional- e que uma guerra surda já se havia instalado desde muito antes entre a BBC e o governo Blair, em especial a propósito da invasão do Iraque.

A ‘pisada de bola’ da rede pública, naquele momento, caiu como uma luva para o primeiro-ministro tentar virar um jogo que se lhe configurava desfavorável perante a opinião pública, contexto no qual as afirmações do repórter Andrew Gilligan, em si, poderiam acrescentar tempero numa conjuntura cuja pauta acabaria por incluir até mesmo a queda de Blair.

Enquanto ele e seus ministros, a partir daí, foram implacáveis, profissionais, esmagadores -assim como o juiz lorde Brian Hutton-, a BBC embaraçou-se, padeceu de inapetência reativa.

Deduzir que esse embate político ameaça o jornalismo investigativo e a liberdade de imprensa na Grã-Bretanha e no mundo me parece certo exagero.

O que Blair visava, de imediato, mais do que docilizar a BBC (objetivo, digamos, de longo prazo), era sua própria sobrevivência no poder -daí o furor e a determinação de sua ofensiva.

A julgar pelas pesquisas mais recentes, nada garante que o governante irá vencer a guerra após a batalha vitoriosa.

A octogenária BBC, considerada a maior e mais influente rede de radiodifusão do mundo, sai do confronto com o rabo entre as pernas, mas, ao contrário do premiê, angaria, ainda, forte confiança dos britânicos.’

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‘Jornalismo público’, copyright Folha de S. Paulo, 8/2/04

‘Ainda sobre redes públicas -e voltando os olhos para o nosso pequeno quintal-, impõe-se dar atenção para o que a TV Cultura promete enfatizar a partir de amanhã em sua programação: ‘um jornalismo público independente do poder e do mercado’, não para divertir, mas para ‘informar, explicar, esclarecer e criticar’.

Os programas terão ‘erramos’ e um apresentador fará questionamentos aos próprios colegas.

Segundo Marco Antonio Coelho, diretor de jornalismo da rede, com quem conversei, um manual (espécie de ‘guia de princípios’, em sua primeira versão) deve começar a circular no fim deste mês e o objetivo é, também, instituir a figura de um crítico interno (‘editor de qualidade’), além de, mais adiante, um ombudsman (com direito a inserção na grade da programação).

Nada mais bem-vindo, em especial num ano eleitoral.

A conferir.’

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‘Notícia, promoção’, copyright Folha de S. Paulo, 8/2/04

‘Uma reportagem publicada na Ilustrada em 21/1 anunciava dois megaeventos de música eletrônica, um para março, no Rio, outro para setembro, em São Paulo. Ambos patrocinados pela multinacional de celulares Nokia, conforme o texto, dentro do projeto Nokia Trends, uma ‘série de eventos focados em atrações de ponta do universo da música de pista’.

O texto, além disso, registrava a criação de um site, como ‘ferramenta de apoio aos eventos’, e dava o endereço na internet.

Nada chama muito a atenção aí, a não ser que o texto era assinado por uma jornalista sócia de uma empresa que participou da criação do referido site e que é, justamente, a fornecedora do material jornalístico do mesmo.

A Folha, ao tomar conhecimento disso, por meio de uma pessoa de fora do jornal, decidiu suspender a colaboração da jornalista (free-lancer), por considerar que essa conjunção implicava um conflito de interesses, colocando em xeque a credibilidade do jornal.

O ‘Manual da Redação’, com efeito, veta a todo jornalista ‘escrever sobre assuntos em que tenha interesses pessoais diretos’.

Ouvida pelo ombudsman, a repórter, Cláudia Assef, cinco anos de Folha, ex-correspondente-bolsista em Paris, afirma que não ocultou deliberadamente do jornal a sua relação com a Nokia.

‘Talvez tenha sido ingênua ao não dar atenção para isso’, diz ela. ‘Se tivesse pensado mais, teria sugerido a inclusão dessa informação no pé do texto, para efeito de transparência. Mas nada disso mudaria o conteúdo do que escrevi e a importância das informações. Não tenho nenhum interesse pessoal direto nisso tudo’.

O problema, num caso como esse, não diz respeito tanto ao que cada jornalista pensa sobre si mesmo. A questão é objetiva: como convencer o leitor da independência a respeito de um evento sendo parte integrante, de uma forma ou de outra, do mesmo? Como convencê-lo de que se está escrevendo pela notícia em si e não porque se tem laços com o fato divulgado?

Ao jornalista, não basta ser ético ou íntegro. É preciso, além disso, escancarar essa condição para o público, sempre. Pois a simples aparência de haver algum conflito de interesses já é mortal para a credibilidade.

Além de suspender a colaboração, a direção do jornal informa ter pedido ‘empenho’ ao conjunto de editores no sentido de ‘redobrar esforço para checar se eventuais ligações pessoais e/ou profissionais dos colaboradores implicam conflito de interesses’ e ‘evitar citações desnecessárias de patrocinadores em textos jornalísticos que podem resultar numa leitura promocional’.

Medidas corretas que, a meu ver, deveriam ser renovadas periodicamente, não apenas como reação a fatos consumados.’

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‘Números do atendimento’, copyright Folha de S. Paulo, 8/2/04

‘O quadro ao lado ‘fecha’ os dados sobre comunicações feitas ao ombudsman em 2003.
Em relação ao ano anterior, houve uma redução, no total, de 2,5% (7.644 ante 7.845). Dentre os cadernos diários, Brasil (766) foi, mais uma vez, o que mais manifestações recebeu, seguido de Cotidiano (545), Esporte (538), Mundo (348), Ilustrada (303) e Dinheiro (263).

Chama a atenção a ‘liderança’ da Folha Online no ‘ranking’ geral (807). Em 2002, o site estava em sexto lugar.

Da mesma forma, a posição elevada do item ‘Colunistas’ (681), em terceiro lugar na relação geral (a mesma posição do ano anterior).

O estranho pico registrado no mês de agosto reflete, por sua vez, um excepcional número de reclamações relativas a uma única reportagem em Esporte.’