Tuesday, 07 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Bia Abramo

‘Pena que são Pedro não tenha colaborado muito com as emissoras da TV neste ano. As agências de publicidade fizeram suas propagandas cheias de gente pelada na praia, a Record, a Bandeirantes e a MTV adaptaram suas programações para transmitir do litoral, e, nada, o verão não veio.

Pelo menos até agora, a atmosfera de alegria solar e desregramento dos sentidos só está na TV -chove no Brasil inteiro e, em São Paulo, chegou a fazer frio em janeiro. É um azar fortuito, por certo, mas que pode servir de advertência a uns e outros não confiarem tanto assim nas idéias preconcebidas, naquilo que se acredita como certo.

Verão, na TV, significa guerra de cervejas, homens e mulheres mostrando seus atributos físicos e um espaço inaudito para shows de música, em especial daquelas que devem bombar no Carnaval. O axé parece ser, na cabeça de emissoras como Record e Bandeirantes, sinônimo de verão, não importa o quão em baixa esteja o gênero -e está.

É só ver o esforço que fazem Adriane Galisteu e Otaviano Costa no ‘Bahia 50º’ para extrair algum interesse de uma apresentação do É o Tchan, em Salvador. Ou o patético de uma apresentação de Kléber Bam Bam, sujeito que ganhou notoriedade ao ganhar o primeiro ‘Big Brother’, cujo talento principal era o de reproduzir uma coreografia para o ‘hit’ (?!?) ‘Olha a Onda’, do grupo Tchakabum (?!?) no ‘Boa Noite, Brasil’.

O famoso Zé Ninguém ressuscitou das sombras de onde jamais deveria ter saído para apresentar seu grupo musical, Kléber Bam Bam e as Pedritas, uma moça feita e duas menininhas de, no máximo, dez anos. Juntos, mas em total descoordenação, eles cantam uma coisa chamada ‘Yabba Dabba Bam Bam’.

Em outra cena, vemos um Olivier Anquier, cujo português é ótimo, mas não o suficiente para improvisar ao vivo, tentando desesperadamente achar as palavras para descrever e qualificar uma cena de Bam Bam com crianças na praia. (E pensar que, enquanto isso, na Globo, mais uma leva de famosos-quem? está sendo gestada na quarta versão (!) do ‘Big Brother Brasil’.)

Já a MTV acerta mais, ao adaptar toda a programação para uma atmosfera mais descontraída de férias, centralizada na ‘Casa da Praia’, e na escalação de Daniela Cicarelli como hostess de um game show, o ‘Hula Hula’. Figura quase caricata de gostosura, Cicarelli lembra, de certa forma, a Paulette, dos quadrinhos de Wolinksi/Pichard, em versão tropical.

Ela é, num certo sentido, péssima -desajeitada, inexperiente-, mas é tão linda e simpática que seus defeitos revestem-se de uma graça irresistível. Seus artifícios são todos tão transparentes -basicamente, consistem em variações em torno dos seus sorrisos-, que ela acaba por convencer de que aquilo tudo é só uma brincadeira divertida.’

 

SBT
Daniel Castro

‘‘Casa dos Artistas’ volta em maio no SBT’, copyright Folha de S. Paulo, 1/02/01

‘A diretoria do SBT deu nesta semana os primeiros passos para a realização da quarta edição do ‘reality show’ ‘Casa dos Artistas’, fora do ar desde o segundo semestre de 2002. A cúpula da emissora já trabalha com a previsão de estréia em maio.

Na próxima semana, com o retorno de Silvio Santos das férias, as áreas de produção e comercial irão apresentar ao dono do SBT os primeiros estudos de custos e de lucros do programa. Mas ‘Casa dos Artistas’, cuja primeira edição, em 2001, entrou para a história da TV pelo ineditismo e sucesso de audiência, só não retornará em maio se houver retração do mercado publicitário.

Nesta semana, ocorreram as primeiras reuniões entre executivos para para discutir aspectos comerciais e de produção. Anteontem, diretores da área comercial estiveram na casa onde o ‘reality show’ será gravado para avaliar oportunidades de ações de merchandising no mobiliário.

A decisão de retomar a produção de ‘Casa dos Artistas’ foi do próprio Silvio Santos, animado com a ‘sobrevivência’ de ‘Big Brother Brasil’, na Globo. Pesaram também o fato de o programa já estar descansando há um ano e meio e uma recente decisão judicial que libera o SBT do pagamento de multa, em ação movida pela Globo (que acusa a concorrente de plagiar o formato de ‘Big Brother’), caso volte a exibir o ‘reality show’.

OUTRO CANAL

Vagas 1 A Record sondou Janine Borba, ex-apresentadora do ‘Jornal da Band’ e atualmente repórter da Globo em São Paulo, para dividir com Otaviano Costa o comando do ‘Impacto’, sua versão do ‘Fantástico’, que estréia em março, aos domingos, das 18h às 20h.

Vagas 2 Em dezembro, a Record havia anunciado Milton Neves e Fernanda Fernandes como apresentadores, mas se ‘esqueceu’ que o primeiro tem um programa de rádio no mesmo horário.

Flop Deu ‘apenas’ 43 pontos o capítulo de anteontem de ‘Celebridade’, em que foi revelado o porquê de Laura (Claudia Abreu) detestar tanto Maria Clara (Malu Mader). Esperava-se mais, algo em torno de 50 pontos, até porque a concorrência anda combalida, com reprises ou programas meia-boca.

Esperança Para alavancar ‘Celebridade’, a Globo aposta agora no mistério sobre quem é o assassino de Lineu Vasconcellos (Hugo Carvana), que só será revelado nos últimos capítulos. O assassinato está previsto para ir ao ar no próximo dia 17.

Cadeira Wilson Cunha vai deixar a direção-geral do Canal Brasil, de filmes brasileiros. Seu substituto será anunciado em 15 dias. O favorito é Paulo Mendonça, representante de produtores de cinema sócios do canal pago. Cunha continua à frente do Multishow.’

 

REALITY SHOWS
Gabriel Priolli

‘Muito ‘show’ e pouca ‘reality’’, copyright Folha de S. Paulo, 31/01/01

‘Reality show é um tipo muito bem-sucedido de show televisivo, indiscutivelmente, mas tem pouco a ver com reality. Desde que o gênero aportou no Brasil, com a estréia do primeiro ‘No Limite’, em julho de 2000, ele segue saudável e forte e não pára de proliferar, gerando programas bastante assistidos e uma polêmica que não dá sinais de terminar. O mais vistoso desses rebentos, o ‘Big Brother Brasil’, surgiu há apenas dois anos, em janeiro de 2002, e já está na quarta edição, sustentando o elevado Ibope noturno da TV Globo. De quebra, alavanca as adesões de internautas ao portal Globo.com e ajuda operadoras de TV por assinatura a vender pay-per-views. Mas isso resume quase tudo de realidade que envolve o programa. O mais, é puro jogo e ficção.

Ao contrário do que possa parecer, o ‘Big Brother’ não é um parque zoológico para humanos, onde machos, fêmeas e variantes da espécie são confinados numa jaula para que o público possa observar e divertir-se com o seu comportamento sem jogar amendoins, como recomenda a sensatez ambiental. O confinamento de um grupo de pessoas numa casa e a invasão radical de sua privacidade, com câmeras monitorando cada canto do ambiente, são, sim, a espinha dorsal do programa. Mas não há no comportamento dos confinados a mesma espontaneidade dos chimpanzés ou a indiferença dos hipopótamos nos zoológicos reais.

Todos estão ali como participantes de um jogo que é permanentemente conduzido de fora por uma vasta equipe de diretores, roteiristas e editores. Ninguém é ‘ele mesmo’ no programa, mas apenas ‘um certo ele’, totalmente circunstanciado pelo isolamento, o ócio, a convivência compulsória com estranhos e a submissão a um amplo conjunto de regras e rotinas que permitem ao espetáculo funcionar. Trata-se, portanto, muito mais de teatro de marionetes do que de parque natural.

A ficcionalidade, ressalte-se, é o elemento articulador do jogo e o que permite ao programa avançar, com interesse progressivo, ao longo de 12 semanas. A construção dos personagens começa na seleção dos participantes, e o segredo está na mistura de atributos biográficos e físicos, o máximo possível heterogêneos e exóticos: o lutador negro carioca e a modelo argentina loura, o jardineiro de cemitério paulista e a enfermeira paraibana, a patricinha brasiliense e o publicitário mineiro, o dono de bar paranaense e a frentista paulista, um caldeirão de etnias, tipos físicos, sotaques regionais e experiências. São as características pessoais e a vida pregressa, portanto, que definem os personagens -como sucede em qualquer telenovela.

O objetivo do jogo está em conquistar uma bolada em dinheiro por meio da sedução do telespectador, que julga -votando- quem sai de campo ou segue até o final. A melhor estratégia recomenda ocultar a óbvia cupidez do prêmio e mostrar-se simpático, divertido, bonito, gostoso, inteligente, culto, ético, solidário, ou tudo aquilo que o senso comum julga positivo e desejável. Mas isso não é possível obter apenas por bom comportamento diante das câmeras. A direção do programa, sublinhando traços específicos dos participantes e enfatizando conflitos, romances, intrigas e alianças, induz obviamente a percepção do público e determina a fortuna de uns e a desgraça de outros. Tal como ocorre em qualquer telenovela.

A trama se desenrola pautada por um calendário estrito. Nas quintas-feiras, escolhe-se o ‘líder’, que tem o poder de indicar um dos condenados ao ‘paredão’ de eliminação, e escolhe-se também o ‘anjo’, com o poder inverso de salvar almas do inferno. Nos domingos, o líder faz a sua escolha e o restante do grupo vota no outro eliminável. E, até a noite da terça-feira, o telespectador vota em quem deve sair. Nos outros dias, há provas para ganhar comida, liderança e imunidade e há festas para relaxar as tensões -quando ocorrem os esperados encontros de casais, pelos quais clama o incansável voyeurismo da patuléia. É no meio de todas essas atividades que os jogadores ‘fazem o que querem’, como se fosse possível fazer algo muito diverso do que é pautado.

Esse reality show é um pouco mais reality, talvez, para quem o assiste intermitentemente no pay-per-view ou na internet, com menos indução da direção do programa -uma minoria irrelevante. Para quem o acompanha pela TV aberta (e pela imprensa, que também não pára de ‘transmiti-lo’), é apenas uma novela de poucas locações, personagens monótonos e trama fraca. A ‘nave Big Brother Brasil’ leva anônimos do zero à fama, e a ficção televisiva, do nada a lugar nenhum. (Gabriel Priolli, 50, jornalista e diretor de televisão, preside a Associação Brasileira de Televisão Universitária e dirige a TV-PUC de São Paulo.)’

 

Tales Ab’Saber

‘O sadismo é o real’, copyright Folha de S. Paulo, 31/01/01

‘Um homem encontra outro no meio do caminho e lhe pergunta: ‘Você esteve naquela grande festa?’. A festa acontecera já havia algum tempo e o homem questionado não estivera lá. Porém um seu amigo havia ido à festa e lhe contara tudo. O que aconteceu naquele banquete memorável foi o seguinte: os homens livres que se encontraram para comemorar o sucesso de um deles no teatro, após algum tempo de conversa fiada e uma boa bebedeira, resolveram discorrer sobre o amor, fazendo dele o grande tema daquele dia. Então eles criaram um concurso: cada um faria um discurso dizendo tudo que sabia e pensava sobre o amor e a melhor apresentação, na opinião democrática de todos, seria a vencedora.

Georg Lukács já apontou que a permanência viva do ‘Banquete’, de Platão, não se deve apenas ao valor intelectual e histórico da sua matéria elevada, mas à riqueza da caracterização realista que dava grandeza de espírito verdadeira e concreta a cada um dos intelectuais e cidadãos atenienses retratados, numa experiência de conteúdos muito verdadeiros pela carne viva da forma de cada um. Um encontro de homens livres formados na paidéia grega produzia tamanha riqueza de espírito e deleite humano que, desde então, todos os que por acaso não estiveram lá, como nós, queriam estar, e a história foi contada, por seus muitos narradores e por seu grande narrador Platão, de modo a nos incluir transferencialmente em seu mundo. É uma história de amor e inteligência, e nós bem que gostaríamos de ter estado ao lado de Sócrates naquela festa. A própria celebração erótica e sensual daqueles homens em seu banquete fazia parte do objeto celebrado, em uma construção em abismo, que nos convidava a pensar e a apreender a própria substância do amor acontecida entre os homens que o festejavam.

Passados 2.400 anos, em nosso país periférico, a reunião de ‘homens livres’ em uma imensa festa que dura meses é acompanhada por todos nós, em tempo real, e com uma participação interativa quase universal. Estamos diante, ou dentro, do ‘rebu’ do ‘Big Brother Brasil’, e a fofoca que acontece na casa é a mesma que acontece fora dela. O tempo e o espaço do programa, abertos ao real que se atualiza constantemente em nossa consciência, aponta para uma outra ordem de narrativa e experiência diante do discurso, em que os termos clássicos do acontecimento, do narrador mediador e do remetente, terceiro excluído, que é aquele para quem se representa uma história, estão todos confundidos e agenciados simultaneamente. Estamos todos convidados para o banquete, que tem regras bastante diferentes daquele verdadeiro excedente de erotismo e pensamento que marcou a reunião antiga e sua narrativa.

No encontro atual, ao qual, se vemos televisão, não podemos escapar, é possível reconhecermos a gradual mesquinharia que toma conta dos espíritos, pobreza já programada na origem apenas econômica do jogo. Pessoas em geral com baixa ocupação e sem destino na vida da cultura aguardam a oportunidade de ascender socialmente pela reprodução teleológica de sua imagem na TV. No tempo da crise do emprego e de todos os objetos do espírito, com exceção das mercadorias, da inflação dos egos vazios pela cultura do espetáculo e do mercado, alcançar a ascensão social através da industria do fetichismo de si mesmo é uma das poucas alternativas.

Por outro lado, se transfere às massas desoladas e identificadas com aqueles pobres diabos aprisionados, que tentam vender qualquer coisa de si mesmos, o direito de julgar a vida, o espírito e o destino daquelas pessoas. Exatamente como preconiza o oferecimento dos seres ao mercado, sem nenhum anteparo ou direito real. Por algumas semanas todos nos tornamos patrões daqueles destinos e decidimos quem será demitido ou quanto os prisioneiros devem comer, e assistimos contentes a dolorosos processos de regressão e sofrimento humano, programados pela televisão para o nosso próprio deleite.

No banquete sádico do ‘Big Brother’ há muito mais realidade psíquica do que gostaríamos de ver. Seu curto-circuito espelhado em que pessoas comuns detêm o destino de outros, semelhantes a elas mesmas, com o atravessamento e agenciamento constante das câmeras que passam a se misturar à vida, único espaço em que ela pode se dar, como se fosse mesmo um espetáculo ou mercadoria pronta a encontrar o seu potencial de fetiche, aponta para o curto-circuito do espaço de compra e venda dos corpos e dos espíritos com todo o espaço de representação ou simbolização -narrativa em quiasma- que tende ao real de nosso tempo. Os efeitos das decisões estatísticas das massas sobre os brothers aprisionados na caixa de Skinner da tevê são reais sobre o psiquismo e a vida daquelas pessoas. As ansiedades radicais, a fome, a paranóia que elas vivem, com as quais brincamos, têm correspondência efetiva na própria ordem da vida social.

‘Big Brother Brasil’ é simplesmente a ordem do real entre nós, cujo espaço erótico não é simbólico ou reflexivo, mas ato, de controle e de gozo. (Tales Ab’Sáber, 38, psicanalista, é professor do Programa de Psicopatologia do Núcleo de Políticas e Estratégia da USP e autor de ‘A Imagem Fria – Cinema e Crise do Sujeito no Brasil dos Anos 80’ (Ateliê Editorial, 2003).’