Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Eleições justas e espalhamento de desinformação: uma arena em disputa

Quando Donald Trump venceu a corrida pela Casa Branca em 2016, tornando-se o 45º presidente dos Estados Unidos, foi inaugurada uma nova forma de se disputar eleições. Verborrágico, agressivo contra opositores e minorias, unindo populismo, traços conservadores e antiestablishment, junto a um “autoritarismo do século XXI”, o líder do Partido Republicado trouxe pautas migratórias, econômicas e de comportamento a seu favor, sendo capaz de conquistar grande número de seguidores fervorosos.

O espalhamento de desinformações, ou seja, conteúdos propositalmente falsos criados a fim de causar danos, também foi estratégia importante na campanha. Trump em diversos momentos atacou os principais veículos de jornalismo dos EUA, afirmando que eram espalhadores de fake news e, em contrapartida, o então candidato dispunha de portais como o Breitbart, fundado pelo seu principal estrategista, Steve Bannon, que veiculam conteúdos sobre os bastidores do ex-presidente, além de publicarem textos que distorcem informações contrárias a ele e dão espaço a comentaristas que apenas seguem a ideologia trumpista e da direita radical.

Esse modus operandi teve efeito em outras nações, inclusive no Brasil. As eleições presidenciais de 2018 e 2022 foram palco de diferentes tipos de desinformação — de dados descontextualizados e informações desconexas aos mais conspiratórios, como o kit gay e as fraudes das urnas eletrônicas. Principalmente por redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter, ou aplicativos de mensagens instantâneas, percebeu-se um esforço coordenado por diferentes atores e partidos políticos para espalhar mentiras.

Todo esse fenômeno, não obstante, possui diversos efeitos políticos. De maneira pragmática, um grande número de autores da Ciência Política defendem que democracias estáveis e bem-sucedidas caminham de mãos dadas a informações de qualidade e notícias disponibilizadas aos cidadãos. Vale ressaltar que somente isso não caracteriza um regime democrático saudável, nem foi somente o espalhamento de desinformação em massa que elegeu Trump e abriu espaço para a ascensão de atores populistas mundo afora.

Fato é que sociedades bem informadas, como atesta Anthony Downs, desenvolvem sujeitos mais autônomos nas tomadas de decisões políticas, abertos ao debate e ao convívio com divergentes, sendo ainda capazes de criticar e apontar coletivamente possíveis deslizes da gestão pública, cobrando entidades e responsáveis. Em contrapartida, sociedades desinformadas fomentam a polarização agressiva, o radicalismo e subordinação às ações dos líderes.

Neste ano, milhões de brasileiros irão às urnas votar nas eleições municipais e o cenário desinformativo continua poderoso. Resta a pergunta: “como mitigá-lo?”. Seguindo a ideia de Downs, a resposta se aproxima de algo como: “expandindo o jornalismo de qualidade”. Pois é.

Na conjuntura atual, as empresas hegemônicas de jornalismo se veem em uma espécie de crise do seu modelo de negócio, apelando à multimidialidade diante da perda de protagonismo dos meios nos quais se consagraram. Muitos veículos desse segmento perdem assinantes e contribuintes a cada ano. As iniciativas independentes, por outro lado, encaram o desafio da captação constante de recursos para se manterem ativos. Ora, para se fazer jornalismo de qualidade é preciso bons profissionais, tempo e recursos. Ou seja, é uma atividade cara. Logo, muitos desse corajoso segmento precisaram encerrar as atividades.

Outras ações estão sendo tratadas na academia como possíveis atuantes na conjuntura desinformacional, com destaque para o tripé regulação das plataformas, educação midiática e agências de checagem de informações. No ano passado, o PL 2.630 foi duramente criticado por figuras políticas e dividiu interesses entre empresas, plataformas e agências públicas, sendo mal interpretado como “PL das Fake News” ou ainda nomeado “PL da censura” pelos mal intencionados. Acredito que não veremos nada novo nesse sentido a tempo da disputa eleitoral deste ano.

Entendo o segundo ponto do citado tripé como sendo imprescindível para a formação crítica dos consumidores de informações, ainda mais quando a grande parte da população brasileira se informa pelas mídias sociais, sendo preciso separar alhos de bugalhos o tempo todo. Porém, semelhante a todo processo educacional, demanda-se tempo para se colher os frutos dessa nova cultura. Nesse ínterim, as agências de checagem me parecem a proposta de combate ao conteúdo desinformativo mais plausível diante da demanda emergencial da pauta, ainda que conviva com diversos desafios e paradigmas.

Dentre eles, cito a capacidade técnica de desmentir peças que cada vez mais mimetizam conteúdos informativos — vale destacar que tem-se empregado inteligências artificiais altamente refinadas na composição desses discursos —; a instantaneidade na ação de desmentir — particularmente, vejo com muito bons olhos a checagem ao vivo de debates —, estando atentos às condutas virtuais e reais dos envolvidos nas corridas; e o desafio de penetrar as diferentes extensões do Brasil e não somente públicos e setores consumidores de notícias — segundo o Atlas da Notícia, ainda existem 2.709 municípios que são considerados desertos de notícias. Seguindo a lógica de Downs, imagina-se a prospecção para o paternalismo e o clientelismo nessas localidades.

O desafio, por fim, é enorme, mas trabalhos como os do Projeto Comprova, Aos Fatos, Agência Lupa e Aletheia Fact-Checking evidenciam o compromisso com a verificação de mentiras, contribuindo na veiculação de fatos e, invariavelmente, no exercício democrático, tão combalido atualmente.

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João Pedro Piza é graduando em Jornalismo na Unesp, pesquisador na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e membro do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia, Educação e Criatividade (Lecotec). Atua nas áreas da desinformação, democracia e mídias digitais.