Monday, 20 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

O enfant terrible do Hertha BSC Berlim

Durante os três anos de permanência no Hertha BSC Berlim, Alex Alves foi foco permanente da imprensa alemã. Até hoje, a contratação do jogador, na época vindo do Cruzeiro de Belo Horizonte, consta como a mais cara na história do clube: 15,2 milhões de marcos alemães, equivalentes a 7,6 milhões de euros, foi o valor desembolsado pelo clube, então um dos melhores da liga alemã de futebol e hoje condenado ao ostracismo da segunda divisão.

Os 85 jogos de Alex Alves com a camisa do clube azul e verde trouxeram 21 gols. O mais famoso em 2000, se tornou não só “Gol do mês” na votação de prestígio
de telespectadores da rede pública ARD, mas também o gol do ano na memorável partida contra o 1. FC Köln. Com o gol de Alex Alves quando nem mesmo
o cameraman da rede fechada Premiere esperava, a equipe, até então apática no campo, acordou para o jogo. Veja aqui. https://www.youtube.com/watch?v=sb8SY0IydMM

Nas colunas sociais

Seguindo o exemplo de vários outros jogadores brasileiros jogando na liga alemã, Alex Alves era onipresente nas colunas sociais de todos os jornais do país. O tabloide Bild se plantava em frente à casa do jogador, que era acompanhado em todos os seus passos. Rodas de samba de madrugada, dirigindo alcolizado e, por consequência, a perda da carteira de habilitação, brigas com a ex-mulher Nadia, atraso na volta das viagens de fim de ano feitas ao Brasil e tantas outras manchetes instigavam a ira do torcedor herthano, que em contrapartida a tantos escândalos exigia cada vez mais do jogador no campo.

Tentativa de reconciliação

Em tentativa muito nobre, a redação de esportes do Berliner Zeitung pleiteou junto ao clube uma entrevista exclusiva para o jornal. Junto com o autor Sven Weinreich, fui eu a tradutora da conversa.

Durante duas horas esperamos pacientemente na arquibancada do Estádio Olímpico pelo atacante, que segundo informações pingadas estaria na sala de musculação, depois estaria tomando banho. Chegou com seu tradutor, aconselhador e amigo Heinz Kressin, à época funcionário do clube.

Percebia-se um Alex disposto a melhorar sua imagem, assim como a intenção sincera do jornal, mas a forma não batia com o conteúdo. Sem qualquer preparação por parte da assessoria de imprensa do clube, Alex tentava externar arrependimento e compreensão com os colegas do time que se mostravam irritados quando ele, no ônibus do clube, falava aos berros ao celular e ou era fotografado em festas brazucas depois de partidas, quando o time tinha deixado de levar os três pontos para casa.

Raras qualidades

Comedimento, foco e disciplina são raras qualidades existentes em jogadores brasileiros que atuam na Alemanha. Falsos aconselhadores, empresários que desaparecem depois da negociação concluída e clubes resistentes em entender que a transferência não é “só” de um passe, mas de um ser humano inseparável de sua bagagem cultural. Equipes como Werder Bremen e Borussia Dortmund têm de fato história de sucesso na saudável integração de jogadores brasileiros.

Claro que o sucesso desse empreendimento depende também dos respectivos técnicos e suas habilidades nas relações interpessoais. Um técnico como o recém demitido do FC Wolfsburg, Felix Magath, o mais mão de ferro da liga, não é exatamente a garantia do sucesso de integração de qualquer jogador estrangeiro.

O caso e a condenação do brasileiro Breno Borges, ex-Bayern de Munique, trouxe de volta à baila o problema da transferência de jogadores brasileiros que vêm jogar na Bundesliga. Mesmo que Alex Alves não tenha tido destino tão trágico como o de Bruno, a presença do atacante em Berlim foi foco de crítica do início ao fim. De um lado o talento incontestável do atacante do Hertha BSC em uma de suas melhores fases incluindo a participação da Liga dos Campeões. De outro, um jovem perdido, deslumbrado e despreparado para o sucesso espelhado na soma da compra de seu passe.

A imprensa alemã, que nunca está para brincadeiras quando o assunto é futebol, a diretoria do clube e os torcedores queriam e querem sempre ver serviço mostrado no campo.

Ao todo foram 130 mil marcos alemães que ele teve que pagar por diversas infrações cometidas. O artigo “Alex Alves finalmente chegou a Berlim” foi uma tentativa sem sucesso. Nas terras daqui não conta a retórica, nem o prometido e nem desculpas esfarrapadas, mas o resultado no campo, na melhor filosofia do ex-chanceler Helmut Kohl: “O que conta é o resultado”.

Noticiário nacional

A imprensa alemã noticiou em peso na quinta-feira (14/11) a morte do ex-atacante do Hertha BSC. O artigo publicado na quinta-feira (15) na versão online da revista Focus retoma a “novela Alex”:

“Eram memoráveis as desculpas que ele dava ao chegar atrasado aos treinos: ou ele não tinha mudado o relógio para o horário de verão, a sinalização no estacionamento não teria funcionado, ou ele teria ficado preso no consultório médico” (ver aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, em alemão).

Ajuda do clube

Michael Preetz, hoje empresário do clube e na época colega de campo do atacante se diz “inconsolado” em entrevista ao Berliner Zeitung. A revista Focus informa que frente à desoladora situação financeira do atacante, o clube abrirá uma poupança para garantir os estudos da filha, Alexandra, nascida em Berlim e hoje com 13 anos.

Alex Alves sempre será parte da história futebolística de Berlim. O primeiro brasileiro no time, na época de muito prestígio, o mais caro e talvez o mais talentoso dos brazucas que já tenham jogado na capital. Mas fica um gosto amargo desperdício de um tremendo craque que nunca conseguiu, de fato, fincar os pés no solo árido de Berlim.

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[Fátima Lacerda é jornalista freelance, formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]