Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

De Lula para o mundo

(Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

Luiz Inácio Lula da Silva concedeu esta semana uma entrevista de duas horas e meia para a imprensa estrangeira. Usando o carisma que tem de sobra, pese sobre ele o que pesar, o ex-presidente mantém quase inabalada sua imagem no exterior diante do dilúvio bolsonarista que nos arrasta para o abismo. Já começou ganhando pontos ao abrir a live avisando que tinha todo o tempo do mundo e que não existia censura: “Perguntem o que quiserem. Eu respondo”. O correspondente japonês do Asahi Shimbun não se conteve e declarou seu prazer em conversar diretamente com o ex-presidente. Lula novamente encantou o mundo ali representado.

Em pauta, o espanto geral pelo Brasil, porque e como chegarmos a esse ponto.

Ao Observatório da Imprensa respondeu sobre a discordância em aderir aos movimentos antifascistas que coletaram milhares de assinaturas de setores antagônicos. O artigo de Mino Carta (Carta Capital, 17/6/20), A Culpa é Nossa, colocava nos ombros da esquerda a responsabilidade de não ter sabido conscientizar o povo. O que gerou iniciativas como a do governador do Maranhão, Flávio Dino, de recriar um MDB de esquerda unindo PSB, PCdoB, e PSOL com Marcelo Freixo. É convicção de intelectuais como André Singer que, para derrotar Bolsonaro, é preciso uma articulação além da esquerda.

Lula: Não é possível existir um consórcio de esquerda sem o PT. Respeito a posição de cada um em criar um modelo político para o país porque neste momento não há nenhum. A democracia precisa disso e não um pacto de silêncio. O Brasil tem muita experiência política e pouca democracia. Mas não me venham dizer que não faço alianças, fiz com todos, a começar pelo meu vice, José Alencar, que era do PSDB [Depois PL e PRB]. O que querem [Os manifestos] como proposta? O que propõem? [Lula não aderiu aos manifestos recentes mas exalta um, o manifesto de 152 bispos, Carta ao Povo de Deus, contra Bolsonaro. Explica por quê:] A Igreja tem de ficar ao lado do povo.

Essa entrevista dá uma prévia do que será a campanha eleitoral, o campo de atuação dos adversários já que Bolsonaro, no momento em alta nas pesquisas, desprezou tudo e a imprensa junto.

Lula: ‘Ele’ não respeita mulher, meio ambiente, médico, infectologista, a ciência. O ser humano é um algoritmo e os 90 mil cadáveres transformam Bolsonaro em genocida. ‘Ele’ é um presidente que bate continência para a bandeira americana e aceita levar pito do embaixador dos Estados Unidos quando até o Trump quer se afastar da sua figura grotesca. Nunca vi antes o estágio de pobreza e desemprego a que chegamos. Nós criamos 22 milhões de empregos. Atenção a 2022, será um ano para se tirar conclusões.

Os correspondentes latinos lastimam as barreiras rompidas com o continente, a política de integração com o mundo.

Lula: O último inimigo que tivemos no mundo estava na guerra do Paraguai. O Brasil não tem inimigos mas ‘ele’ conseguiu ofender a todos. Um chefe de estado tem de construir amigos, não inimigos. Lamento profundamente porque no período em que fui presidente o Brasil se tornou protagonista internacional. ‘Ele’ jogou tudo fora, todas as pontes com presidentes europeus de esquerda, centro, direita, com o resto do mundo. Agora ‘ele’ quer aumentar o Bolsa Família, tudo verde, para mudar o nome e apagar o nosso.

O correspondente italiano lembrou o artigo publicado n’O Globo, na coluna de Ascânio Seleme (11/7/20), É Preciso Perdoar o PT. O PT deve fazer uma autocrítica para merecer esse perdão?

Lula: O PT não precisa de perdão. O PT precisa de respeito. O PT vem fazendo autocrítica de diversas maneiras, em diversos debates e publicações. O PT só é econômico em relatar tudo de bom que fizemos. Nunca houve na história deste país um partido que em tão pouco tempo tivesse feito a inclusão social que fizemos. Bolsa Família, Luz para Todos, a transposição do rio São Francisco, as 400 mil cisternas, os milhões de acres para famílias sem terra. Nós tínhamos clareza do modelo de desenvolvimento que queríamos. Nós temos lado. Povo pobre não é problema. É solução. Se ele cresce, crescemos junto. Fui o único presidente sem universidade que vai passar a história como o presidente que fez mais universidades e escolas técnicas, que levou a filha da empregada doméstica ao teatro, ao avião, ao exterior, à universidade. A elite não perdoa. Pobre tem de ser pobre.

E responde ao artigo. À pergunta sobre sua candidatura em 2022 ele não responde.

Lula: O PT sabe o que está fazendo e vai ser oposição a Bolsonaro em 2022. Não tinha lógica tirar a Dilma e me deixar concorrer. O judiciário brasileiro tem forte tendência a ser de classe e tem muita gente querendo sair do PT. Quem colocou Bolsonaro lá foi a elite brasileira.

A correspondente do jornal francês Libération lembra que o antipetismo alcançou até as camadas mais beneficiadas pelas políticas sociais do PT.

Lula: Essa é a maior piada. Ninguém acreditava que um torneiro mecânico pudesse ser presidente mas o PT cresceu com votos daqueles que nunca tinham votado no partido. Como? Acreditaram na proposta política. [Fernando] Haddad teve 47 milhões de votos em 2018, ficou em segundo lugar porque não teve mais tempo, e houve a facada. Se não, ganhava no primeiro turno. Povo não vota em candidato porque é evangélico, preto, branco, trabalhador. Perdi três eleições para aprender que povo vota porque está convencido de que, se eu governar, ele também vai governar. Ele tem de estar convencido de que é igual a mim.

O correspondente do jornal português Público pergunta sobre o impeachment.

Lula: Só com pressão da sociedade. E se Mourão ficar no lugar será diferente de Bolsonaro só porque é general e sabe das responsabilidades, não fala as bobagens que o outro fala. Mas concorda com tudo o que ‘ele’ faz. Por isso a gente vota no vice. Só a Dilma deu azar, ele [Refere-se a Michel Temer] tinha o desejo de ser presidente e conseguiu. Nos meus oito anos de governo convivi com militares competentes, cumpridores de sua missão. Nada similar ao cabo que virou capitão e era odiado pelo Exército. Hoje é o presidente dando poderes e dinheiro aos militares na linha de frente para resolverem problemas até na Saúde. Temos mais de 3.000 [na verdade são 6.150] no governo. Golpe? Para que vão dar um golpe se eles já estão dentro?

Sobre os possíveis candidatos à presidência, ironiza.

Lula: Vamos ver se a Globo consegue emplacar o Huck, o Moro, o Dória. Eles querem muitos candidatos de direita e nenhum de esquerda. O Ciro acha que perdeu a eleição por culpa do PT. Foi meu ministro. Queria disputar os votos da direita. Foi um erro, a direita não confia nele.

Quanto ao seu julgamento, o triplex e o sítio de Atibaia, reage atacando Moro.

Lula: Só quero uma prova do crime que cometi. Mentiras. A Justiça deve explicação à sociedade. Desafio Moro ou qualquer empresário a provar que o apartamento e o sítio são do Lula. [O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirma que obteve em 2018 uma liminar da Comissão de Direitos Humanos a ONU para que fosse respeitada a candidatura de Lula, o que não aconteceu. Menciona as acusações de Moro à Lula e as absolvições que recebeu, inclusive na delação premiada do senador do PT, Delcídio do Amaral. “Se fosse um juiz mais parcial no julgamento, Lula seria absolvido”].

O tema da corrupção no PT pode afetar a eleição em 2022?

Lula: Eu pergunto, como será que estão vivendo as pessoas que delataram? [Ironiza, baseado na revelação de que a Odebrecht pagava aos delatores]. Estão ricos? Insisto nas mentiras do Moro. A corrupção é sempre utilizada em época de campanha. Sobre corrupção, todo mundo sabia dos “problemas financeiros” da família Bolsonaro, dos milicianos, e ele foi eleito. Se vamos falar em quadrilhas, para mim é a força tarefa de Curitiba. A história da corrupção só pega em quem realmente é. Quando não tem como se defender. O Aécio é acusado mas nem responde a nada. Dilma caiu porque fez ‘pedaladas’. Todo presidente faz pedaladas. Conheço um garoto que ficou preso cinco anos, junto com o PCC, porque roubou um boné. Devia estar na escola. Eu estou aqui para botar minha cara. Vou fazer 75 anos em outubro, e em 2022 quero estar bem forte para provar que essa gente enganou o Brasil.

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Norma Couri é jornalista e diretora da Comissão Mulher&Diversidade da ABI.