Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Há vitória na justiça?

A tragédia que ocorreu com a menina Isabella Nardoni trouxe constipação coletiva à sociedade brasileira. Aparentemente, tínhamos uma garota de cinco anos que fora estrangulada e atirada do sexto andar de um prédio de classe média em São Paulo, por um buraco cortado na rede de proteção da janela. Porém, não era só isso.

Em meio a tanto caos, se viu mais. Passado o choque inicial da morte da garota, viu-se o pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, como acusados – hoje já julgados e condenados a 31 e 26 anos de prisão, respectivamente –, buscando todo tipo de argumento, de lágrimas a gestos de carinho, para se safar do escabroso episódio. Notadamente, junto aos excessos de juízo de valor da opinião pública e à repetição incessante dos fatos em todos os veículos de comunicação, os apelos e possíveis encenações do casal não corroboraram para um júri imparcial – vez que este entrou no tribunal com opinião provavelmente formada, reafirmada pelos sete votos pedindo a condenação do casal.

Observou-se ainda a mãe, Ana Carolina Oliveira, fragilizada, sendo estimulada pela imprensa – além da motivação notória que é o desespero de se perder a única filha de forma drástica –, colocando todos os infortúnios da relação com o ex-marido à tona e contribuindo, talvez involuntariamente, para um julgamento antes mesmo de o processo começar a ser julgado.

O ‘triunfo’ é um infanticídio

Viu-se, de forma incessante, a cobertura da imprensa; que buscou fomentar seus lucros vendendo mais jornais e ganhando a audiência dos televisores brasileiros com cenas da barbárie familiar. Estas – que se sucedem aos montes em inúmeras casas da periferia brasileira na forma de estupros, violência doméstica, baldes de água quente, bebês abandonados em latas de lixo ou afins – no caso Isabella, especificamente, se fizeram mais intensas. Os meios midiáticos emitiram pré-julgamentos e angariaram, sem sombra de dúvidas, a opinião pública em relação ao que ocorrera, desenhando uma verdade pretensamente irrefutável sobre a noite de 29 de março de 2008.

Vislumbrou-se também um representante do Estado com a vaidade acalantada por todos os lados. Mesmo argumentando não ser o intuito, o promotor do caso, Francisco Cembranelli, ganhou notoriedade que perpassa a função de defensor público. Chamado de ‘estrela’ do caso, concedeu entrevistas a boa parte da imprensa brasileira, garantiu imagem de bom moço frente à sociedade – que possivelmente reverberará em outros casos caóticos – e foi recebido após o julgamento com gritos de ‘vitória’.

A pergunta aqui é: vitória de quê? De quem? Sobre o que? Com matemática infantil, não parece possível somar vitória alguma a um caso como este. O que intitularam de triunfo é um infanticídio: uma garota morta, duas famílias destruídas, uma mãe desesperada, avós, parentes e pessoas de todo o país se convalescendo com os graves tons do fato. Também não foram poucos os meios de comunicação que noticiaram a sentença aplicada ao pai e à madrasta de Isabella como ‘conquista’, ‘comemoração’ e outros tantos substantivos que parecem não caber nesta situação. Vale citar que até fogos de artifício foram utilizados na comemoração enérgica da sentença por parte da população que aguardava ansiosa no Fórum de Santana, à uma da manhã, o parecer do juiz.

A satisfação da população

Talvez o que chamam erroneamente de vitória até exista para alguns. À imprensa, o ganho veio numa fatia gorda de (re)construção da verdade, atuando antes mesmo da justiça como condutora dos desdobramentos e resoluções dos fatos públicos, enfatizando e mensurando, assim, seu poder de acordo com o grau de sensacionalismo aplacado, reafirmando-se como pilar primordial para a denúncia e julgamento de uma moral única na sociedade.

À população também coube o gosto da vitória, transposta na satisfação pessoal de muitos ao ver os assassinos, segundo a Justiça, condenados e encarcerados, numa pseudo-justiça que se personificou. Pouco se pode fazer, de fato, numa tragédia como esta. De qualquer forma, fica difícil haver vitória ou justiça quando não há mais vida.

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Estudante de Jornalismo, Osasco, SP