Thursday, 09 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Em busca da “melhor educação”?

A educação é o tema central adotado em forma de campanha institucional pelo Grupo de Comunicação RBS (Rede Brasil Sul). A proposta assertiva da empresa partiu de perguntas formuladas com base nas metas da organização “Todos pela Educação“. A campanha pretende debater as seguintes questões: a posição do Brasil no ranking internacional de qualidade da educação, a desvalorização da carreira de professor e a participação dos pais na vida escolar dos filhos (ver aqui).

Entretanto, ao se pensar uma campanha fomentando a educação, é importante destinar um tempo para uma articulação tanto com a história e os movimentos que lhe deram origem quanto com as necessidades e possibilidades oriundas das políticas sociais e das formas de organização social que lhes interessam. É preciso ter bem presente que o desenvolvimento pessoal educativo resulta de uma multiplicidade de aspectos que não se restringem às influências escolares. Deve-se levar em conta que a educação compreende todos os processos de comunicação que ocorrem: no convívio familiar, na vivência da escola (contato com professores, colegas, diretores e demais agentes escolares), pelos meios de comunicação de massa, no cotidiano da comunidade, nas igrejas e demais locais por onde circula a informação.

Neste artigo, optamos por tratar a educação no contexto escolar enfocando aspectos da intervenção tecnológica no cotidiano da sala de aula. Pretende-se oportunizar uma breve reflexão sobre a conjuntura da campanha institucional do grupo RBS partindo de alguns pressupostos históricos e psicológicos em relação ao uso das novas tecnologias nas relações escolares.

Cérebro é influenciado pela tecnologia

Sabe-se hoje que o processo de apropriação do conhecimento ocorre quando a informação circula pela sociedade – por redes comunicativas de aprendizagem –, sendo interpretadas de acordo com os saberes e valores de cada pessoa. Nos dias de hoje, é consenso que as pessoas, principalmente adolescentes, estão mergulhadas na era das novas tecnologias. Em geral, as decisões e dúvidas do dia a dia têm passado pelo crivo de uma consulta contínua aos sites de busca, principalmente o Google.

Consideravelmente, cresce o número de pessoas utilizando sites de busca para poder lembrar uma data, um acontecimento, o mapa para chegar a algum lugar, etc. Contudo, uma pesquisa divulgada em março de 2012 revelou que crianças e adolescentes estão preferindo “tirar” suas dúvidas com o Google do que com seus professores e/ou pais. De acordo com os resultados da Birmingham Science City, 54% das crianças e adolescentes de seis a 15 anos que responderam a pesquisa admitiram que o Google é o seu primeiro canal de contato quando desejam esclarecer uma dúvida.

Esta descoberta da pesquisa foi baseada em entrevistas de 500 crianças e adolescentes de 6 a 15 anos no Reino Unido. Constatou-se que há uma ruptura no enquadramento educacional atual. De um modo geral, parece ser uma suposição aceitável que as crianças e adolescentes não concordam com qualquer solução para a educação de massa que não leve em conta, hoje, o avanço tecnológico.

Porém, o avanço tecnológico “bate de frente” com o alerta da cientista e pesquisadora britânica especialista em psicologia do cérebro, Susan Greenfield, que recentemente afirmou: “A tecnologia está moldando uma geração de crianças apáticas, incapazes de pensar por si próprias” (ver aqui). Segundo a pesquisadora, “o cérebro é altamente ‘plástico’, ou seja, é constantemente influenciado pelo mundo exterior. Se o cérebro é sensível ao ambiente e o ambiente está mudando, isso significa que o cérebro muda também. Cada vez mais, as pessoas passam suas vidas em frente a telas. E, mais importante que discutir se essa mudança é boa ou ruim, é pensar que tipo de cérebro nós queremos” (ver aqui).

“De pai para filho”

Na nossa própria interpretação, o grande equívoco em torno da tecnologia como novo instrumento didático na sala de aula é querer inseri-la em processos metodológicos já ultrapassados, por exemplo: ver aqui. A pertinente questão presente no vídeo destacado no link do YouTube ajuda a ilustrar a “luta”, no sentido da adaptação, que deve ser interpretada na ótica de Piaget; o autor chama atenção para o equilíbrio entre o que pode ser aproveitado do método e do instrumento testado e balizado pela experiência educativa.

No entanto, face ao objeto central da pesquisa e do vídeo destacados acima, há uma contradição histórica em relação ao contexto escolar brasileiro. Por exemplo, nos anos 2000, a grande novidade foi o surgimento dos computadores nas escolas. Eles tinham o papel de atuar como instrumentos inovadores na relação professor/aluno – escola/professor – escola/aluno e vice-versa. Mais do que isso, os computadores representavam a força motriz de todos os conhecimentos do planeta e, instantaneamente, deveriam estar disponíveis a todos. Nesse sentido, para que passá-los para a “cabeça” dos alunos? Só este fato implicaria numa modificação total dos objetivos escolares.

A ideia de objetivos escolares não serve apenas a sociedade, ou a pessoa na sociedade, mas a mudança social e a formação de consequentes agendas na/da mudança social. Por exemplo, nos primeiros tempos das instituições escolares, na idade média, quando foram fundadas as primeiras universidades, houve uma “revolução” no que se entendia por ensino. Até então, este era tutelado por pessoas comuns, geralmente os “mais velhos” das comunidades que pretendiam preservar os valores do mundo, dos seus antepassados. Essa educação “doméstica” era promovida por agricultores, camponeses das pequenas localidades que ensinavam num sistema “de pai para filho”.

“Robotização” do comportamento

O advento das transformações causadas pela idade média trouxe também uma nova proposta educativa: na sua forma mais complexa o ensino passou a servir de molde aos “cidadãos da nova era”, ficando a cargo da igreja e de seus dogmas a responsabilidade sobre os valores do mundo. Vista desta forma, retomando o contexto do avanço tecnológico, o conhecimento arquivado em computadores parece ter como objetivo central fortalecer, ainda mais, o ensino de técnicas de auto-aprendizagem, cabendo ao professor criar situações, em que os alunos, se dispõem a utilizar a informação arquivada em computadores para fortalecer o mercado que alimenta o “capitalismo informacional” (CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, vol. 3, São Paulo: Paz e terra, 1999, p. 411-439).

De acordo com os órgãos de “governos de pessoas” houve uma agenda de intervenções para o desenvolvimento educacional diante da era tecnológica. Nesse período as escolas apresentaram muitas novidades. A discussão presente na sala de aula passou a ser medida por tarefas e competências, ao mesmo tempo em que os assuntos tratados nas escolas foram vinculados às características produtivas e comerciais. Nesse contexto escolar, educar passou a ser um processo padronizado de treinamento constante para o consumo de bens econômico-financeiros. Essa aprendizagem padronizada estimula constantemente o isolamento, porque priva da necessidade de comunicação: ninguém tem nada a dizer a ninguém, ou melhor, há o surgimento de um ciclo vicioso onde simplesmente o conhecimento é aplicado para desenvolver tecnologias que geram consumo e produção de mais tecnologia.

Por exemplo, o operário da fábrica é desafiado a fabricar mais rápido, inventar a próxima máquina, ou consertar a máquina recebendo a mesma remuneração. Num avanço da exploração do trabalho humano é a própria sociedade que exige a “robotização” do comportamento dos profissionais. A diferença é que a tradição agora já não é condição de sobrevivência; na verdade, é o fator máximo de coesão do grupo, endurecendo as normas internas e exigindo sacrifícios e renúncias dos atuais e futuros trabalhadores.

A proposta principal

Em síntese, até aqui, enfocamos apenas a educação no contexto escolar no que se refere a aspectos da intervenção tecnológica no cotidiano da sala de aula. Porém, esse é um aspecto vital para se pensar a escolarização em qualquer contexto. Mas, objetivamente, o que este artigo tem a propor a campanha institucional da empresa de comunicação RBS?

Os esforços despendidos na implementação dessa importante campanha iniciada pelo grupo RBS revela um fator que merece destaque: a avaliação do planejamento educacional brasileiro. É interessante notar que nos objetivos da campanha há um profundo interesse no desenvolvimento de instrumentos específicos para avaliar as escolas (ver aqui), no entanto, em meio a avaliações, a sempre o perigo do viés moralizante. Explico: O enfoque moralizante termina por sustentar uma leitura que encobre a discussão em torno das responsabilidades públicas no que diz respeito à educação.

Frente às situações relacionadas às responsabilidades públicas sobre a educação, acredita-se ser fundamental uma abordagem que envolva também os aspectos históricos e psicológicos presentes na relação entre a criança/adolescente (futuro trabalhador) e a aprendizagem no contexto escolar. Nesse sentido, embora se revele de indiscutível utilidade o conhecimento da etapa em que nos situamos numa certa progressão do desenvolvimento educativo escolar, que é a proposta principal da campanha da RBS, parece ser bastante duvidoso que esse seja o único aspecto a ter em conta na explicação da forma como, ao longo do tempo, a educação escolar vem operando no Brasil.

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[Marlos Mello é jornalista e psicólogo, Porto Alegre, RS]