Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Lido em um ônibus

Diogo Mainardi que me desculpe pela audácia, mas li seu livro de crônicas em um ônibus. Talvez para ele isso seja um insulto, um ultraje. Assim como para uma senhora que ia ao meu lado, que me perguntou entusiasmada: “Que livro é esse que fala do Lula?” Mostrei-lhe a capa. Ela fez aquela cara de decepção (ou devoção) forçada, que todo mundo faz quando joga na loteria e perde. A mesma que Mainardi faria se soubesse que li seu livro a caminho da faculdade em um ônibus. A senhora deve ter achado uma leviandade alguém escrever contra Lula. Ainda mais de maneira tão agressiva. E deve ter achado pior ainda alguém ler algo contra Lula. Não vi a hora de ela me chamar de “reaça”. Fechou a cara para mim.

Tomei o cuidado de ler primeiro o livro, antes de qualquer crítica ou resenha de internet. Assim pude tirar minhas próprias conclusões sobre o livro e a maneira pela qual o autor conduziu suas ideias, apesar de ter ouvido diversas coisas sobre ele, dentre elas sobre suas tendências reacionárias.

Em um país que beira uma ditadura comunista, esquizofrênica e não assumida, onde conceitos ideológicos se confundem, qualquer um que critique o governo (que tenta driblar a democracia e se perpetuar no poder), pode ser chamado de reacionário. Não que Mainardi seja um herói ou queira ser um. Mas teve coragem de fazer algo que ninguém na maior parte da imprensa (governista, diga-se de passagem) tinha: bater de frente como governo. O Brasil está impregnado de gente propondo ideologias (na política e na imprensa) que não trazem nenhuma resposta prática para coisas realmente importantes, como educação, saúde, economia e segurança. É apenas “marketing político”.

O erro do teclado swype

Enquanto Mainardi entra para história do jornalismo brasileiro com inúmeras acusações (dele contra os mensaleiros e dos mensaleiros contra ele), as senhoras que pegam ônibus bem cedo estão anestesiadas pelas opções de crédito fácil que o governo disponibiliza e/ou facilita. E esquecemo-nos de que o tal governo está no poder já há quase 12 anos e que isso não é nem um pouco saudável para um Estado democrático.

A reação de desaprovação da senhora ao ver o que eu lia é típica. Polarizar-se, defender seu duce, seu führer, seu imperador, a quem deve toda obediência e fidelidade, não se permitindo ouvir opiniões contrárias. Gestores populistas têm essa vantagem com o grande eleitorado. O “povo” é grato. O povo contenta-se com pouco, com o “rouba, mas faz”. É fato que “nunca antes na história do Brasil” o povo teve tantos benefícios. Inegável. O problema é que o brasileiro trata o que é obrigação como favor. Isso é ignorância.

Fiz o esboço deste artigo no celular. Fui tentar escrever “características” no teclado swype (o moderninho, que você desliza o dedo no touch screen e ele deduz a palavra desejada) e saiu outra coisa. Coincidentemente, o celular exibiu a palavra “catastrófica”. Creio que o sistema do teclado não só deduz a palavra como também nosso raciocínio. Ou então foi só o balanço do ônibus que me atrapalhou.

Apesar dos pesares, não está errado

Talvez se não fosse este governo eu não teria um celular com swype. Aliás, se não fosse este governo, eu não teria celular, não conheceria Mainardi, não faria faculdade e ninguém iria ler este artigo. Mas não sou grato. Gratidão, para mim, vem de afeto, favor ou consideração. E a relação que o governo tem conosco é de obrigação. São pagos por nós, trabalham para nós. É a relação patrão-empregado. Se o povo é grato, faz vistas grossas e esquece. E deixa de lado o mensalão que Mainardi tanto criticou, a tentativa de controle da imprensa, maquiando a de “regulamentação”. Esqueceu-se da manobra para colocar limites ao judiciário com a Proposta de Emenda Constitucional 37 (PEC 37), criada curiosamente após a condenação pela justiça de políticos e articuladores envolvidos com o mensalão.

Alguns regimes possuem características (ufa, agora saiu a palavra certa) que geram consequências catastróficas (mas vou manter essa também, convenientemente, diga-se de passagem) para o país e para o povo. Cuba é uma ilha, nos sentidos literal e figurativo. A Coreia do Norte depende da China para continuar existindo. A China, que inclusive mantém ainda um estranho regime comunista, se deu conta de que precisa ser menos protecionista e mais amistosa. Tanto que flexibilizou sua economia e sua diplomacia para manter uma relação mais próxima com os países capitalistas. Conclusão: o comunismo e suas vertentes não funcionam. É nociva ao país a existência dele. Não há liberdade no comunismo, apenas a ilusão dela. E os “comunistas”, mais uma vez, estão no poder há quase 12 anos!

De todas as falas polêmicas do ilustre jornalista, uma delas também é inegável: “Não há direita ou esquerda no Brasil”. Não há oposição que fiscalize o governo. Os opositores atuais (especificamente o PSDB) brigam internamente. Apesar dos pesares, Diogo Mainardi não está errado sobre o governo do PT e sobre o que escreveu em Lula é minha anta.

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Guilherme de Carvalho Lucas é estudante, Brasília, DF