Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista que denunciou evasores gregos é absolvido

Em um processo-relâmpago e num caso que escancarou as feridas abertas na sociedade grega, o jornalista detido por ter publicado uma lista com 2 mil nomes de ministros e empresários gregos com contas secretas em Genebra foi inocentado ontem por uma corte de Atenas. Costas Vaxevanis, editor da revista HotDoc, era acusado de violar a privacidade dos envolvidos.

Mas o processo serviu de palco para o confronto entre duas alas da sociedade diante de um drama que já dura cinco anos. A acusação denunciou o jornalista por ter transformado a Grécia num “coliseu”, jogando o público contra as elites ao publicar a lista de potenciais evasores de divisas em meio à crise. Já o jornalista aproveitou sua presença no banco dos réus para denunciar que, na Grécia, políticos “escondem a verdade” e transformam os “ricos em intocáveis”, enquanto a classe média paga o preço das reformas.

Institutos europeus alertaram que, mesmo inocentado, o processo revelou que a crise na Grécia é bem mais do que um problema financeiro e ameaça pilares da democracia. Em apenas cinco dias, Vaxevanis publicou a matéria, foi preso, processado, julgado e inocentado. O editor foi levado ontem (1/11) à corte de Atenas por ter publicado a lista de pessoas que teriam contas secretas do banco HSBC de Genebra. Na quarta-feira (31/10), dois apresentadores da TV estatal foram demitidos sumariamente depois de criticarem ministros. A atitude levou os jornalistas da rede pública a decretarem greve e acusar abertamente o governo de censura. Ontem, uma peça de teatro que tratava dos direitos de homossexuais foi suspensa, depois de pressões de extremistas que passaram a impedir que as pessoas chegassem ao local do espetáculo. O grupo é formado por partidários do movimento de ultradireita que conseguiu ser eleito para o Parlamento grego este ano.

“O canibalismo não é a solução”

Vaxevanis poderia pegar até dois anos de prisão. A lista havia sido roubada por um ex-funcionário do HSBC e acabou nas mãos da então ministra de Finanças da França Christine Lagarde, hoje diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na época, Lagarde repassou a lista às autoridades gregas para que pudessem processar os envolvidos na evasão, algo que nunca ocorreu.

No fim de semana passada, Vaxevanis decidiu publicar a lista para revelar a decisão do governo de não agir para recuperar o dinheiro que havia saído do país, exacerbando a frustração da população. Segundo a revista, funcionários do Ministério de Finanças, empresários ligados à classe política e outros membros do governo estavam entre os que têm contas secretas na Suíça. Horas depois da publicação da lista, a Justiça de Atenas entrou em ação. Não para prender ou abrir processos contra os envolvidos por suposta evasão fiscal. Mas contra Vaxevanis. Além da acusação ser considerada “absurda” por entidades na Europa, a rapidez com que o editor foi julgado surpreendeu até mesmo os advogados gregos, acostumados com uma das Justiças mais lentas de toda a Europa.

Na sala da corte, Vaxevanis foi acompanhado por centenas de jornalistas. Entre as irregularidades apontadas pelo advogado de defesa, estava o fato de nenhuma das 2 mil pessoas na lista terem apresentado queixa por violação de privacidade. “Ele está sendo acusado sem motivo”, disse Nicos Constantopoulous, advogado do réu. Em sua defesa, o jornalista acusou o sistema político de “esconder a verdade e proteger a elite intocável” do país. “O povo grego sabe há anos que existe uma lista de pessoas que são ricas, corretamente ou não, que são intocáveis.”

Para a acusação, o que Vaxevanis fez foi publicar uma lista que exaltava a população a “crucificar” as famílias. “Ele queria que a sociedade tomasse essas pessoas e as crucificasse”, arguiu o procurador Iraklis Pasalidis. “O canibalismo não é a solução.”

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[Jamil Chade é correspondente do Estado de S.Paulo em Genebra]