Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Deborah Berlinck

‘Oito horas da manhã. Duas meninas com lenço na cabeça se aproximam da Escola Jacques Brel, no bairro de La Courneve, na periferia de Paris. Dezenas de alunos esperavam na calçada o portão se abrir. As duas são imediatamente cercadas por uma equipe de TV, algumas rádios e toda a parafernália de equipamentos.

– Você acha que vai conseguir entrar assim? O que você acha dessa lei? – perguntou uma jornalista britânica, com o microfone em punho, pedindo que respondesse em inglês.

Parecia a personagem ideal. No ano passado, a escola tinha 52 alunas que usavam o véu islâmico e foi palco de muita discussão. Mas já passava das 8h, os portões iam ser abertos e não havia véu islâmico à vista.

– Não acho que seja uma boa lei, porque é intolerante. Não é porque você usa isso (ela apontou para o lenço) que é mau – esforçava-se a menina, num inglês enrolado.

Logo depois, sentindo a confusão, Samantha Ntoya, de 16 anos, que não era muçulmana, mas uma cristã do Zaire, mudou para o francês e disse:

– Espera aí. Isso aqui não é véu islâmico! Só botei isso hoje porque não arrumei o cabelo.

A volta às aulas de milhões de estudantes na França ontem virou um circo midiático. E, na caça às bruxas, todo mundo encenou um papel. Uma professora entrou na sala e tirou uma cruz do pescoço. Alguns alunos tiraram até bonés. Com dois jornalistas franceses ameaçados de execução no Iraque, por extremistas inconformados com a nova lei que proíbe o uso de véu islâmico nas escolas, os alunos foram recebidos na porta da escola por um batalhão de repórteres do mundo inteiro.

Adotada em março, a lei proíbe o uso de símbolos religiosos ostensivos em escolas, entre eles o solidéu judaico e grandes cruzes católicas. Mas muçulmanos engoliram mal a lei. Para eles, o alvo é óbvio. Grupos islâmicos e educadores passaram meses se preparando para um confronto. Mas com a crise dos reféns, muitos estamparam um sorriso e empurraram o problema para mais tarde, atendendo ao apelo de autoridades laicas e muçulmanas. A ordem era: não barrar meninas com véus na porta – embora’



O Estado de S. Paulo

‘Contrariadas, jovens acatam ‘Lei do Véu’’, copyright O Estado de S. Paulo, 3/09/04

‘Sem o registro de incidentes graves, entrou em vigor ontem nas escolas públicas francesas a ‘Lei do Véu’, que proíbe a ostentação de símbolos religiosos pelos estudantes – cristãos, judeus e muçulmanos. Mas era visível a contrariedade no rosto das alunas muçulmanas – as grandes atingidas pela legislação.

Pelas leis do Alcorão, elas devem cobrir a cabeça quando se expõem em público. Muitas jovens só retiraram os véus quando entraram na escola.

‘Para as muçulmanas, isso equivale a tirar a roupa’, comentou Myriam Banaluche, de 15 anos.

‘Há um montão da garotas que não sabe como será seu futuro’, disse Sofia Rahem, universitária de 23 anos, referindo-se a colegas que não querem ou são impedidas pela família de andar com a cabeça descoberta.

‘Eu me sentia ameaçada, constrangida e, dessa forma, decidi andar sem véu’, confessou Nadia Arabi, 16, dando a entender que até concordara com a proibição.

‘O imã me disse que tirar o véu não é um mal’, ressaltou Linda Atlas, 16.

‘Ele me aconselhou a cumprir a lei.’

Na cidade de Estrasburgo, duas meninas se recusaram a descobrir a cabeça.

Foram impedidas de entrar na escola. Mas não serão expulsas. A lei é flexível e propõe muita negociação antes da adoção de providências drásticas. Os pais delas foram convocados para uma conversa.

O ministro da Educação, François Fillon, fez uma avaliação positiva do primeiro dia de vigência da lei, aprovada em março. ‘Vamos esclarecer a situação: estamos diante de uma ameaça à nossa coesão nacional’, disse, tentando justificar a proibição.

Uma forma de contornar o problema, segundo especialistas, seria o uso de bandanas discretas. Se houver restrições contra esse recurso, a União das Organizações Islâmicas da França promete levar a questão a uma corte internacional de justiça.

A família de Fátima Chafi, de 18 anos, encontrou uma solução que, aparentemente, não poderá ser contestada: comprou uma peruca de cabelos castanhos na Turquia para a estudante. ‘Pôr peruca é psicologicamente duro. Mas vou ter de me acostumar’, comentou Fátima, resignada. (AP e AFP)’



Folha de S. Paulo

‘O véu da crise’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 3/09/04

‘Começou a vigorar ontem a lei que bane o uso de símbolos religiosos ostensivos nas escolas públicas da França. A medida, concebida para impedir jovens muçulmanas de usar o véu, é tão polêmica que teve sua estréia marcada por uma crise internacional. Dois jornalistas franceses que se encontravam no Iraque foram seqüestrados por radicais islâmicos que exigiram a revogação da lei para libertá-los com vida.

A França, acertadamente, negou-se até a discutir a possibilidade de voltar atrás na aplicação do dispositivo legal, mas fez um grande esforço diplomático para obter a soltura dos repórteres. Seria de fato um precedente perigoso se Paris tivesse cedido, dando a terroristas a sensação de que está a seu alcance derrubar leis nacionais através da chantagem.

Se a França acertou ao não retroceder, o mesmo não se pode dizer em relação ao teor da nova lei. Os objetivos do governo são, como com quase toda proposta equivocada, louváveis. A meta é integrar todos os cidadãos franceses, muçulmanos e não-muçulmanos, ao secularismo laico e republicano. A pergunta que se coloca é se o remédio escolhido para fazê-lo é o mais adequado.

Mesmo considerando plausível a hipótese de que muitas alunas muçulmanas francesas só usem o véu por imposição familiar, parece precipitado afirmar que esse adereço esteja totalmente desprovido de valor cultural. Enfim, não é impossível que muitas alunas desejem vesti-lo e se identifiquem positivamente com suas origens islâmicas.

Com efeito, a proibição pura e simples de símbolos religiosos é uma violência grande demais contra alunos que tenham feito opção por alguma fé. A medida também reflete uma visão discutível de democracia, na qual a tolerância e o respeito à diversidade ficam diminuídos.

A escola pública deve ser laica, e a integração secular é um valor a perseguir. Só que essas metas não podem ser buscadas à custa da mais elementar liberdade individual, que é a de possuir uma individualidade e exprimi-la de forma pacífica.’



BRASIL NA FRANÇA
Gilles Lapouge

‘Atriz brasileira é recordista de audiência na França’, copyright O Estado de S. Paulo, 4/09/04

‘Francis Huster e Cristiana Reali formam um casal de atores admirável tanto por seu talento como por sua fidelidade e seu trabalho em comum. Nesse verão, no entanto, eles estão separados: Francis ocupa as noites do TF1 (o canal de televisão privada), enquanto Cristiana ilumina a novela do canal público, o Antenne 2, Le Miroir de L’Eau (O Espelho d’Água).

A separação momentânea trouxe sucesso a eles e também à televisão: na TF1, com Zodiaque (um ‘policial’ em torno da máfia de Marselha), Huster conquista 50% da audiência. Cristiana, pela Antenne 2, não fica atrás: em agosto, a minissérie de quatro episódios (estrelada por Cristiana e Line Renaud) derrubou os recordes do canal: 40% de audiência. Trata-se de uma história patética, ocorrida sob as luzes cintilantes da Provance, envolvendo alguns tenebrosos segredos família que estão enterrados e exumados, e de episódios paranormais que não fariam vergonha a uma telenovela brasileira.

O Parisien Libéré celebrou demoradamente o sucesso com o título: ‘O espelho, um sucesso histórico’. O jornal observa: ‘O espelho atraiu, com seu quarto episódio, 9,3 milhões de espectadores, algo jamais visto em onze anos em uma novela de verão neste canal. Os quatro capítulos foram acompanhados por pelo menos 8,5 milhões de fãs. O canal France2 conquistou, assim, sua segunda melhor audiência do ano, atrás da Eurocopa. A concorrência resignou-se, sem combater. A série Navarro, com Roger Hanin, não atraiu mais que 22% da audiência. E um filme com Lino Ventura, pela France2, não passou de 2%’.’