Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo na Dinamarca: entrevista com Morten Gliemann

Foto: arquivo pessoal

Morten Gliemann é um jornalista dinamarquês. Formado pela Danmarks Journalisthøjskole, ele tem também um importante papel civil na parte sul da Dinamarca e na região Sønderjylland, onde vive.

Seu trabalho tem alcance internacional, tendo vivido em países lusófonos como Moçambique, Brasil e Portugal. Além de jornalista e redator, Morten é tradutor e trabalha como professor de idiomas em seu país, em instituições como a International Communication A/S. Leia mais na entrevista abaixo.

Enio Moraes Júnior – As estatísticas sobre educação, emprego e participação cívica indicam que a Dinamarca é um bom lugar para se viver. O que a imprensa nacional fala sobre o país? Quais são os problemas mais relevantes?

Morten Gliemann – Em geral, a imprensa nacional está cobrindo o que nos resta da pandemia, além dos desafios do clima (relativamente poucos) e imigração. Entre os imigrantes, especialmente os refugiados ganham manchetes. Seja por serem vítimas de guerra, conflitos na Síria, colapso no Afeganistão, colapso econômico e político no Líbano, por representarem uma população prisional crescente na Dinamarca ou por custarem mais em termos de subsídios sociais do que a média dos dinamarqueses. Jornais, televisão, rádio e mídias sociais destacam, ainda, a necessidade de mais mão de obra, mais cidadãos que futuramente vão cuidar dos idosos. No lar do meu pai, que é idoso, metade dos funcionários é de origem estrangeira e faz atividades que muitos dinamarqueses não querem realizar, mas é um trabalho bem-organizado e bem pago. E isso possibilita o envio de remessas para Ásia, América do Sul e África.

EMJ – De que forma você analisa a cobertura dos direitos humanos e das minorias no jornalismo dinamarquês?

MG – Em minha opinião, o jornalismo dinamarquês está muito consciente do fato de que precisamos de mais cidadãos, de novos cidadãos. Algumas plataformas de mídias sociais são muito negativas, alguns blogueiros também, mas tanto as minorias como os direitos humanos são geralmente tratados com respeito pelos jornalistas. Uma ex-ministra está sendo julgada atualmente por abuso de poder contra refugiados da Síria. Alega-se que ela deu a ordem de separar menores casados de seus pares adultos. Meu ponto de vista é o seguinte: o caso nunca teria existido se a imprensa não tivesse investigado. A grande mídia tem como objetivo vender jornalismo confiável e as pessoas da Escandinávia estão dispostas a pagar pelo jornalismo, insistindo na qualidade, na credibilidade.

EMJ – Você já viveu no Brasil. Como avalia o jornalismo brasileiro? É possível comparar com a mídia dinamarquesa?

MG – Eu vejo o jornalismo brasileiro como um produto da democratização. É jovem, se comparado com os mais de 100 anos de democracia da Dinamarca. Somos tão velhos! A Dinamarca tem tido jornais esquerdistas, liberais e conservadores há anos – e as pessoas leem e votam – e o voto não é obrigatório. É claro que você pode, e deve, comparar para se desenvolver. Mas comparar um país com o outro, simplesmente, não é justo. O jornalismo no Brasil é luxo; intelectual, sério, “chato”. Mas absolutamente necessário, especialmente quando se trata de cobrir os abundantes casos de corrupção e, infelizmente, o vírus.

EMJ – Quando falamos de jornalismo regional e local, abordamos particularidades das comunidades locais. Como isso funciona em seu país? Que temas surgem com mais frequência?

MG – Depende. A Groenlândia é uma região? Lá em cima temos problemas sérios, especialmente com os americanos: Trump quis comprar, os russos também (como sempre) e agora a China. Na minha região, bem ao sul, é muito importante manter a fronteira aberta, deixando dinamarqueses e alemães simplesmente serem… europeus. Aliás, um dinamarquês está no Parlamento alemão, em Berlim.

EMJ – A mídia social mudou o jornalismo na Dinamarca? Em caso afirmativo, como você avalia esta mudança?

MG – As mídias sociais mudaram radicalmente o cenário. A velha mídia precisa se referir às mídias sociais e aos influenciadores para sobreviver. Como na imprensa brasileira, americana, alemã e britânica, há uma certa tolerância em relação às “crianças novas”, mas também muita verificação dos fatos. Os dinamarqueses adoraram o Facebook em um momento inicial (2010). Entretanto, os dinamarqueses e os europeus veem o Facebook e o WhatsApp como americanos. Uma política dinamarquesa, Margrethe Vestager, trava uma luta contra monopólios e gigantes tecnológicos.

EMJ – A respeito da cobertura da Covid-19 no país, o que você pode dizer sobre os assuntos de informação científica e de interesse público?

MG – Eu diria que jornais, rádio, mídias sociais e televisão levaram a pandemia muito a sério, até o fim. O bloqueio foi difícil – mais do que na vizinha Alemanha e na Suécia. Mas os dinamarqueses tendem a confiar no governo e os resultados da vacina têm sido rápidos e eficientes. Atualmente, a Dinamarca está reduzida a 464 mortes por milhão. No Brasil, 2.870 por milhão [Fonte: COVID-19 mortes per capita por país: Statista]. Os dinamarqueses acreditam mais na ciência do que em Deus, dizem… Oops!

EMJ – Como você avalia a formação de jornalistas na Dinamarca, considerando o que você viu na sua geração e acompanha na geração atual?

MG – Se me atrevo a comparar… Eu vou tentar. Na minha época, tínhamos apenas uma escola de jornalismo, em Aarhus, segunda maior cidade do país. Os alunos eram admitidos anonimamente – com um número em um envelope. Você sabe escrever? Você pode investigar rápida e corretamente? Isso era o que eles queriam saber. Agora temos três escolas no país. Os “velhos” meios de comunicação conseguiram mudar rapidamente para sites e aplicativos. Os leitores podem ir fundo, se quiserem, e na escola as crianças são confrontadas e aprendem os desafios (e perigos) das mídias sociais. Vivi muitos anos em Portugal, e devo dizer – ao comparar as duas formações, as duas culturas de mídia na Dinamarca e em Portugal – que Portugal está muito atrasado. No entanto, leio o Público diariamente (trabalhei para ele anos atrás também) – e é um jornalismo muito bom! É um mistério para mim como eles sobrevivem.

Esta entrevista faz parte da série “Jornalismo no Mundo”, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor – Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium.

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Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: Enio OnLine.