Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

“Fake news” como arma política

Ilustração feita em 1894 pelo artista Frederick Burr Opper. (Crédito: Frederick Burr Opper/Domínio Público/Domínio Público)

Além de idealmente ser uma disputa de agendas e alternativas políticas, as eleições também são um embate de versões. Aqui, a verdade pode estar matizada, ou mesmo ausente. E é neste campo que entra em jogo o que tem sido chamado de “fake news”, um conceito antes de tudo político e que recentemente passou a ser de uso comum para buscar deslegitimar como mentiroso e mero boato o discurso adversário.

Não é preciso dizer que essa prática de deslegitimação é uma arma política antiga. O mesmo não ocorre com termo popularizado agora. De forma sintomática, o número de pesquisas por “fake news” no Google nos Estados Unidos vai dar seu primeiro grande salto a partir do final de 2016, segundo aponta a ferramenta Google Trends. Esse período coincide com a fase final das eleições americanas. Mas foi ganhando força com a divulgação que a Rússia teria colaborado com a eleição de Donald Trump por meio da divulgação de “fake news” contra a adversária Hillary Clinton.

A França também experimentou a popularização de “fake news” dentro de um cenário político. As pesquisas pela expressão a partir do território francês obtiveram seu primeiro pico em maio 2017. Naquele período, o país estava elegendo Emmanuel Macron como presidente.

De forma vertiginosa, as pesquisas por “fake news” cresceram no mês de setembro no Brasil e alcançaram seu auge em outubro deste ano. E no centro dessa polarização que caracterizou nosso período eleitoral, o assunto mais pesquisado em 2018 até o momento em relação a “fake news” foi “kit gay”.

O professor de Gestão de Políticas Públicas da USP, Pablo Ortellado, afirma que tanto eleitores de Fernando Haddad quanto os de Jair Bolsonaro tiveram alta exposição a boatos, mas que a adesão foi diferente entre eles. “85% dos eleitores do Bolsonaro, por exemplo, ouviram o boato do kit gay e 84% acreditaram — ou seja, quase todos que escutaram, acreditaram; já entre os eleitores do Haddad, 61% escutou o boato, mas apenas 10% acreditou”, diz Ortellado.

Essa diferença entre exposição e adesão segundo os eleitores de cada candidato sugere que os boatos corroboram visões de mundo e narrativas políticas, mais do que produzem juízos políticos equivocados isolados. “Neste sentido, embora a mentira isolada não tenha o poder de mudar um voto, ela é também portadora de uma visão de mundo e de uma narrativa política que está chegando ao eleitor por outros lados”, finaliza o professor.

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Ezequiel Vieira é jornalista e pós-graduando em Marketing e Comunicação Digital.