Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A falsa noção de local e de global

Há alguns dias, tenho lido textos na imprensa e mensagens no Twitter criticando o interesse público pelo casamento do príncipe William, do Reino Unido. Felipe Neto, uma das personalidades mais populares da internet no Brasil, postou o seguinte tweet: “Galera que tá acompanhando o casamento do príncipe lá… Informo que vocês são uns babacas. Beijos” (Felipe Neto, no Twitter, dias 26/04).

Embora muitas vezes tenha concordado com as opiniões de Felipe Neto em seus videologs irônicos no YouTube – seja criticando estilos musicais descartáveis, seja colocando o dedo na ferida do chamado “jeitinho brasileiro” – acredito que ele tenha incorrido numa simplificação exagerada do tema. Para começar, o emprego da expressão “o casamento do príncipe lá” leva necessariamente a um questionamento importantíssimo para o nosso tempo: ainda existe uma separação real entre “lá e cá”? Será que a internet e a velocidade com que as informações correm pelo mundo – e aproximam diferentes culturas e realidades – não estariam diluindo as diferenças entre o Brasil e o mundo?

Estive numa agência da Caixa Econômica Federal para acessar os serviços de um caixa eletrônico. Na parede, um gigantesco banner com a foto de Regina Casé, estrela da propaganda do banco. Enquanto aguardava a minha vez para usar o único caixa eletrônico que estava funcionando no recinto – outros três estavam “em manutenção” –, fiquei-me perguntando por que Regina Casé aparece como uma espécie de representante geral do povo brasileiro. Sinceramente, não sinto identificação nenhuma com o que ela representa: aquele jeito brejeiro, aquele linguajar de subúrbio carioca, aquela malandragem das ruelas do Rio de Janeiro, rodas de pagode e bailes funk, cervejada no fim da tarde, sol torrando a pele na praia. Até entendo que exista uma grande parte da população brasileira que se reconhece na televisão a cada aparição da atriz global. Contudo, e o resto do Brasil? Será que um amazonense, um goiano ou um paranaense se sentem representados por ela?

Admirar o que é bom

Cito esse exemplo apenas para mostrar que, mesmo “cá”, existem diferenças culturais e sociais abissais; não precisamos nos colocar numa posição Brasil x Reino Unido para perceber isso. Gaúchos e cariocas são tão diferentes quanto brasileiros e britânicos. Contudo, a globalização – iniciada há mais tempo do que se pensa, quando começaram as primeiras transmissões de TV via satélite – trouxe-nos a possibilidade de conhecer outros mundos e perceber quais desses mundos correspondem ao estilo de vida que queremos para nós.

Para mim – e, por favor, não me tomem por esnobe, coisa que não sou –, faz muito mais sentido acordar às 5 da manhã no dia 29 de abril de 2011 para acompanhar o casamento do príncipe William do que ficar acordada de madrugada acompanhando o desfile de uma escola de samba durante o carnaval. Particularmente, identifico-me muito mais com a pontualidade britânica do que com os atrasos mal-educados dos brasileiros, prefiro beber chá a tomar caipirinha, admiro a história do Reino Unido e sua oposição quase solitária ao nazismo crescente na Europa, enquanto me envergonho da atitude ambígua de Getúlio Vargas durante a Segunda Guerra Mundial. Enfim, conhecer a história do Reino Unido e acompanhar a cultura britânica, suas tradições e sua contribuição para o mundo contemporâneo, permitiu que eu me identificasse com aquele povo. Antes que alguém, num arroubo nacionalista, me mande ir embora do Brasil, revivendo o “Ame-o ou deixe-o” do regime militar, garanto que prefiro continuar aqui na minha terra, adotando um estilo de vida civilizado que serve de inspiração a milhões de pessoas no mundo todo. Admirar o que é bom noutros povos, noutras culturas, é buscar aperfeiçoar o meu espaço, o meu local, por meio de uma inspiração vinda de outros locais. Que mal há nisso?

Ampliar horizontes

Na sexta-feira (29/4), calcula-se que cerca de 2 bilhões de pessoas acompanharam o casamento do príncipe William e de Kate Middleton, a universitária inteligente, com um desempenho excepcional na conceituada Universidade de Saint Andrews. Certamente, essa moça é muito mais exemplo às meninas de hoje do que seria qualquer uma das “popozudas” que fazem fama no Brasil graças à insistência da mídia brasileira em adotar ídolos mais por seus atributos físicos que por qualquer atributo intelectual ou cultural. Geisy Arruda e Bruna Surfistinha estão aí para provar isso. Gostaria que no Brasil, num daqueles programas de auditório, houvesse mais escritores e menos ex-BBBs, mais música clássica e menos sertanejo-universitário. No entanto, geralmente não se dá escolha ao público: o que uma minoria considera popular (no caso, a parcela do Brasil que se identifica com Regina Casé), acaba sendo considerado sinônimo de “brasilidade”.

Prefiro pensar que “brasilidade” é o esforço, o trabalho, a tecnologia, o comprometimento, a criatividade, o engenho de brasileiros que, no anonimato, nos colocam entre os países do Bric e nos alçam ao Primeiro Mundo, onde hoje William e Kate formam o casal-modelo que vai inspirar uma geração inteira de jovens apaixonados. Se a família real britânica realmente está usando este casamento para atrair mais popularidade e desviar a atenção do povo britânico da crise econômica, isso sim, é problema de “lá”. Aqui, onde a economia e o desenvolvimento parecem avançar cada vez mais, já está mais do que na hora de adotarmos os bons exemplos que vêm dos britânicos e parar de pensar que ser brasileiro é se conformar com “dar um jeitinho nas coisas”. A globalização nos trouxe informação e poder de escolha: deixar de olhar apenas para o próprio umbigo é aproveitar a chance para ampliar nossos horizontes.

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Professora, tradutora e bacharel em Comunicação, São Marcos, RS