Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Insegurança é a matriz dos protestos

Uma reportagem publicada pelo Globo na edição de terça-feira (13/8) traz uma visão interessante para a questão da mobilidade social produzida nos últimos dez anos no Brasil por políticas de incremento da renda dos mais pobres. O texto se baseia em trabalho acadêmico de dois pesquisadores – da Faculdade de Economia e Administração da USP e da Rice University, sediada no Texas – que analisaram outros fatores, além da renda, para avaliar de maneira inovadora alguns efeitos sociais do fenômeno econômico.

Apesar de a reportagem se limitar aos dados do estudo, torna-se quase obrigatório fazer uma contextualização de seus resultados com a cena pública, na qual se expressam descontentamentos difusos que deságuam em manifestações de protesto. O artigo completo, em inglês (ver qui), pode ser útil tanto para profissionais de marketing como para acadêmicos e intelectuais interessados em estender sua compreensão sobre aspectos pouco conhecidos do comportamento de consumo no Brasil.

Resumidamente, uma vez que a reportagem de página inteira (ver qui) traz os principais dados de maneira organizada e compreensível, pode-se dizer que a principal qualidade do trabalho é mostrar que, apesar da persistente concentração de renda, uma grande variedade de produtos tem distribuição mais equânime entre todas as classes no Brasil. No entanto, é preciso considerar que a pesquisa básica foi feita entre 2003 e 2009, ou seja, faltam elementos para afirmar sua atualidade.

Os pesquisadores aplicaram o critério de “renda permanente”, considerando a capacidade de cada família de manter seu padrão de consumo, e usam a estratificação socioeconômica para estudar a relação entre status socioeconômico e consumo.

Como um profissional liberal com diploma universitário, típico representante das classes mais abastadas, tem mais chance de preservar sua renda do que um trabalhador sem muita escolaridade, uma das conclusões é que o aumento da renda dos mais pobres não basta para oferecer uma sensação de sustentabilidade na situação de bem-estar proporcionada pela ascensão às faixas médias de consumo.

As ruas vão ferver

Estendido para o cenário desta segunda década do século, o estudo permite fundamentar melhor a percepção da sensação difusa de mal-estar que, em junho, levou centenas de milhares de pessoas às ruas, e que promete se repetir em nova onda neste mês. Também se pode identificar, com base nessa análise, alguns aspectos desse descontentamento, que move principalmente os jovens.

Embora se possa afirmar que os jovens das classes ascendentes e da classe média estratificada há mais tempo contam agora com mais qualidade de vida do que nas décadas anteriores, há um temor generalizado quando ao futuro.

Em primeiro lugar, observa-se que o aumento da renda e do acesso ao consumo não proporciona segurança, se essa mobilidade não for lastreada por mais educação. Por outro lado, a disponibilidade de tecnologias que informam sobre a realidade política, econômica e social amplia a autonomia dessa população, permitindo aos indivíduos identificar desejos e angústias comuns a grandes grupos, o que contribui para formar novos vínculos sociais.

A percepção geral de insegurança quanto ao futuro é influenciada por sinais ambíguos emitidos pelas instituições públicas, entre as quais se insere a imprensa, que não passam ao cidadão a convicção de que as questões de interesse coletivo estão sendo contempladas no grande quadro da política.

O fato de percepção e ações se processarem em ambientes altamente complexos dificulta a compreensão desse fenômeno, e os observadores da cena social são obrigados a interpretar as palavras de ordem gritadas nas ruas, juntá-las em um contexto próprio e buscar um significado.

Ao demonstrar que há um alto grau de insegurança espalhado pelo núcleo central da pirâmide social, criado pela fragilidade nos fundamentos do processo de resgate de amplas faixas da população, o estudo publicado pelo Globo oferece uma janela adicional para a observação do descontentamento que se expressa nas manifestações.

É certo que a imprensa tradicional contribui para essa insegurança – e há motivos para acreditar que parte dela tem interesse em provocar e manter esse sentimento – ao tratar de maneira leviana indicadores econômicos, por exemplo. Também se pode dizer que os atores da cena política, que parecem enxergar apenas as urnas, não contribuem para proporcionar uma visão otimista do futuro.

Os protestos vão recrudescer a partir desta semana, sem que as autoridades tenham chegado a um resultado satisfatório em torno das demandas levadas às ruas.