Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Da velha censura ao jornalismo vendido

No preâmbulo da matéria “Farinha do mesmo saco”, publicado no JP 564, antes de criticar o jornalista Ronaldo Brasiliense, que escreveu o texto sob encomenda, para o jornal O Liberal, Lúcio Flávio fez comentários sobre a imprensa na época anterior à ditadura, quando surgiram na cena brasileira “jornalistas brilhantes nas redações, atraindo não só profissionais da notícia, mas escritores e outros intelectuais que afluíam para a imprensa periódica, o que explica a qualidade dos textos e a popularidade de um gênero mais refinado, como a crônica”.

É verdade, quando inexistiam os chamados cursos de jornalismo, esse período foi fecundo. Em 1964, quando ocorreu o golpe militar, eu tinha somente 15 anos de idade, a mesma que Lúcio, que começou a escrever precocemente. Quando veio o fechamento do regime, em 1968, tínhamos 19 anos, quando os militares baixaram o Ato Institucional nº 5, e daí para frente, até a abertura a imprensa esteve amordaçada.

O jornalista começava o seu teste como “foca”, como era chamado na época, e quem tinha talento ia em frente e assim prosseguia a sua carreira. É verdade que nessa época nem todos eram talentosos e de bom caráter. Muitos jornalistas, antes mesmo da ditadura, se vendiam, escreviam o que os donos dos jornais queriam. Mas havia espaços para os intelectuais escreverem suas crônicas e artigos. Poetas, sociólogos, filósofos, ensaístas, etc. antes de 1968 enchiam os cadernos dos grandes jornais, especialmente de São Paulo e Rio de Janeiro.

Depois de 1968, quando surgiram os jornais alternativos, muitos jornalistas, impedidos de escrever na grande imprensa, publicaram suas matérias ali. Recordo-me, particularmente, do jornal Opinião e, depois, do Movimento que eram avidamente procurados nas bancas de jornal do país, numa época de cerceamento das liberdades democráticas.

Talvez, com a repressão, os jornalistas, como afirma Lúcio, usavam táticas para escapar ao Big Brother, que era muito outro antes da televisão massiva (muitas vezes o Big Brother estava dentro das redações, com seus censores a serviço do estado policial).

As táticas eram variadas e o jornalista tinha que ser esperto. Quem teve a oportunidade de acompanhar os jornais alternativos, ou mesmo os grandes jornais, podia observar o desempenho e a competência de muitos jornalistas, que, como diz Lúcio, iam atrás das informações oficiais, sancionadas, nos diários oficiais (qual é jornalista, hoje, que lê esses diários?), balanços empresariais, editais e outras formas de comunicação do próprio governo.

Linguagem enviesada

Nos dias de hoje isso não se aprende nos cursos de jornalismo, pois exige do profissional da imprensa, antes de tudo, competência e conhecimentos para interpretar dados nas áreas que não se ensina nesses cursos, bloqueando a possibilidade de interpretação e, também, a objetividade e rigor que exige o jornalismo, como aponta Lúcio, métodos científicos de obtenção, produção e divulgação de notícias.

Eu me pergunto sobre os dias de hoje: por que nesses momentos de democracia a imprensa é tão medíocre e parcial?

Conta-se nos dedos aqueles profissionais sérios, possuidores dessa base científica de muitos jornalistas do passado a que se refere Lúcio. O que vemos nos nossos tempos são jornalistas vendendo a alma, ou seja, um retrocesso. O que vemos como diz Lúcio é um jornalismo panfletário, passional, inconsistente, desligado da evidência dos fatos, completamente despreocupado de provar o que divulga, movido por campanhas sem demarcações de interesse público. Um jornalismo partidário, faccioso,, irresponsável.

Em seguida se refere ao PIG (Partido da Imprensa Golpista), criado através de blogs por vários jornalistas que não encontram espaços na grande imprensa e criticam o seu partidarismo. É evidente que o jornal impresso tem um espaço maior, uma maior divulgação e diversidade de informações que, como diz Lúcio, se aproximam da realidade constantemente. Tenho minhas dúvidas de quem lê os veículos do PIG está mais bem informado do que o frequentador exclusivo do que circula na internet.

É só observar o caso de Belém do Pará. Será que quem lê O Liberal pode se considerar mais bem informado do que o Jornal Pessoal? Será que saberíamos o que ocorre nos bastidores da sociedade paraense se não tivéssemos em contraposição esse jornal alternativo, que não está nos blogs da internet e que já ganhou vários prêmios não divulgados pelos jornalões locais?

Aí tocamos numa questão não abordada no preâmbulo desta matéria: o monopólio dos meios de comunicação, que, como sabemos, é controlado nesse país por sete famílias que hoje controlam as redes sociais deste país.

Em época não muito distante, esses jornais familiares procuravam manter certa compostura e reconheciam os talentos de muitos de seus profissionais. Como tem mostrado o próprio Lúcio Flávio, na época em que o velho comandante do O Liberal dirigia o seu jornal tinha o seu modo operandi de lidar com as informações, filtrando algumas, censurado outras quando achava que devia, mas, em muitas ocasiões, se mostrando democrático e aberto ao diálogo. Mas os seus filhos, que cresceram durante a ditadura, são opostos do velho comandante e parecem mais adeptos dos jornalistas vendidos, de que fala Lúcio.

Talvez – e isso é uma hipótese – nunca se censurou tanto na imprensa brasileira com nos dias de hoje. A imprensa toda tem, sim, partido, e pouco se preocupa com a verdade dos fatos, e, por isso, a tendência é os profissionais da área se desmoralizarem, venderem-se, inventar facciosismo de encomenda. Quem lê, por exemplo, a revista paulista Veja sente essa escandalosa degenerescência do jornalismo brasileiro, cujo exemplo maior, é a forma como o seu jornalista fazia sua matérias para beneficiar Cachoeira.

Os meios de comunicação (não podemos negar esse fato) estão nas mãos das oligarquias, dos caciques locais. Gabriel García Márquez dizia que a censura obrigava a imprensa escrever de viés. Hoje, nesses tempos que se dizem democráticos, muito do que se escreve é enviesado… e o que o patrão quer. É isso que faz almas que pareciam tão puras se venderem por tão pouco.

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Benedito Carvalho Filho é sociólogo, professor da Universidade Federal do Amazonas e ombudsman do Jornal Pessoal