Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Impunidade, dogmas e problemas

I

Poucos conseguem praticar o ideal ilustrado de acreditar que conversando sobre os nossos problemas com espírito desarmado, mesmo que os assuntos sejam difíceis, todos podemos – independentemente de nossa condição social ou de inteligência – alcançar um esclarecimento maior do que normalmente nos permitem nossos dogmas e tabus, essa nossa ‘menoridade auto-infligida’. É nesse sentido que vale, mais uma vez, começar qualquer reflexão sobre a violência com as palavras de Alberto Dines, quando conclama o público a discutir o tema ‘sem dogmas e tabus’, sem preconceitos de correção política (código poderosamente ideológico de verdades estabelecidas):

‘A correção política exige o debate – aberto, intenso, sem interdições. O dogma intocável é um tabu, e todos os tabus são moralmente indefensáveis. Debates não acontecem por acaso, são motivados por fatos. Forçar a sociedade a engolir o horror, e fechar os olhos ao que acontece, equivale a sufocar sua capacidade de reação, anestesiar sua sensibilidade, condená-la à inação. É antidemocrático, obscurantista e pernicioso’ (Alberto Dines, ‘Violência juvenil – contra os dogmas e tabus’ em Observatório da imprensa, 02-12-2003)

Ricardo Antônio Lucas Camargo, em suas ‘Reflexões sobre as distintas valorações da violência’ (Observatório da imprensa, 10/02/2004), incorre, no pouco que se refere à violência interna, nesse discurso dogmático criticado por Alberto Dines. O discurso dogmático, típico do radicalismo em permanente estado de ‘defesa’ contra a dúvida de suas premissas é a forma argumentativa do discurso político de amigo/inimigo, e obscurece a possibilidade de que alguém pode ser autêntico e subjetivamente honrado defensor de uma idéia e objetivamente estar errado na forma de defendê-la, e pode até mesmo contradizer o ideal perseguido. É apenas a associação de uma idéia errada a uma obrigatória ‘má-consciência’ do emissor dessa idéia que torna a conclusão de Antônio Augusto Araújo, referida por Ricardo Camargo, a respeito de ‘Falsos defensores de direitos humanos’ (Observatório da imprensa, 09/12/2003) parcialmente correta: os que sucumbem à poderosa ideologia do ‘politicamente correto’ tornam-se de fato ‘incapazes de sequer tentar outra apreensão da realidade que os cerca‘. Isso acontece, porém, no comum das vezes, mais por auto-engano do que por trapaça. O auto-engano é trágico, a má-consciência é cínica. A imensa maioria de defensores de direitos humanos, quando errados na forma de defesa dessa bandeira, e por vezes até mesmo quando são autoritários, é de casos trágicos e não de cínicos. Subjetivamente honrados, podem enfrentar uma crise existencial e revisar os pressupostos equivocados de sua trajetória de pensamento. No caso de pensamentos intimamente ligados à atividade prática em questões de justiça, envolve-se aqui a negação, para um recomeço, de uma verdadeira trajetória de vida, e por isso esse terreno é tão propício à sedimentação do dogma quase-religioso. São inúmeros livros publicados, errados, são inúmeros precedentes judiciais, errados, são muitos anos de aulas, ensinando errado. Nem todos conseguem apanhar-se em erro, tendo investido sua melhor energia no acerto, e ainda mais por causa tão nobre. Não há por isso assunto secular mais religiosamente tratado do que o que envolve o problema social da violência e da criminalidade.

É possível ter um pensamento objetivamente equivocado não apenas quando se possui uma resposta falsa a uma pergunta verdadeira, mas quando se formula uma pergunta falsa, ou se tomam premissas problemáticas como dogmas, ou ainda quando se raciocina em contradição entre o ideal defendido e o modo de defendê-lo.

Premissa problemática tomada como verdade, pergunta falsa, e modo autoritário de formular a defesa de direitos humanos são três defeitos sintetizados no único parágrafo em que Ricardo Antônio Lucas Camargo refere-se à violência interna e ao sistema criminal brasileiro, ao dizer que:

‘A Lei dos Crimes Hediondos, há mais de uma década vem sendo aplicada com todo seu rigorismo. Terá servido para diminuir a criminalidade? Especialmente aquele a que ela mesma se refere? Os periódicos e a mídia eletrônica informam exatamente o contrário, embora majoritariamente bradem contra a brandura das nossas leis. Agora, se fosse feita uma enquête, com toda a certeza, veríamos que a maior parte dos brasileiros a aprovaria, como aprovaria a pena de morte. Justamente porque a concepção mais primitiva – sem qualquer conotação pejorativa, mas utilizando o sentido primordial, original – da pena é a de uma vingança social contra o infrator. Não seria uma postura demagógica ‘em prol dos direitos humanos’ que encontraria eco no Brasil, mas precisamente a pregação demagógica contrária: ‘contra os direitos humanos’, porque identificados com ‘direitos dos bandidos’’.

Propomos uma contra-argumentação às idéias sintetizadas aqui, que envolvem o cerne da discussão sobre a justiça ou injustiça do sistema penal como um todo, pedindo a paciência do leitor para discorrer, ainda que de modo telegráfico, sobre problemas correlatos que ‘vestem’ com freqüência os argumentos relacionados ao sistema penal, como a discussão da pena de morte, o problema da ‘causa social’ da violência, e a demagogia e autoritarismo recorrentes em ‘soluções’ para a violência.

II

A defesa dos direitos humanos é mais legítima quando defende também a democracia, porque são os regimes políticos antidemocráticos os tradicionais inimigos dos direitos humanos. A democracia não admite o discurso autoritário de ‘tutela da razão do povo’ que não sabe votar. Traduzindo bem, o discurso dos juristas humanitários, representado no pensamento de Ricardo Camargo, diz exatamente isso: o povo não sabe votar. Se for permitido que esse povo discuta e decida questões sérias como o fundamento da pena criminal e a pena de morte, esse povo vai recair na barbárie primitiva. Por isso será melhor que não deixemos esse povo discutir ou votar esses assuntos. É o supra-sumo do autoritarismo que, à esquerda ou à direita, prefere a ‘democracia-dirigida’ ao risco de consultar a vox populi. Segundo se infere desse pensamento, lamentavelmente mais representativo do consenso dos juristas do que devia, a lei dos crimes hediondos é bárbara e fascistóide, e só existe na sociedade brasileira por culpa de ‘demagogos’ que denigrem os direitos humanos como ‘privilégios de bandidos’. Se o deixarmos à solta esse povo vai querer também a pena de morte. É hora de parar de ouvir esse povo fascistóide, que questiona, mediante o critério do senso comum, as premissas de nossa ‘ciência criminal’ superior e seus dogmas. A conclusão é excessivamente aristocrática, na melhor das hipóteses. O remédio possível contra excesso de dogmatismo é manter-se aberto para o saudável senso comum, que pode não saber bem onde e nem por que, mas percebe algo essencialmente errado em nosso discurso jurídico.

III

A primeira premissa da argumentação (a lei vem sendo aplicada com rigor há mais de dez anos) é problemática, e se formos questioná-la mais detidamente poderemos concluir que é falsa. Aplicar corretamente uma lei é acima de tudo emprestar-lhe o atributo de boa origem, salvo muito boas razões em contrário: queiram ou não os juristas, ela é produto da soberania popular. Desde a origem, a lei dos crimes hediondos enfrenta desobediência por argumento (fragilíssimo) de má origem. Os criminalistas, em geral, e os juízes de instâncias criminais ordinárias, em particular, manifestam explícita resistência à lei dos crimes hediondos. Prova isso a enorme quantidade de recursos especiais que discutem, no Superior Tribunal de Justiça, violação literal à lei federal, por desobediência à proibição de concessão de ‘progressão de regime’ em crimes hediondos e de tráfico, salvo engano sempre providos (o que já indica que o voluntarismo judicial é causa de excessivos recursos que emperram o Judiciário, e não a existência dos recursos, que se não existissem, tornariam a ditadura das decisões ilegais mais perigosa do que já está). O Poder Executivo, forjado na má prática de usar o indulto como válvula de ‘vazão’ da população penitenciária, chegou, em 2002, a perdoar parcialmente delitos que o constituinte disse que seriam insuscetíveis de perdão (talvez vendo que o constituinte não falou expressamente em indulto, mas apenas em graça e anistia, etc.), no que foi imediatamente sustado pelo Supremo Tribunal Federal. Esses dois casos tornam problemática a premissa de que a lei dos crimes hediondos tem sido fielmente observada desde a sua origem.

Resiste-se à lei por incompreensão, talvez, mas por um tipo de incompreensão largamente facilitado pela soberba dos ‘doutos’ que sabem pelo povo o que é melhor para nós. Os juristas, de absoluta boa-fé, defendem a sociedade contra a demagogia de leis que chamam de ‘terror penal’. O pior da meia-verdade é que ela é meio-verdadeira. Os demagogos sempre apelam ao rigor nominal das leis, mas nunca para castigo e sim para falso ‘remédio’ da criminalidade. Já surge, porém, um certo cinismo, corrente no direito tributário, de criminalistas que defendem, sob o manto do humanitarismo, o que é mais conveniente à clientela: é aqui que a exclusão à segunda potência do sistema criminal fundado na prevenção social manifesta uma face perversa: não seria absurdo especular que a desobediência ao comando da lei dos crimes hediondos ocorre com mais freqüência naqueles crimes praticados por nossos iguais. A ‘progressão’ por falta de perigo social é o ídolo dos advogados que confiam na ‘solidariedade’ social e racial dos juízes, e na expectativa de que não serão ‘cruéis’ e não cometerão a indelicadeza de mandarem para regime integralmente fechado os filhos de ‘nossos iguais’, envolvidos com o uso de entorpecentes que, mais freqüentemente do que gostaríamos, dão o passo perigoso do consumo para o tráfico.

O trágico auto-engano humanitário que abraça o cinismo, na realidade, é reprodução quase fiel da ambigüidade do ideal ‘humanitário’ da reforma penal original que substituiu o suplício corporal por uma complexa tecnologia penal de prevenção social contra pessoas potencialmente perigosas, emprestando aos delitos graves de nossos iguais o manto da imunidade. Para a compreensão dessa ambigüidade, que forja a injustiça de fundo de todo o sistema judicial brasileiro, fundado na ideologia da prevenção social que opera necessariamente sobre a injusta fórmula dos ‘dois pesos e duas medidas’, temos de retroceder, ainda que de modo telegráfico, às origens de nossa imaginação criminal.

IV

A pergunta sobre a eficácia dissuasória da lei dos crimes hediondos pode ser compreendida como uma pergunta falsa, se assumimos premissa diversa da que vê na pena um remédio contra a expansão da criminalidade, embutida na sua formulação. Para isso será preciso colher do radicalismo seu método de ir à origem, e não sua prática corriqueira de simplificar a história. A história do direito que faz parte da nossa formação é uma história mítica ou pelo menos muito simplificada. De um passado nem tão remoto, por um passe de mágica, a humanidade envergonhou-se dos suplícios e das penas infamantes gravadas no corpo do condenado e tornou-se mais humanitária. A história real é um pouco mais complicada e contraditória do que isso. A pena no período clássico era corporal, devia imprimir-se no corpo do agressor, para que o mal praticado fosse pago ‘exemplarmente’. O ideal do suplício não era apenas a morte do apenado, mas o sofrimento lento que se assemelharia à multiplicação da morte, como se a transformasse em ‘mil mortes’. A história do ‘nascimento da prisão’ e da gênese dessa moderna economia da pena, que não afasta a violência, mas desloca-a do corpo para a ‘alma’ do apenado, contada de modo magistral por Michel Foucault, em Vigiar e Punir, no final dos anos 70 do século 20, ainda não teve no mundo dos juristas a eficácia do brilhante libreto Dos Delitos e das Penas, do Marquês de Beccaria, glorificado pela reforma humanista do século 19. Com Foucault encontramos a chave explicativa dessa nova fórmula de violência, que envergonhada de punir, engendra uma ‘nova economia do poder de castigar’, cujo ideal é corrigir, reeducar, ‘curar’. ‘O que se vai definindo não é tanto um respeito novo pela humanidade dos condenados (…) quanto uma tendência para uma justiça mais desembaraçada e mais inteligente para uma vigilância penal mais atenta ao corpo social’ (p. 73). A reforma penal do século 19 poderia ser concebida também como reação ao contratualismo e à igualdade formal, postos em prática nos primeiros momentos da Revolução de 1789. Aboliram os revolucionários os suplícios, determinando a igualdade de todos a partir da pena infligida antes ao nobre: não mais os suplícios nas rodas, não mais as mil mortes, mas a morte instantânea na guilhotina, castigo reservado aos nobres por ser menos infamante para a família do criminoso. Determinava o art. 3º do código francês de 1791 que todo condenado à morte teria a cabeça decepada. A guilhotina, usada a partir de 1792, nivelou os condenados do povo aos condenados nobres, e não o contrário. Comenta Foucault que a história glorifica os grandes reformadores, entre eles Beccaria, mas a reforma penal do século 19 não foi feita fora do poder judiciário da época, o que significa que houve uma solução de compromisso entre a adoção de um certo humanitarismo e a retomada da ambigüidade típica do Antigo Regime no trato das ilegalidades, que punia com rigor os delitos de ‘existência’ dos excluídos daquele tempo (como a vadiagem) e conferia imunidade aos delitos de fraude dos ‘mais iguais daquele tempo’. A reforma penal é facilitada por essa restauração de um espírito de exclusão social do ‘Antigo Regime’ e continua punindo para exemplo, mas agora com a diferença de que o ‘exemplo’ não é mais medida do brilho e espetáculo da execução pública, mas da economia do castigo, que opera uma redistribuição de ilegalidades refletida também na especialização dos tribunais:

‘para as ilegalidades de bens – para o roubo – os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos – fraudes, evasões fiscais, operações comerciais irregulares – jurisdições especiais com transações, acomodações, multas atenuadas, etc. A burguesia se reservou o campo fecundo da ilegalidade dos direitos. E ao mesmo tempo em que essa separação se realiza, afirma-se a necessidade de uma vigilância constante que se faça essencialmente sobre essa ilegalidade dos bens’ (p. 80).

Aqui se vai solidificando o grande dogma da prevenção social através da pena, no ideal de: ‘Calcular uma pena em função não do crime, mas de sua possível repetição. Visar não à ofensa passada, mas à desordem futura (…) de tal modo que o malfeitor não possa ter vontade de recomeçar, nem possibilidade de ter imitadores. Punir será então uma arte dos efeitos (…) Um crime sem dinastia não clama castigo’ (p. 85).

Abre-se um universo de incerteza em que os mais diferentes saberes (jurídicos ou quase-jurídicos, de administração de pessoal, de conveniência política, médico-psiquiátricos, de sociologia e criminologia) colaboram mas ninguém é responsável (essa é a complexa estrutura do poder difuso que Foucault chama de microfísica do poder). ‘Terminada uma tragédia, começa a comédia’ (p. 21). Saímos da atrocidade do suplício para a insegurança de uma ‘economia interna de uma pena que, embora sancione o crime, pode modificar-se (abreviando-se ou, se for o caso, prolongando-se) conforme se transformar o comportamento do condenado’. Nessa economia, funcionam também as ‘medidas de segurança’ que buscam controlar o indivíduo, neutralizar sua periculosidade, modificar sua disposição criminosa. A partir da reforma, não interessa mais o que os criminosos fazem de mal, mas ‘o que eles são, serão ou possam ser’ (Vigiar e Punir, p. 22). Como resultado ‘a justiça criminal hoje em dia só funciona e só se justifica por essa perpétua referência a outra coisa que não é ela mesma’. A prisão moderna nasce com uma ideologia de reeducação que funciona menos pela demonstração de poder do que por sua ocultação, que tem por modelo ‘antes a batalha perpétua que o contrato‘. Esse é um poder que se exerce, e não tanto se possui, e não é mero privilégio de classe dominante, mas o ‘efeito de conjunto de suas posições estratégicas – efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados’. Resulta que a derrubada dessa microfísica do poder não obedece à lei do tudo ou nada; o poder não é adquirido de uma vez por todas por um novo controle dos aparelhos nem por um novo funcionamento ou uma destruição das instituições (Vigiar e Punir, P. 28-29).

Não é à toa que seja tão difícil reformar o sistema penal fundado sobre essa microfísica do poder, fracionado quase a ponto de ‘desaparecer’ na mão de diversos órgãos que atuam como quase-juízes e que representariam em tese a defesa comunitária contra o perigo da criminalidade, mas que, isoladamente, não são responsáveis. É essa invisibilidade de responsabilidade que faz o mesmo relatório da ONU sobre a justiça criminal brasileira ser recebido com tranqüilidade pelo Poder Judiciário, porque ‘não nos diz respeito’, e aplauso pelo Executivo, porque a ‘culpa é do Judiciário’.

V

É nessa tecnologia de poder sobre a ‘alma’ dos condenados que se compreende a gênese das penas em nosso Código Penal de 1940, legítimo representante da filosofia da defesa social. Obra de arte legislativa, não igualada em técnica por qualquer legislação penal posterior, o código de 1940, porém, não deu valor à vida, ao definir penas mínimas para o homicídio simples e qualificado em 6 e 12 anos, permitindo, pela regra da progressão, a obtenção de livramento condicional a partir de um terço de cumprimento de pena, o que equivale a prazos incrivelmente curtos de apenas 2 e 4 anos. Nelson Hungria se ocupou demais com a prevenção social, e com o rigor aos crimes que deixam ‘dinastia’. Além disso, suas penas podiam ser brandas porque conviviam com a medida de segurança, que podia ser cumulada com a pena. E mais, até pouco tempo atrás, ensinava-se aos alunos que a pena se calcula a partir da média aritmética entre o mínimo e o máximo, que era a forma pela qual se poderia efetivamente reconhecer atenuantes, uma vez que a pena mínima não pode ser atenuada abaixo do mínimo legal. E então a pena próxima ao mínimo se conformaria a situações de homicídios praticados em circunstâncias não justificáveis, mas muito próximas disso, como algumas de relevante valor moral ou social, e outras em que o homicídio é o ponto final de uma epopéia de agressões sofridas pelo agente, em especial na violência doméstica. (Mesmo assim, na mais justa das hipóteses, 6 anos não seria pouca pena? Não dá vontade de perguntar: quanto a gente vale afinal?).

A Reforma Penal de 1989 aboliu a ‘medida de segurança’ para condenados mentalmente saudáveis, com alguma razão, porque ela na prática equivalia à pena de prisão perpétua, vedada pela Constituição brasileira. O ‘sistema’ de decisões sobre a cessação da periculosidade era normalmente indisposto a assumir riscos. Não teve fôlego o legislador para codificar tudo de novo, e deixou a parte especial (os crimes e as penas) do código na forma do original de 1940. Aí um sistema que era brando nos castigos porque confiava na ‘medida de segurança’ ficou sem castigos e sem medidas de segurança. E faliu. O povo, por primitivo e fascistóide que seja, às vezes enxerga melhor que os doutos e decreta falência do que faliu: o sistema de prevenção social, fundado na utilidade da pena.

O povo exigiu na Constituição de 1988 que não se concedesse perdão ou anistia a condenados por crimes hediondos, conceito que não existia, e que a lei posteriormente deveria definir. Os ‘doutos’, sempre desconfiados da vox populi, continuaram a legislar com base no dogma excludente da prevenção, e disseram em 1990 que eram hediondos todos os crimes patrimoniais praticados com violência (latrocínio, seqüestro seguido de morte, etc). Estava definida mais uma vez a clientela preferencial, crimes com dinastia, bandidos perigosos, e não necessariamente os autores de todos os crimes hediondos. Mas existem crimes que não deixam dinastia e que uma sociedade civilizada precisa castigar com um certo rigor, sob pena de acumular-se um déficit de justiça que é destruidor do próprio pacto de civilização. É isso que o povo quis dizer aos ‘humanistas’ da prevenção social. Essa reclamação só foi ouvida em 1994, quando se somou à original ‘lei dos crimes das pessoas hediondas e perigosas que precisam ser enjauladas para não oferecerem risco ao nosso modo de vida pacífico’ a hipótese nada injusta de que são hediondos crimes contra a vida praticados com especial crueldade, mediante pagamento (pistolagem), por torpeza ou futilidade de motivo. Foi o ‘conserto’ operado em 1994 na Lei dos crimes hediondos que começou a demolir essa perversa imaginação da pena como remédio para o futuro e não como retribuição do crime passado.

Impressiona que a lei que fez essa reforma, sem chegar a tocar nos limites mínimos para os homicídios simples e qualificados do código penal de 1940, e por só ‘adiar’ para depois de 2/3 de prisão o momento de obtenção do livramento condicional do apenado por homicídio qualificado, seja uma lei considerada rigorosa, fascistóide e inconstitucional, até hoje. O pensamento quase-religioso que sempre se associou à discussão sobre a violência e criminalidade é provavelmente causa da cristalização de antinomias injustas que conduzem o debate para o radicalismo do ‘tudo ou nada’. Para modificar esse quadro de curto-circuito de discussão, será preciso retomar a genealogia desse autoritarismo: como, quando e por que os direitos humanos passaram a ser vistos socialmente como privilégios de bandidos; como, quando e por que a reclamação legítima contra a impunidade, característica essencial do sistema penal brasileiro, foi sendo associada a essa bandeira autoritária a antidemocrática; o que pode ser feito para retomar, de modo mais justo para a sociedade, a discussão sobre a justa retribuição do crime sobre bases menos autoritárias e mais democráticas.

VI

(a) ‘Direitos humanos não são privilégios de bandidos’

É com certeza na transição democrática dos anos 80 que a bandeira dos direitos humanos vai-se despregando da bandeira da oposição geral ao regime militar para concentrar-se na (justa e necessária, ainda hoje) proteção da integridade física e moral de condenados e suspeitos da prática de crimes comuns. Teresa Caldeira sugere que é correto manter a luta por essa integridade na bandeira dos direitos humanos, uma vez que relativamente a condenados por crimes comuns há culpa formada de que transgrediram as leis e por isso podem ter seus outros direitos restringidos, mas ainda assim devem ser protegidos como seres humanos contra a violência e a tortura (Teresa Pires do Rio Caldeira, ‘Direitos humanos ou ‘privilégios de bandidos’? Em Novos Estudos CEBRAP, nº 30, julho de 1991). No mesmo estudo, aponta que com o sucesso da luta por direitos humanos para derrubada da ditadura, os direitos humanos que eram vistos como ‘direitos’ de todos ou direitos sociais de modo mais amplo, passaram a ser encarados como direitos individuais, que na tradição excludente brasileira via de regra são associados a ‘privilégios’. Estava aberto o caminho para o imaginário perverso que associa direitos humanos de pessoas submetidas à justiça penal com ‘regalias’ e ‘hotel 5 estrelas para bandidos’. Entrevistas realizadas em São Paulo, na década de 90, informam que a maioria da população agora afirma ser ‘contra os direitos humanos’, embora seja favorável aos direitos sociais. Vai-se cristalizando a idéia de que criminosos foram excluídos da sociedade e não têm direitos, para chegar-se à idéia generalizada no discurso autoritário de que foram excluídos também da espécie humana e por isso não têm direitos humanos. Esse discurso naturalmente foi fomentado por defensores do antigo regime militar, para chegar ainda um pouco mais longe e encontrar a ‘causa’ do incremento da violência que passamos a enfrentar: não apenas os ‘defensores de bandidos’ são culpados agora pela violência, mas a própria democracia, numa também difundida imaginação social de que com direitos constitucionais a polícia ficou de ‘mãos amarradas’ (basicamente falsa, mas eficiente como desculpa pela falência do sistema de segurança).

É digno de registro na leitura desse imaginário dos direitos humanos como privilégios de bandidos que o diálogo social vai-se cristalizando, por culpa tanto de detratores como de defensores dos direitos humanos, no radicalismo do ‘tudo ou nada’, sem alteração no fundamento da pena, que para ambos continua sendo a ‘utilidade’: uns dizendo que a ressocialização funciona e é o objetivo número um da pena, e que castigar é feio ou pecado, e outros dizendo que ressocialização não funciona com os ‘irrecuperáveis’ que por isso devem ser eliminados. A procura pela causa da violência não só falsificou a ‘causa’ como solução, como impediu a sociedade de discutir a real dimensão da injustiça do sistema penal. Se para os difusores do ideário dos ‘direitos humanos como privilégios de bandidos’ a causa da violência era a democracia, a solução só podia ser autoritária: menos direitos constitucionais (mais liberdade de ‘ação’ policial, e mais eficiência na ‘eliminação’ do problema, os bandidos que o sistema penal não recupera), para os defensores dos direitos humanos, a causa da violência era ‘social’ e a solução só podia ser igualmente autoritária: esperar pela ‘solução’ do problema social, quando supostamente a violência desapareceria.

Exemplifica esse discurso autoritário a antinomia entre a defesa utilitária da pena de morte, para excluir da sociedade ‘bandidos que não são humanos’, do deputado constituinte Amaral Netto e a posição humanista, representativa, do criminalista e ministro do Supremo cassado pelo regime militar, Evandro Lins e Silva. Se Amaral Netto dizia que a pena capital era ‘freio’ contra os que ‘vivem para matar’, que sua luta não era meia-luta, mas uma luta de ‘tudo ou nada’, e que todos os defensores de direitos humanos eram ‘defensores de bandidos’, Evandro Lins e Silva, no debate público, chegou a escrever: ‘Em vez de patíbulo, essa gente precisa de comida, emprego, escola, saúde, transporte e uma pitada de lazer’, e por isso, a proposta de Amaral Netto era ‘falaciosa, perversa, medieval, estúpida, cruel, vingativa, irracional, nazista, fascista e comunista’ (Em Amaral Netto, A Pena de Morte – Uma resposta contundente aos inimigos da pena capital. Rio de Janeiro: Record, 1991. pp. 70/71).

O maior desserviço que prestou essa discussão radicalizada em torno à pena de morte, ao tempo da Constituinte e logo após, quando da proposta de plebiscito para a sua adoção, foi a radicalização em torno a uma solução (errada) que não permitia debater se era ou não legítima a reclamação de injustiça no sistema penal. Discutiu-se demais a pena de morte, mas não se havia ou não convicção acerca da impunidade nos crimes contra a vida e se não haveria solução de compromisso mais ‘razoável’ para ambos os lados. Na opção que nos deram entre 2 ou 4 anos para o homicida ou a pena de morte, não se pensou numa solução de compromisso, de uma pena privativa de liberdade ‘pelo tempo de uma vida’, entre o mínimo de vinte e o máximo de trinta anos, como deve ser a pena adequada ao homicídio. Reclamar da aritmética penal vigente era coisa de gente autoritária e fascistóide e foi o discurso dos direitos humanos, ainda que por uma boa causa, quem ‘calou’ reclamos sociais legítimos, tornando-os presa fácil de demagogos e defensores do regime e soluções militares.

‘Tudo ou nada’, ‘ou todos seremos cidadãos ou ninguém será’, ainda são ecos da mesma radicalização dogmática na concepção das ‘soluções’ para a violência. A diferença é que hoje o discurso ‘social’ é governo, mas a reclamação contra a injustiça do sistema penal como um todo não está mais associada a pessoas ou instituições que pedem a solução antidemocrática do retorno militar, ou que rezam pela cartilha fascistóide ainda no ar em programas de massa, dos direitos humanos como regalias de bandidos. A compatibilidade da luta por justiça penal e pela integridade física e moral dos apenados é obrigatória numa concepção democrática de luta por segurança pública, e afasta a idéia de que direitos humanos sejam regalias. Ao retomarmos o mesmo debate em torno à violência, é preciso tentar um salto de qualidade, para entender os verdadeiros problemas e as possíveis soluções e não falsificar o problema a partir da ‘única solução possível’. É preciso levarmos a sério o fato de que uma necessidade social satisfeita por demagogos ou formulada por modos autoritários não significa que ela seja uma necessidade falsa. Mas precisamos limpar o terreno de soluções falsas e mágicas. Se Amaral Netto fez de sua luta um desserviço à causa da justiça, porque associou todos os reclamos sociais por justiça à concepção de que os direitos humanos são imposturas de cínicos que defendem a vida de bandidos mas não a das vítimas, os ‘vencedores’ do debate fizeram por sua vez seu próprio desserviço à causa da justiça, ao permitirem que a rejeição da pena capital fosse surda à legitimidade de fundo daquele reclamo social, negando a existência de uma injustiça radical no sistema penal, afirmando que tudo vai muito bem, que o ideal da justiça é re-educar e que o problema da criminalidade é social. O dogma da ‘causa social’ torna-se mais perigoso à medida que se torna discurso governamental, exemplificado recentemente na ‘mirabolante’ estratégia do ministro Cristovam Buarque para acabar com a criminalidade: ‘escola integral até 2015’. Como observou atentamente Dines, até 2015 os enlutados já serão maioria. É no desenvolvimento natural desse enredo, que em primeiro lugar limpa o terreno contra as soluções falsas, que veremos a seguir, de modo brevíssimo, uma contrariedade às soluções radicais da pena de morte, de um lado, e da ‘solução social’ de outro.

(b) A ‘falsa solução’ da pena de morte

A compreensão da origem da filosofia da prevenção social através da pena talvez nos ajude a recusá-la e forjar um novo começo: Beccaria, que se eleva no altar dos juristas como grande reformador humanista era, no dizer de Agnes Heller, brilhante e em muitos aspectos extraordinariamente moderno, mas ainda assim seu discurso padece do que chama de ‘dialética da Ilustração’. É possível que a humanidade reclamasse algo mais que a ‘utilidade da pena’, que era a razão de Beccaria para recusar legitimidade à pena de morte, que devia ser substituída pela pena de prisão perpétua ou de trabalhos forçados, que teriam mais utilidade social na função de pena exemplar e da prevenção da criminalidade. Hoje, também pela falência de 200 anos de glória da pena como utilidade ou remédio social, poderíamos voltar a cogitar sobre a possibilidade de que um sistema de penas verdadeiramente digno da espécie humana tenha de considerar a pena em seu próprio direito e não a função do exemplo ou intimidação dos outros.

Poderíamos voltar a ouvir críticos de Beccaria, não menos defensores da dignidade humana, como foram os filósofos Kant e Hegel. A ‘anulação do crime’, sustenta Hegel, é vingança ou pena, que têm o mesmo conteúdo, só que a primeira é imediata e a segunda mediada por instituições do Estado. A vantagem da pena é que sua vontade é ‘universal’ e, diversamente da vingança, não se torna uma nova transgressão. A vingança é particular e por isso sujeita à progressão ad infinitum, de uma geração para outra (parágrafo 102 da Filosofia do Direito). Não é correto que a pena capital seja um homicídio, ela é a anulação simétrica do delito.

E, contudo, não podemos defender a pena capital. Apesar de que Kant e Hegel tenham toda a razão em que a pena criminal só pode ter fundamento de existência em si mesma e não em algo externo, como a sua utilidade para a prevenção do crime futuro, não podemos levar tão longe a lógica que reclama essa simetria. A discussão entre Beccaria, representante dos reformadores de um lado, e Kant e Hegel, de outro, é posta em termos mais profundos e esclarecedores por Agnes Heller em seu livro sobre a justiça (já publicado em português com título Além da Justiça, pela Civilização Brasileira). Reconhecendo que Beccaria tem o mérito de ter rejeitado em público a tortura e a pena de morte (ainda que por argumentos incorretos), Heller afirma que nesse ponto, um dos únicos em que Kant e Hegel concordam, o argumento retributivo, o único que pode ser aceito como princípio de justiça que considera a dignidade humana do criminoso, reclama, sim, a pena de morte para o caso de quem tira premeditada e conscientemente a vida de outrem, porque:

‘tirar a vida humana de propósito é violação simultânea dos valores da vida e da liberdade. Se uma pessoa culpada desse crime respeitasse a humanidade em si mesma, então essa pessoa, agindo como uma pessoa livre, experimentaria uma vontade de morrer. Tirar-lhe a vida, aqui, seria equivalente à administração de justiça. Não penso que esse argumento seja errado, ou que Kant e Hegel seriam ‘cruéis’ou ‘desumanos’’ (Agnes Heller, Beyond Justice, Nova York, Blackwell, 1987, P. 162).

E, contudo, prossegue, há dois argumentos poderosos que não contradizem esse raciocínio, mas sobrepõem-se a ele, para que rejeitemos a pena capital: a falibilidade de nossos juízos sobre a culpabilidade do criminoso, que necessariamente teriam de ser sempre absolutamente corretos e não sujeitos à mínima dúvida, e o fato de que a retribuição não precisa necessariamente excluir a possibilidade de auto-castigo e auto-reforma da pessoa condenada. A simetria da lex talionis, da vida pela vida, não é errada em termos absolutos, mas anulada por razões contingentes suficientemente poderosas. Apenas no caso de crime contra a humanidade, exceptua Heller, tais contingências desaparecem e o argumento de retribuição pela pena capital permanece válido, porque nesses casos a pessoa culpável ocupa publicamente uma posição a partir da qual ordena ou executa o homicídio massivo de inocentes. Não há dúvida razoável e os autores desses crimes são sabidos de modo absoluto. A ‘excomunhão da raça humana’, que é a penalidade cabível nesses casos, admite e recomenda a pena capital. Por brevidade, esse é o argumento completo de Agnes Heller a respeito da pena capital, que adotamos integralmente, remetendo o leitor ao original, evidentemente mais documentado, sofisticado e claro do que nossa síntese.

(c) A fraude da ‘metafísica da questão social’

Nossa crítica aos que associam um possível fim da violência na solução da sua ‘causa social’, por sua vez, rende créditos a ensaio de Ferenc Fehér em que denuncia a fraudulenta ‘metafísica da Questão Social’ (Ferenc Fehér: ‘Against the Metaphysics of the Social Question’, em Heller & Fehér, The Postmodern Political Condition, Nova Iorque: Columbia University Press, 1988. pp. 106-118). Segundo o seu raciocínio, a ‘questão social’ como tal só pode ser compreendida a partir da Revolução Francesa. Apesar de que a pobreza, o abandono de velhos e crianças, a linha de miséria considerada absoluta, tenham sido fenômenos permanentes na história humana, era preciso um movimento social que declarasse que a falta de sorte na loteria social não era absolutamente uma questão natural, a ser diminuída pela caridade da Igreja, era preciso que se tivesse ‘a percepção das misérias humanas como algo socialmente condicionado e conseqüentemente eliminável’. Desde então, duas posições antagônicas assumiram os pólos da discussão: de um lado, conservadores, que viam nas diferenças sociais condições da ‘natureza’, e de outro, os que prometiam uma revolução completa da natureza, inclusive humana . A estratégia comunista forja-se nessa última promessa que Fehér denomina de ‘metafísica fraudulenta da questão social’. Segundo essa fraude, a questão social seria ‘resolvida’ de uma vez por todas com a fundação de uma nova sociedade. Aqui a origem do radicalismo esquerdista que via até mesmo em pequenos avanços reformistas uma ‘traição’ à finalidade verdadeira da causa, que via nos reformistas, que buscavam soluções mais factíveis, mais terrenas e contemporâneas ao sofrimento de seus pares, a mácula do ‘oportunismo’, da covardia e do compromisso com o ‘inimigo’. Fehér compreende que a complexidade das sociedades modernas não admite a formulação de uma única ‘Questão Social’, porque lidamos com questões sociais em plural, que não podem ser resolvidas por ‘solução final’ ou qualquer outra panacéia.

Entre nós, a fórmula ‘tudo pelo social’, com que se elegeu o Partido dos Trabalhadores em 2003, tinha a legitimidade de resgatar o universo dos problemas sociais de seu tratamento militar-policial, que tradicionalmente teve entre nós, inclusive pelo governo anterior e sua ‘ofensiva contra o MST’, sua política de segurança também falsamente ‘resolvida’ a partir da idéia de acréscimo de ‘iluminação pública’ no Rio de Janeiro, e outras características autoritárias. Mas esse ‘tudo pelo social’ não podia ser concebido como a fraudulenta metafísica de que a ‘Questão Social’ é uma só e que quando for resolvida todos os problemas dela decorrentes, inclusive a violência, estarão resolvidos por passe de mágica. Não se podia ignorar que a violência é um problema social e que em situação de calamidade é ‘o’ problema social por excelência. Porque a miséria de nossos próximos pode ser, ainda que não deva, deixada à caridade social, mas a necessidade de punição não pode ser privatizada nunca, sob pena de falência do Estado.

Há dois modos autoritários de conceber a ‘Questão Social’ como ‘tudo ou nada’. O tradicional nega que diferenças sociais possam ser diminuídas pela via política, porque seriam naturais, e associa aos reclamos sociais a tarja da criminalidade, traduzida na fórmula da Primeira República segundo a qual a ‘Questão Social é caso de polícia’ (esse é o lado do ‘nada’). De outro lado, do ‘tudo’, temos a concepção autoritária dessa fraudulenta ‘metafísica da questão social’, segundo a qual os efeitos perversos da injusta ou desigual distribuição de bens, direitos e oportunidades, desaparecerão a partir da intervenção governamental na raiz dos problemas, que ora são ‘resolvidos’ pela insistência na utopia educacional, ora por outros milagres de decreto. A tragédia aqui assume ares de comédia trágica: é como se os planificadores de orçamentos respondessem aos médicos que pleiteassem recursos para a terapia de doentes terminais com a ‘solução’ de que ‘já estão investindo nos exames pré-natais’, e que a prioridade é formar as novas gerações.

Ambas as concepções autoritárias (a militarista e a metafísica) da Questão Social, são fermento de intranqüilidade social, mas não provavelmente de criminalidade comum. A ‘dureza’ no trato das questões sociais como caso de polícia é uma forma de despolitização e militarização da sociedade, que responde por insurreição possivelmente violenta. Exemplifica essa política de tratamento policial de questões sociais o conflito entre ocupantes de terras e proprietários no México, que era tratado como crime passível de reclusão em até 40 (quarenta, sim quarenta) anos pelo código penal do estado de Chiapas, no Sul do México, não por casualidade o local onde explodiu em 1994 a revolução neo-zapatista. De outro extremo, a concepção metafísica da ‘Questão social’ e a ausência de políticas sérias de contenção da violência que ela engendra perpetuam a exclusão social, porque propõem a inação e omissão, ao tempo em que fortalecem a privatização de justiça criminal, declarando que o Estado bate em retirada desse universo.

Política social de segurança pública é prioridade hoje. Quando não for mais prioridade, continua sendo necessidade paralela a reformas sociais que propiciem melhores condições de sobrevivência aos excluídos. A pauta da segurança pública é uma pauta social que não depende desse ‘tudo ou nada’ e nem do sucesso da efetivação das políticas públicas de diminuição dos índices de miséria. Depende de seriedade e determinação para ver o universo da segurança com suas próprias ‘necessidades’. Por vezes serão necessárias reformas radicais e difíceis no ‘espírito’ geral da justiça criminal (como essa reforma quase impossível da troca da prevenção social pela retribuição), ou retoques tópicos na legislação em disposições inexplicavelmente nunca reformadas, e que asseguram índices alarmantes de impunidade, como a tabela de prazos e o sistema de prescrição retroativa. Por vezes se precisará de medidas bem mais prosaicas, como a simples construção de estabelecimentos prisionais e investimento em modernização, por exemplo, do sistema de comunicação e informação, e tantas outras que a discussão séria acusar.

Adotar o fundamento retributivo para a justiça criminal ajudaria a perceber o universo da justiça criminal como relativamente autônomo do universo das questões sociais, como de fato deve ser. Uma boa pauta política redistributiva de bens, direitos e oportunidades é relativa e indiretamente preventiva da criminalidade. Não a elimina, e por isso nenhum sistema de justiça civilizado pode confiar apenas na justiça distributiva para manter a sociedade civilizada. Conter a criminalidade não é tarefa da justiça, que deve limitar-se a punir. Para punir bem, tem o direito e dever de exigir do governo que resgate a dívida de um século e que construa estabelecimentos prisionais dignos dos nossos iguais. As melhores políticas sociais do mundo não excluirão jamais a necessidade de privação de liberdade de criminosos. No melhor dos mundos, alguém vai cometer homicídios abomináveis, e terá de ser castigado e preso por vinte ou trinta anos. Um sistema de justiça em que isso não ocorre produz déficits de justiça que são causa de insatisfação social. Reiterada insatisfação social com a injustiça penal pode redundar na prática da vingança. Os humanistas deveriam saber que sociedades são feitas de seres humanos e que a vingança é humana-demais, não é bárbara. Agora, permitir o Estado que ela tenha lugar, ou incentivá-la, demitindo-se do dever de substituí-la adequadamente pela pena, é o seu passo da civilização para a barbárie. Não preferimos normalmente a barbárie à civilização (cf. a propósito ‘Fundamentalismo e Terror’, Observatório da Imprensa, 8/10/2003).

A fraude da solução da ‘causa social’ é tão demagógica quanto o oportunismo dos que apelam à solução nominal do ‘rigor’ para resolver o problema criminal. O discurso demagógico não é autoritário no conteúdo, porque os problemas sociais não são fictícios, mas na forma com que os ‘resolve’. Quando o governo insiste na fraude da solução social abre terreno à demagogia oportunista que legisla com dureza, agora sim fascistóide, imaginando que resolve alguma coisa em seu lugar. Toda meia verdade é mais perversa porque é um pouco verdade. O rigor penal que falta ao sistema é abusado por demagogos que defraudam também essa legítima necessidade social, normalmente na concepção utilitária e excludente da ‘prevenção’ social da pena, ou pelo simples oportunismo de encerrar uma CPI com um resultado espetacular. O Congresso que ‘resolveu’ a CPI dos remédios falsos empurrando para a sociedade remendo ao código penal que pune a falsificação de remédios como ‘crime hediondo’ punido com reclusão mínima de 10 (dez) anos e máxima de 15 (quinze) anos exemplifica essa fraude. Entre os tipos assemelhados, punidos nessa forma rigorosa, está a falsificação de ‘saneantes’ (possivelmente água sanitária’ de uso doméstico), e sua forma assemelhada de ter em depósito esses produtos, com intuito comercial, se forem adquiridos de ‘estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente’, ainda que em tese e argumentando ao absurdo o alvejante falso seja água pura. É legislação desse tipo que simplesmente não é séria que dá razão aos juristas que associam qualquer mínimo ‘rigor’ a direito penal do terror. Se uma lei como a de nº 9.677/1998 não desmoraliza a Lei dos crimes hediondos, causa, porém, mais problemas do que soluções. Pede ao Judiciário o favor de desobedecer a ela, o que é sempre perigoso. Faltaram as comissões de técnica legislativa, no Congresso, e Poder Executivo para vetar a barbaridade e mandar legislar tudo de novo. Não que o remédio falso não possa até matar, o que é gravíssimo, mas porque fraudar remédio é crime de perigo que objetiva a vantagem econômica ilícita, e deve ter a pena do crime de perigo agravada pelo resultado quando este ocorrer (como acontece com roubo simples e o latrocínio), de modo que falsificar remédio e causar a morte possa ser punido com mais rigor do que vender alvejante de origem não certificada pela autoridade sanitária. Esse tipo de lei não chega a ser autoritária, porque ‘não pega’, mas sua falta de seriedade é injusta com a sociedade, porque desmoraliza instrumentos legítimos de valorização da vida e da liberdade, só conquistados aos que legislam para ‘classes perigosas’ na base de muita pressão social.

Conclusão?

Em torno ao problema da violência não é possível estabelecer ‘conclusões’. No máximo uma ‘pauta’ mais verdadeira de problemas. A ansiedade popular por ‘respostas’ e soluções mais concretas é uma necessidade legítima. O primeiro passo, e o mais difícil sempre, é afastar do caminho soluções falsas e de ‘papel’, combater a demagogia e o autoritarismo, mas também reclamar que sejamos ouvidos com seriedade, não admitindo o discurso moralista que nos acusa de hipocrisia. Nenhuma sociedade civilizada pode durar se às famílias das vítimas é conferido o ônus de pedir justiça, dever que ‘constitui’ o Estado. Agora, uma vez que chegamos a esse ponto, ainda é mais absurdo ter que ouvir o desaforo de quem diz que pedir justiça pela morte de ‘x’ seja hipocrisia porque não se pediu pela morte de ‘y’. Ainda que seja verdade que a mídia empreste mais destaque às famílias socialmente visíveis (por poder, influência, status, ou o que valha), é possível que essa diferença seja moralmente irrelevante. Por ‘arbitrário’ que seja seu interesse no sofrimento social, quando a mídia dá lugar à tradução desse sofrimento como um clamor por justiça, o que deve chamar nossa atenção não é a arbitrariedade da escolha dos que jamais quiseram ser notícia (página policial não é coluna social), mas se o clamor por justiça que se levantou é justo ou injusto. Se for justo, será melhor imaginar que a discussão da injustiça real de todo o sistema penal é uma fala representativa. A mídia, em tempos de normalidade democrática, em que não há proibição aberta (embora haja censura velada, como no curto-circuito que revela-e-esconde as circunstâncias de apuração de responsabilidades sobre a morte de Celso Daniel), não é tanto um espaço de exclusão, ou pelo menos é o reflexo menos perverso da exclusão social, porque segue padrões de consumo em que as nossas mortes interessam se forem vendáveis, jogando à vala comum a rotina e o trivial. A morte de ‘um dos nossos’ é notícia sempre, porque somos proprietários dessa sociedade, mas não é por isso que a morte brutal de meninos de rua, quando da chacina da Candelária, não tenha direito a seu espaço. A hipocrisia denunciada pelo público como interesse por vítimas influentes e desinteresse por vítimas anônimas não é hipocrisia de fato. Hipocrisia é um conceito moralista. Em sua formulação clássica, de La Rouchefoucauld, é o ‘tributo que o vício paga à virtude’. Como tal ela é fingimento, e o clamor por justiça pela morte de um dos nossos não é vício e nem paga tributo a uma virtude: é um clamor humano diante da injustiça, que é o próprio vício do sistema penal. Em momento algum nega que se faça justiça a todas as vítimas, até porque depois que os nossos já foram vítimas do horror à segunda potência, que é o crime sem castigo, o pleito por justiça não é mais egoísta (o que seria seu déficit de virtude). Não há altruísmo mais estúpido do que esse, de pedir justiça para ‘os outros’, para os que não morreram ainda. Aqui devemos mais uma vez ouvir a advertência de Alberto Dines:

‘não podemos permitir que os pais das vítimas substituam as lideranças políticas e convertam-se nos únicos militantes de uma cruzada que interessa a todos’ (‘Violência juvenil – contra dogmas e tabus’, referido).

Excluídos anônimos que morrem na guerrilha diária do tráfico serão também justiçados no clamor por justiça aos assassinos dos que, antes separados pela exclusão, agora são absolutamente ‘iguais’ na morte. Retratos da nossa hipocrisia e de outras mazelas humanas-demais ficam bem na literatura e no humor, mas quando se assumem como pauta de justiça normalmente tornam-se discursos autoritários, inclusive porque no moralismo não costuma haver lugar para o auto-engano: quem está administrando justiça para todos nós não se percebe em cinismo, mas na maior das virtudes.

A imputação de hipocrisia aos que defendem justiça para suas vítimas padece do erro de considerar exigível algo como uma ‘super-cidadania’. Oferecer justiça é dever do Estado, e a justiça deve ser justa. O envolvimento pessoal em questões de justiça, quando não é profissional, é uma faculdade que nos torna pessoas mais virtuosas, mas não é falta moral, quando ausente, porque para o mínimo de oferecer um serviço de justiça penal existe o Estado em que vivemos, inclusive para podermos dedicar-nos a outros assuntos, também socialmente relevantes.

À virtude da coerência não se pode nem pagar tributo que não seja o reconhecimento de um dever ‘imoral’ (coisa que o hipócrita não faz, porque reconhece a virtude), que é o de não fazer nada porque não fizemos algo antes (ainda que este ‘nada’ anterior não nos fosse imputável como um erro moral, salvo em argumentação moralmente histérica). Se analisarmos a questão dos conflitos internacionais e as causas que reclamam por intervenção humanitária, veremos que esse falso argumento da coerência é freqüente e não menos falso. Walzer mais uma vez tem razão quando rejeita o argumento, porque ‘nem mesmo uma longa história de descaso afeta a correção da intervenção num caso determinado. Não é como se, tendo deixado de salvar o povo do Tibete, do Timor Leste e do sul do Sudão, também devêssemos deixar de salvar os habitantes do Kosovo, para manter nossa coerência moral‘ (Guerras justas e injustas, prefácio da terceira edição, p. XVII).

Melhor será deixar o discurso moralista, no qual retratos da hipocrisia ficam mais à vontade, de lado, quando discutirmos problemas de justiça. A reclamação de que a justiça opera com ‘dois pesos e duas medidas’ não é um retrato de hipocrisia, mas de injustiça, que pode ser prestada por auto-engano e equivocada virtude. O problema moral é mais complexo no que não admite essa associação obrigatória do erro à má-consciência de quem erra (também se peca por ignorância, conforme uma longa tradição). Os que reproduzimos a injustiça da exclusão imaginamos sempre, à direita ou à esquerda, que fazemos apenas cumprir o ideal da mais bela justiça.

A verdadeira reforma do Judiciário é o rompimento de suas verdades quase-sagradas, entre elas o dogma da pena como remédio social contra a expansão da criminalidade. A Lei dos Crimes Hediondos tem o mérito de recolocar a pena em seu próprio direito: retribuição, castigo. A experiência de execução penal a partir da vigência da lei dos crimes hediondos, quando o juiz da condenação lhe presta obediência, também argumenta favoravelmente à extinção da imaginação criminal da pena-remédio social e todos os seus aparatos, desde laudos criminológicos que não falam linguagem médica e nem jurídica, mas algo quase-científico e quase-preconceito, até entrevistas diante de conselhos supostamente comunitários para avaliarem a ressocialização do condenado. Inaugurou-se uma experiência quase-contratual que é mais digna para o apenado e mais segura para a sociedade. Justiça seja feita: o governo atual aboliu o exame criminológico para progressão de regime e livramento condicional. Se o fez para agilidade da vazão penitenciária, apenas, e mais nada, ainda assim o resultado objetivo é mais um passo no rumo da contratualidade na execução da pena. O contrato com certeza é mais rigoroso do que a re-educação, mas as partes são mais ‘iguais’ e o apenado não é mais visto, cínica ou tragicamente, como ‘objeto’ da execução, o infantil ‘re-educando’, numa visão autoritária, paternalista e excludente de sua condição de membro da sociedade e nosso igual.

O governo federal deveria ter já iniciado a construção de um sistema prisional federal (inexistente), de modo que assuma a sua parte diretamente na questão penitenciária, e pare de financiar estados (sem vigiá-los corretamente na boa aplicação dos recursos) para fazerem o que também deve fazer por si. Os pavilhões de horrores dos sistemas prisionais estaduais pertencem de modo essencial à filosofia da prevenção social contra as classes perigosas. São pavilhões de horrores exatamente por isso: a condição de ‘punibilidade’ é a discriminatória e desigual condição da ‘eugenia’. É nessa imaginação que se assenta toda a impunidade dos delitos de fraude dos ‘nossos iguais’. Dizem que a fraude não é perigo para nós porque não mata, mas até nisso a realidade tem um pouco mais de bom-senso: de tanto incentivo que tiveram, as fraudes organizaram-se bem, adentraram e já ocuparam lugares confortáveis no Estado, começam a matar e a querer ocultar assassinatos.

Na literatura que glorifica a violência já se insinuava uma relação estreita entre a condescendência com a fraude e a ação direta (a violência política, que pode ser também a violência criminal corporal), como pretendia demonstrar Georges Sorel, em suas Reflexões sobre a Violência. A violência da corrupção, da sonegação fiscal, do peculato, ofende algo que parece abstrato mas é fermento de civilização, que é a confiança no pacto de sociedade. Ela é socialmente perigosa porque desestimula a esperança dos excluídos de que vale a pena investir na luta política pela ‘redistribuição’ política de bens e direitos, fomentando a desesperada ação direta e a ação criminal. A injustiça flagrante é fermento da criminalidade.

O banimento dessa filosofia bárbara da pena como medida de prevenção social e a concepção mais humana de que a pena é castigo a ser cumprido com decência em estabelecimento digno, e que esse castigo é conferido apenas ao crime e por isso alcançará tanto pessoas excluídas como aqueles que são iguais a nós, excludentes, não precisa esperar pela construção do sistema penitenciário, deve romper o círculo vicioso do que deve vir primeiro, se a prisão digna ou a pena digna, que só alimenta o jogo de empurra em que ninguém faz coisa alguma.

A solução, da parte de quem não exerce governos, é a própria discussão.

Nada sendo feito, permanecemos na mesma condição denunciada por Asma Jahangir, que relatou às Nações Unidas que o Poder Judiciário brasileiro é causa de impunidade. A impunidade é causa direta da violência. Poderia ter resumido a apreciação de nossa justiça à sentença sugerida pela inspiração divina a Cecília Meireles, quando examinara os autos do processo que condenou à morte na forca o inconfidente pobre, sem amigos, sem parentes: ‘Já vem o peso da vida,/já vem o peso do tempo:/pergunta pelos culpados/que não passarão tormentos,/e pelos nomes ocultos/dos que nunca foram presos./Diante do sangue da forca/E dos barcos do desterro,/julga os donos da Justiça/suas balanças e preços./E contra seus crimes lavra/A sentença do desprezo’ (Romanceiro da Inconfidência).

O povo, ontem como hoje, reclama da justiça penal e quase não é ouvido. Poderiam valer também como retratos do sistema penal brasileiro, todos os discursos de protesto contra a perversidade da exclusão, que pertence há séculos à literatura de viés naturalista, quando retratam o mundo da prisão. São exemplos tocantes os registros de Dráusio Varella, ao lembrar de um mundo onde fielmente se obedece aos dizeres de placa de cobre na sala da diretoria do Complexo do Carandiru: ‘É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar preso na Casa de Detenção‘, e os versos de Caetano Veloso, sobre a chacina nessa casa de detenção, ao retratar as vítimas com trágica fidelidade: ‘são quase todos pretos, ou quase brancos, ou quase pretos de tão pobres‘ (Haiti). Todos esses retratos evocam com justiça aquele outro aviso na porta do Inferno de Dante: ‘lasciate ogne speranza, voi ch’intrate’. São duzentos anos de ‘defesa social’ que também produziram esse palco de horrores. Em situações de calamidade, a sociedade pode assumir até mesmo a tarefa de atenuar a fome e a miséria, ela só não pode assumir a justiça penal e o sistema penitenciário. De divisão de irresponsabilidades, já temos demais: o SUS da segurança pode ser a pá de cal na esperança de conserto do sistema penitenciário. É mais do que hora de investir, começar a pôr o superávit na construção de estabelecimentos penitenciários dignos, à proporção mínima de um estabelecimento penitenciário federal em cada estado até o fim do mandato. Se o governo se demite disso, talvez tenhamos de demiti-lo, no devido tempo.

Aos que se apoderaram por tantos anos do sistema judicial para ressocializar seus ‘reeducandos’, e ainda julgam-se radicais, caberia o radicalismo da tese terceira de Marx sobre Feuerbach: educador, começa educando a ti mesmo. Começa duvidando dos pressupostos de tua educação. Antes de reformar no papel o que é solução de papel, e empurrar para a sociedade a falsa idéia de que mais ‘conselhos’ disso e daquilo é que fazem falta, reforma tua mentalidade e tua imaginação, pensa, duvida, e conversa com outros com espírito desarmado, e disposição para ouvir, e, acima de tudo, considera a hipótese de que sentimentos manifestados pelos outros como injustiça podem significar injustiça de fato.

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Procurador da República, mestre em Direito pela UFSC e mestre em Filosofia pela New School for Social Research, Nova York (maurelio@prsc.mpf.gov.br)