Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Ricardo Valladares

‘Antes mesmo de sua estréia, daqui a quinze dias, a novela Bang Bang já ameaça causar tiroteio nos bastidores da Rede Globo. Na semana passada, os manda-chuvas da emissora decidiram que o novo folhetim das sete terá um ‘autor estepe’ – precaução tomada sempre que o titular da história dá sinais de que pode não agüentar o tranco. É o caso, na avaliação da Globo, do noveleiro Mario Prata. Mal começou a escrever Bang Bang, ele foi acometido pelo estresse: anda padecendo de dores nas costas e tendinite. O ‘autor estepe’ já havia sido utilizado em Esperança: o noveleiro Walcyr Carrasco acompanhava a trama desde o começo e a assumiu quando seu autor, Benedito Ruy Barbosa, foi internado com enfisema pulmonar. ‘Ainda não definimos quem vai monitorar Bang Bang. Talvez nem Prata virá a saber’, diz um diretor da Globo (bang, bang). Um colapso nervoso não é o único temor. Há dúvidas se a paródia – que mistura um cenário fajuto de Velho Oeste com gírias atuais e personagens com nome em inglês – funcionará. Autor de sucessos como Estúpido Cupido (1976), Prata não escrevia para a Globo desde 1985, quando fez Um Sonho a Mais. Na ocasião, um capítulo tinha vinte páginas, metade do que ele precisa escrever em Bang Bang. Para tanto, o autor montou uma equipe tamanho-família. Dispõe de cinco colaboradores – ou seja, serão seis pessoas metendo a colher no texto, o mesmo o número de tripulantes da última missão da nave espacial Discovery. Para não falar do ‘autor estepe’ (bang, bang).


O capítulo de abertura de Bang Bang contará com um desenho animado de quatro minutos, em que será mostrado como a fictícia Albuquerque (mesmo nome da maior cidade do estado americano do Novo México) foi dominada por duas famílias inimigas. Diana, a protagonista, será vivida pela modelo e apresentadora Fernanda Lima, escolha que causa certa apreensão na Globo depois do vexame de Deborah Secco e sua insossa Sol em América (bang, bang). Talvez para pegar carona no sucesso de Dona Roma (bang, bang), a matrona interpretada por um marmanjo na atual novela das sete, A Lua Me Disse, haverá dois personagens parecidos: Kadu Moliterno e Evandro Mesquita serão bandoleiros com disfarces femininos. Bang Bang também terá a participação de Guilherme Fontes, aquele diretor de um filme que ainda não existe, Chatô, apesar de ter consumido cerca de 12 milhões de reais, em boa parte captados por leis de incentivo. O ator será o contador Jeff Wall Street. Um contador corrupto, ressalte-se: até um circo terá de molhar as mãos do bandido para se apresentar em Albuquerque. Interessante (bang, bang).’




Eduardo Carvalho


‘Mario Prata fala de seu western global’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 25/9/05


‘Mário Prata, escritor mineiro de 59 anos, é o autor da próxima novela da Globo no horário das 19 horas: Bang Bang, um faroeste com tendência ao humor, que incorpora ao elenco notáveis estreantes de novelas como Fernanda Lima, Sidney Magal e Paulo Miklos.


Mário Prata confessa, diante de um retrato do resultado sempre brilhante apresentado pela equipe da novela, que quando viu a foto, levou um choque! ‘Imaginava a cena exatamente daquele jeito. Era um sonho’. Disse antes de elogiar a equipe da novela.


Dignas de elogios, sim, as equipes da Rede Globo que, sem dúvida, reúnem os mais competentes profissionais – de produtores ao elenco, passando por todo pessoal técnico e de direção – para manter o padrão de excelência que ela própria dita há décadas na teledramaturgia. O próprio Prata, autor de, entre outras, Estúpido Cúpido, já deu e continua dando seu quinhão de participação neste sucesso corporativo que de certa forma o engloba, com o perdão do trocadilho. Assim, os elogios à capacidade da equipe em concretizar seu sonho não deixa de ser autoloa, ainda que despachada sob o manto da estratégia de divulgação da próxima novela! O ponto, porém, não é este. Não precisamos nos deter em flagrar a Rede Globo em exercício de auto-elogios, pois isso permeia toda sua grade. Basta, portanto, assistir com um pouco mais de atenção e senso crítico um pouco de sua programação.


Mario Prata confessa mais uma coisa óbvia no pingue-pongue (transcrito abaixo) distribuído à imprensa: ‘sou de uma geração que assistia a muito bangue-bangue e comecei a perceber que a estrutura narrativa das tramas de faroeste e das novelas, principalmente as das 19 horas, eram bem parecidas. Temos a mocinha, o herói, o vilão, as heranças’. E esta declaração basta para partida da análise que se propõe.


Boa parte desta competente equipe global pertence à chamada geração televisão. Aqueles que cresceram sob os cuidados da babá eletrônica da caixa preta, assistindo à Vila Sézamo entre um e outro Rin-Tin-Tin (que, na música do Língua de Trapo, ‘era um big de um artista / Era racista, só mordia as indiarada / Porque nos filme bangue-bangue que se preza / Pele-vermelha sempre vira carne assada’ – leia íntegra da letra no final deste texto). Cresceram, todos, vendo velhas reprises de westerns. Entre catchup ou spaghetti, o que se via eram índios gritando como bestas e tombando sob o fogo cerrado dos mocinhos em seus círculos de carroças. Flecha de índio na perna de branco era ferimento para mocinha cuidar. Bala de branco no peito de índio era morte certa. E assim fomos, todos, aprendendo a conquistar um lugar de nosso imaginário – nos filmes, chamado de Velho Oeste –, um lugar com ranchos de frente para o pôr-do-sol, com um lindo Golden Retriever correndo entre as flores e as legendas subindo ao som de Enio Morricone.


Assim, não há que se espantar que a transposição deste universo para as formas das novelas das 19 horas resultaria num produto correspondente exatamente ao sonhado pelo autor. Corresponde também ao exatamente imaginado por toda equipe que realizou a transposição. Corresponde também ao imaginário de todo o público que também cresceu assistindo a westerns, mesmo entre aqueles que tenham gerado outro tipo de visão, talvez um pouco mais crítica, como o pessoal do Língua de Trapo!


Mario Prata tem, assim, uma tarefa aparentemente tranqüila de rechear esta forma com seu texto. Esperemos que ele seja o elemento de subversão para fazer valer a repetição de tudo o que já se viu em novelas e filmes. O autor tem a oportunidade de, já que facilitada a formatação e a ambientação da trama, ousar na inteligência do texto e oferecer algo mais do que falas com duplo sentido para decotes e descamisados, tão típicas deste horário.


A escolha do elenco já aponta para possibilidades cômicas que o próprio autor adianta: ‘a proposta é fazer uma sátira do Brasil’. Talvez haja espaço, sob esta perspectiva, para refletirmos sobre um modelo comportamental americanizado que herdamos como um passado que não tivemos. Nós não somos Waynes e Mastersons, somos Silvas e Sousas, nosso velho oeste ainda é um pantanal com alguns índios remanescentes e as winchesters e os colts que ainda são comercializados por aqui não estão nas mãos de cowboys bem intencionados.


Leia a entrevista de Mario Prata sobre sua nova novela:


Bang Bang é um projeto antigo. Como surgiu a idéia de escrever uma trama faroeste?


Mario Prata – Sou de uma geração que assistia a muito bangue-bangue e comecei a perceber que a estrutura narrativa das tramas de faroeste e das novelas, principalmente as das 19 horas, eram bem parecidas. Temos a mocinha, o herói, o vilão, as heranças. Em 87, cheguei a esboçar com o diretor Luiz Fernando Carvalho uma história western e este projeto foi se modificando ao longo do tempo. Quando batemos o martelo na TV Globo, o Luiz Fernando estava envolvido com os novos capítulos de Hoje é Dia de Maria e tive o prazer de conhecer o Ricardo Waddington e o José Luís Villamarin. Marcamos um almoço e foi tão maravilhoso que falei: ‘isso vai acontecer’! Nesses quase 20 anos, nunca planejei voltar a escrever novelas, mas queria fazer esta: Bang Bang.


Quais as referências utilizadas para a sinopse da novela?


MP – A minha referência é o gênero bangue-bangue. Temos situações, locações e personagens básicos que precisam existir em qualquer faroeste que se preze. Parti desses ícones e criei uma história. Temos saloon, cadeia, bandido, mocinho, todos os ingredientes desse universo.


O que destacaria na trama?


MP – Gosto de pensar que todos os personagens têm uma importância. Penso no teatro, onde, mesmo os que têm menos diálogos, aparecem. É só entrar em cena e o público já sabe tudo. Em Bang Bang, são cerca de 50 pessoas vivendo na cidade de Albuquerque. Uns eu conheço mais, outros menos, mas é interessante pensar que sou todos eles: preto, branco, mulher, menino. A escrita é um negócio engraçado.


Albuquerque também foi o nome da cidade de Estúpido Cupido, de 1976. Isto é uma homenagem?


MP – Totalmente. E esta não é a única semelhança. Estúpido Cupido passava-se em 1961 e, se virarmos o número de ponta-cabeça, ele será sempre 1961. Assim como 1881, data que escolhi para Bang Bang. Não sei o porquê, mas gosto disso. De virar o mundo, o tempo, e continuar sempre ali.


A trama se passa no final do século XIX, mas tem uma série de elementos de outras épocas. Como é essa brincadeira com o tempo?


MP – Isso é a novela. Precisamos ter liberdade para brincar, apesar de haver um limite. Respeito o ano de 1881, sem me ater só a ele. Quando as idéias surgem, avalio caso a caso. Não sei o porquê, mas coloco algumas gírias e corto outras. Às vezes olho e falo: ‘essa palavra não cai bem no Velho Oeste’. E tudo precisa se encaixar nesse universo criado. As pessoas devem acreditar que a história acontece.


A novela parece uma boa sátira do Brasil.


MP – Sempre trabalhei com humor. Não consigo escrever nem uma carta séria para o síndico do meu prédio! A medida provisória, as taxas e a pergunta do Bike Boy para os bandidos – ‘posso tomar conta do cavalo, tio?’ – são grandes piadas. Não quero retratar o Brasil ou ditar regra alguma. Apenas reconhecemos na trama algumas situações do nosso país.


O amor também está sempre presente nas novelas. Como é representado em Bang Bang?


MP Temos o romance principal que é o de Diana Bullock e Ben Silver, o namoro do Neon e da Penny Lane e muitas outras histórias. Particularmente, gosto também das cenas do Dong–Dong com a Dorothy. Você já imaginou um homem ter que ler as traições descritas no diário de sua mulher para ela? A única esperança de salvá-la é contar aquilo e esperar uma reação. Ele se sujeita a isso. É uma baita história de amor!


Penny Lane, Ben Silver, Dong-Dong. Os nomes dos personagens de Bang Bang são bem curiosos. O que os motivou?


MP – Primeiro pensei que a maioria dos nomes precisava ser em inglês, já que estávamos numa cidade do Velho Oeste. Depois, tudo foi surgindo naturalmente. Sempre quis chamar uma personagem de Penny Lane. Ouvia a música dos Beatles na adolescência e, como não entendia inglês, imaginava uma menina linda. Cresci com isso na cabeça. Ben Silver já é uma homenagem a meu bisavô Ben Prata, que foi prefeito de Uberaba e tem várias histórias. Mas há também aqueles nomes que surgiram sem explicação. Não sei de onde veio Dong-Dong ou Kid Cadillack, por exemplo. De qualquer forma, a sonoridade me agrada.’




Marcelo Bartolomei


‘Faroeste caboclo’, copyright Folha de S. Paulo, 25/9/05


‘Quando começar o primeiro capítulo de ‘Bang Bang’, a novela das sete que a Globo estréia no dia 4, a emissora inicia testes de uma nova linguagem e diferentes estéticas em relação ao seu tradicional padrão de produção.


Os quatro primeiros minutos da novela serão em anime (técnica de desenho animado japonesa) na tentativa de atrair o público jovem, minimizar os efeitos da violência na TV e escapar das críticas por causa do horário. Além disso, recursos de computação gráfica -antes utilizados em minisséries- estarão no folhetim.


‘Bang Bang’, um faroeste cujo cenário é baseado nos clássicos do western norte-americano, é de autoria de Mário Prata, 59, roteirista conhecido pelo texto leve, com pitadas de humor e que estava afastado da emissora havia 20 anos -seu último trabalho foi ‘Um Sonho a Mais’ (1985), em parceria com Lauro César Muniz.


‘É uma novela muito específica, pois todo o seu universo é criado. É diferente de fazer novela de época ou contemporânea, quando você pesquisa e transpõe os elementos para as telas. É um faroeste, mas não uma cópia, pois tem um olhar muito nosso. Temos apenas uma referência ao western norte-americano, que era muito violento. É a novela mais difícil que já fiz’, diz Ricardo Waddington, 44, diretor de núcleo.


A Globo muda o estilo de fazer novela no horário num momento em que a concorrência avança, mas aposta e está ciente dos riscos. ‘Eu chamo esta novela de abusada. Para mim não existe moderno ou antigo. Novela é uma linguagem por si mesma. Como conteúdo e narrativa, ela traz um abuso. Nos pediu um elenco, uma trilha, uma cenografia, um figurino, um tratamento estético, tudo abusado. Acho qualquer novela arriscada hoje em dia’, diz.


Também é a estréia de Fernanda Lima numa novela, e como protagonista. ‘Ou gostam da novela ou não. Ela não vai fazer conchavo com o público. Ou compra, ou não compra. Aposto que compre… A Fernanda Lima fez testes e foi aprovada, está se dando muito bem. Eu estou acostumado a lançar gente na televisão, e tem dado certo. Gosto da novidade na escalação porque dá mais credibilidade ao personagem, frescor, oxigênio e uma temperatura que outra atriz, que traria a lembrança de outro personagem, não teria.’


Referência


O projeto é antigo e tem 16 anos, segundo Prata. A referência ao faroeste é uma homenagem à infância do autor. ‘Eu ia fazer essa novela na Manchete, mas deu no que deu… [A falência da emissora foi decretada em 2000] Foi cansativo chegar até aqui porque eu convenci a Globo aos poucos. Caí na mão de dois diretores maravilhosos, que entenderam o que eu queria desde o momento em que leram o primeiro capítulo. Não adiantaria fazer se fosse com nomes brasileiros e gravada no Maranhão, por exemplo.’


Albuquerque, a fictícia cidade onde se passa a história, é uma referência direta ao seu mais famoso trabalho na Globo -’Estúpido Cupido’ (1976). ‘Conheci a cidade cenográfica no início da semana passada. Fiquei olhando e, num canto, sozinho, comecei a chorar. A Rede Globo virou uma indústria’, analisa.


O deserto onde se passa a novela (e onde a equipe gravou as primeiras cenas e outras que serão usadas ao longo da atração) é em San Pedro de Atacama, no Chile. A produção se preocupou em adaptar figurino e cenário, por exemplo, ao clima do deserto. ‘É uma cidade cenográfica [que fica na Central Globo de Produção, o Projac, na zona oeste do Rio] que precisa ter poeira. A roupa das pessoas tem poeira. Isso será visível na tela’, diz Waddington.


Cuidados


O desenho animado entra na novela para amenizar a violência, garante Waddintgon, para quem o horário seria impróprio para seguir a cartilha dos animes japoneses ou até mesmo do western americano. ‘Pegamos o conteúdo pesado e colocamos numa linguagem lúdica. Entra no recurso que o Quentin Tarantino usou em ‘Kill Bill’, por exemplo, de uma situação muito violenta: põe o conteúdo adulto no desenho, que é de imagem lúdica.’


Em Albuquerque, é proibido andar armado. Coincidência ou não, em outubro será votado o referendo sobre a comercialização de armas no Brasil. A novela terá duelos, mas traduzidos em cenas de ação. ‘Não haverá sangue na novela. O espectador não verá a pessoa morrendo. Tentamos contar essa história de faroeste de uma maneira mais lúdica e bem menos violenta do que o cinema americano e do que os desenhos japoneses. Tudo isso sem tirar o drama e a aventura, que são os ingredientes da dramaturgia’, afirma o diretor de núcleo.


O anime de estréia foi realizado por seis profissionais da equipe de efeitos visuais da novela, comandada por Gustavo Garnier, 49. Demorou dois meses para ser concluído. ‘Seria bom se tivéssemos um no início, um no meio e outro no final’, diz o animador.


Além da seqüência em animação 2D, haverá intervenções virtuais em cerca de 30% da novela. O deserto é uma das reconstruções necessárias por meio do computador. ‘Uma das nossas funções é complementar’, diz Garnier. ‘Usaremos computação gráfica direto. Vamos colocar Albuquerque no meio do deserto. Temos um grande cromaqui [tela azul que, ao fundo, permite a inclusão de imagens no computador] em volta da cidade cenográfica’, reafirma Waddington.


Há seqüências inteiras, como a do capítulo 3, por exemplo, virtuais. ‘Os sonhos do personagem Jeff Wall Street (Guilherme Fontes) serão todos em computação gráfica’, conta Garnier.


Uma outra América


Apesar de estar ficcionalmente situada nos EUA, ‘Bang Bang’ será muito brasileira, segundo Prata. Linguagens à parte, a comparação a ‘Que Rei Sou Eu?’ (1989), de Cassiano Gabus Mendes, é inevitável. ‘Ela tinha uma estrutura de personagens de narrativa política. Aqui, não. Temos um xerife que baixará umas medidas provisórias absurdas, mas a novela não é focada nisso, não pretende discutir nenhum assunto. Vamos brincar com o cotidiano.’


‘É uma grande sátira, não é uma farsa. Toda a referência da novela é no real, no sentido de fazer o público acreditar que aquilo até poderia acontecer. Não é uma fábula. O Prata se apropria de situações atuais e joga para aquele momento’, diz Waddington.


A novela, segundo o diretor, não será datada. ‘Não teremos uma citação ao episódio chamado ‘mensalão’, mas, sim, histórias que envolvam corrupção.’ ‘Bang Bang’ começa com a lembrança de uma chacina ocorrida 20 anos atrás, quando o protagonista Ben Silver (Bruno Garcia) fica órfão. De volta à cidade, busca vingança. A direção geral é de José Luís Villamarin. Ao lado de Prata, colaboram no roteiro Ana Ferreira, Chico Mattoso, Filipe Miguez, Márcia Prates e Reinaldo Moraes.’