Friday, 13 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Jornalismo na Argentina: entrevista com Miguel Ledhesma

Foto: arquivo pessoal

“Os jornalistas têm a liberdade de publicar sem restrições. Isso não significa que às vezes não surja algum ato de censura”.

Miguel Ledhesma é um jornalista argentino, formado em Jornalismo, com estudos técnicos em Turismo e mestrado em Educação. Entre suas publicações, algumas merecem destaque, como “Periodismo turístico: Muchos principios y algunos finales“, lançado em 2016.

Há dez anos, Ledhesma criou a Organização Mundial de Periodismo Turístico (World Travel Journalism Organization, WTJO). Atualmente ele mora em Buenos Aires, escreve sobre questões relacionadas ao turismo e leciona na WTJO. A seguir, uma entrevista com o profissional.

Enio Moraes Júnior – Como você avalia a formação de jornalistas na Argentina, considerando o que você tem visto tanto na sua como na atual geração de jornalistas?

Miguel Ledhesma – Na Argentina, temos a possibilidade de contar com uma grande oferta gratuita e de boa qualidade, mas acima de tudo é possível encontrar um elevado número de propostas não tradicionais. O que vejo no resto das universidades e institutos de outros países da América Latina é que a educação é muito expositória: o aluno se senta por duas horas apenas para ouvir um professor. E isso depois é transferido para a mídia. Se o aluno recebeu uma educação muito estruturada, com pouco espaço para criatividade, assim serão suas propostas ao se comunicar.

EMJ – Sua carreira profissional é focada em jornalismo de viagens. Em uma entrevista, você disse que o setor turístico é uma área interdisciplinar. O jornalismo também é interdisciplinar? Se sim, como funciona?

ML – O jornalismo é interdisciplinar, mas superficial, não vai fundo. Geralmente não há muito espaço na mídia para o jornalista especialista, pois é preferível que eles cubram todas as áreas. No entanto, isso é prejudicial à qualidade da informação. O jornalismo interdisciplinar é bom, mas ao mesmo tempo ele deve ser especializado.

EMJ – As mídias sociais mudaram o jornalismo na Argentina nos últimos 20 anos? Se sim, como você avalia essa mudança?

ML – A principal mudança teve a ver com o fato de que hoje as pessoas preferem anunciar nas redes sociais e não mais na mídia tradicional. Em minhas oficinas, refletimos e vemos alternativas para iniciar e desenvolver um meio sem depender da publicidade tradicional ou da assinatura. Acho que o principal impacto tem sido na economia, mas o desafio é ver as oportunidades nisso.

EMJ – Como está a questão da propriedade da mídia e da liberdade de imprensa no país?

ML – Graças à tecnologia, hoje todos podem ter seu próprio site e não há ninguém que não possa dizer o que quer. Em relação à liberdade de imprensa, a mesma coisa acontece, os jornalistas têm a liberdade de publicar sem restrições. Isso não significa que às vezes não surja algum ato de censura, mas geralmente há um clima de liberdade.

EMJ – Como você avalia a produção jornalística atual em seu país quando se trata da defesa e proteção dos direitos humanos?

ML – Acredito que mais pode ser feito e que nunca é suficiente, pois essa é uma questão que deve estar sempre presente nas agendas da mídia a nível global, não apenas nacionalmente. É um assunto sobre o qual devemos refletir todos os dias para não repetir certos erros do passado, mas isso não acontece na mídia.

EMJ – Como é a cobertura da mídia do Covid-19 na Argentina?

ML – Agora estamos falando de outros assuntos, mas no ano passado tudo foi sobre Covid. Acho muito bom que a saúde tenha ganhado espaço na comunicação da mídia, mas temo que, quando sairmos de tudo isso, as questões de saúde não sejam mais discutidas na televisão, por exemplo.

EMJ – Quando falamos de jornalismo regional e local, referimo-nos a particularidades das comunidades locais. Como funciona no jornalismo argentino? Quais temas surgem com mais frequência?

ML – Eu não acho que há muito lugar para o jornalismo focado nas comunidades locais. Pelo contrário, tudo se concentra no que acontece na cidade de Buenos Aires e não se aprofunda muito nas diferentes coesões e cantos do nosso país. Tudo ainda está muito centralizado na capital.

Esta entrevista faz parte de uma série sobre jornalismo no mundo, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor – Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium.

***

Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: EnioOnLine.