Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O balanço das urnas

Terminado o segundo turno das eleições municipais, os principais jornais do país produzem os inevitáveis balanços sobre quem ganha, quem perde, quem influencia o que, quem sai fortalecido para a sucessão presidencial de 2014.

O leitor que der uma olhada superficial no noticiário pode pensar que análise política é apenas um conjunto de planilhas, ou melhor, que bastam boas estatísticas para se produzir uma análise clara do que significa, por exemplo, uma mudança de estratégia de governo numa cidade como São Paulo.

Mas estamos vivendo uma circunstância ímpar, com o partido no poder central gravemente atingido pelo julgamento da Ação Penal 470, mas ao mesmo tempo beneficiado por seus resultados econômicos e sociais.

Observando-se atentamente o trabalho feito pela imprensa para explicar o que aconteceu nestas eleições, principalmente nas capitais, constata-se que os jornais se preocuparam essencialmente em explicar ou justificar a dança das siglas: que partido cresceu, que partido conquistou menos prefeituras etc. Mas o foco principal é, ainda, a disputa entre PT e PSDB.

Problemas únicos

Essa abordagem passa a impressão de que os partidos políticos brasileiros são representativos da diversidade ideológica que constitui uma sociedade complexa e desigual como a nossa. Mas a realidade não é bem assim, e o momento histórico reserva uma dose ainda maior de incertezas a desafiar os analistas.

Em primeiro lugar, é preciso observar que a polarização entre PT e PSDB é muito mais forte em São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, do que nos outros estados.

Pelo fato de terem nascido em território paulista e de protagonizarem uma ruptura no seio das forças que comandaram o processo de redemocratização do país, as duas agremiações estimulam em São Paulo um estado de tal beligerância que chega a obscurecer até mesmo as análises de estudiosos considerados clarividentes.

Como a imprensa optou há alguns anos por atuar como partido político, tornou-se raro encontrar analistas independentes em qualquer mídia: na imprensa tradicional, predomina o viés favorável ao PSDB; nas mídias alternativas, principalmente nas que proliferam na internet, espalham-se o defensores do PT.

Por outro lado, a campanha propriamente dita não ofereceu oportunidades para o observador entender o que os então candidatos consideram como mais importante para o futuro das grandes cidades brasileiras.

Tomando-se como exemplo o que ocorreu em São Paulo, pode-se concluir que os únicos problemas da cidade são a saúde e o transporte. E, de quebra, alguém pode achar que os direitos do homossexual são um tema central para o futuro prefeito, a se julgar pela presença do assunto durante boa parte dos embates entre os candidatos.

O grande desafio

Mesmo nas edições de segunda-feira (29/10), todo o espaço é ocupado com o rescaldo das urnas, justificativas para os perdedores e especulações sobre futuras alianças.

Uma boa exceção foi produzida pelo jornal Valor Econômico em sua edição de fim de semana. Em seu caderno “Eu & Fim de Semana”, o jornal de economia e negócios traz uma ampla análise das grandes cidades e de sua importância na produção de riqueza e bem-estar, mostrando como a decadência das concentrações urbanas no Brasil apresenta um alto custo que precisa ser pago por toda a população do pais, mesmo aquela parte que vive na zona rural ou nas pequenas cidades.

O estudo faz um retrato da complexidade que deveria ter sido exposta na campanha eleitoral e que nem de longe foi apresentada aos eleitores. 

A qualidade de vida nas metrópoles passa a ser definidora das chances de desenvolvimento dos países no longo prazo. As perdas causadas pela falta de mobilidade, pela poluição ambiental, pela deficiência do saneamento básico e pela falta de segurança comprometem grandes parcelas do orçamento público e podem criar empecilhos muito difíceis de superar no futuro.

A importância cada vez maior das grandes cidades na composição das relações sociais do país traz oportunidades para o crescimento econômico, pelo dinamismo dos mercados mais amplos e mais densos, mas pelas mesmas razões os problemas acumulados em décadas de estratégias equivocadas representam o grande desafio dos futuros administradores.

O resto da imprensa passou ao largo dessas questões.