Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Homenagem meia-boca ao grande atleta

São 20h30 de segunda-feira (5/4), estou no trânsito parado de São Paulo ouvindo a rádio CBN, quando entra no ar o programa CBN Esporte Clube, com o simpático Juca Kfoury.


Juca começa então a comentar o assunto principal do dia no esporte: o campeão mundial e medalhista olímpico Ubiratan Pereira Maciel foi eleito para a classe de 2010 do Hall da Fama do Naismith Memorial, localizado em Springfield, no estado americano de Massachusetts. O anúncio foi feito naquela segunda-feira (5), em Indianápolis, onde ocorria a final da National Collegiate Athletic Association (NCAA). Ubiratan foi um dos astros da equipe brasileira de basquete que ganhou o campeonato mundial de 1963 e a medalha de bronze dos Jogos Olímpicos de 1964. Bira, como era carinhosamente conhecido, dedicou mais de três décadas à carreira de atleta e faleceu em 2002, aos 58 anos.


Com a eleição de Ubiratan, o Brasil passa a ter dois atletas do basquete na mesma situação de homenagem no exterior: a brasileira Hortência já havia sido homenageada anteriormente pela NCAA.


Juca Kfoury anuncia então uma entrevista por telefone, ao vivo, para falar sobre o mitológico jogador de basquete Bira e sua carreira. O convidado do programa era o também medalhista e jogador de basquete Amaury Passos.


‘Falta de habilidade’


A conversa dos dois começa descontraída, e Juca pede a Amaury para comentar a indicação de Bira para o Hall da Fama do basquete. Amaury cita o fato de o entrevistador também sido jogador de basquete – Juca foi, sim, um bom jogador – e Juca então confidencia uma lembrança: durante seu tempo de militância clandestina de esquerda, ele adotava como nome de guerra ‘Bira’, segundo Juca exatamente em homenagem ao seu ídolo da época, o Bira jogador que agora recebe o reconhecimento no Hall da Fama.


Em seguida, embora o assunto parecesse tender a uma homenagem, tanto o entrevistador Juca como o entrevistado Amaury Passos começam a analisar tecnicamente a falta de habilidade e falta de ‘coordenação motora’ (sic) do homenageado Bira. (Ouça aqui o programa, com o título geral ‘Zico denuncia o inchaço do Campeonato Carioca’. A matéria em questão começa logo após as chamadas.)


Segundo Juca Kfoury e Amaury, o ‘craque’ Bira não era capaz de acertar um lance livre. Amaury chegou a comentar na entrevista que tentou ‘ensinar’ Bira a acertar os lances livres, mas ‘não tinha jeito’. E não bastasse falar da falta de habilidade de Bira, Amaury diz na entrevista que o reconhecimento no Hall da Fama não é tão importante quanto possa parecer, e ele mesmo havia sido homenageado anos atrás com reconhecimento semelhante ao da entidade NCAA, fato ao qual não dava importância, insinuando discordar da capacidade de quem elege e de seus métodos e critérios.


Seja ou não verdade a ‘falta de importância’ do reconhecimento, na forma como foi comentado por Amaury Passos o prêmio (por assim dizer) foi atirado ao chão, para não dizer na lata do lixo.


Ambos quase passaram mais tempo da entrevista falando da falta de habilidade de Bira do que de seu merecimento em relação à indicação ao Hall da Fama do NCAA.


Preso ao passado


Paradoxalmente, seguindo a entrevista, ambos tratam de escolher os cinco maiores, jogadores brasileiros da história do basquete. E aí tive uma surpresa enorme: escolheram os jogadores Vlamir Marques, o ‘inábil’ Bira (aqui está o paradoxo), o famoso Rosa Branca, o famoso Marquinhos, e incluíram, para completar, o próprio entrevistado, Amaury Passos.


Juca perguntou ainda a Amaury sobre quem teria sido o maior, para escolher um, e Amaury disse seguramente: Vlamir Marques. No que Juca emendou: ‘Se eu perguntasse a Vlamir Marques, ele diria que é você!’ Faltou o Amaury dizer: ‘Juca, primeiro você, depois o Vlamir em segundo!’


Mas qual a surpresa da lista afinal? Oscar Schmidt ficou de fora! Como que o jogador que deixou a seleção de basquete após 326 jogos, com 7.693 pontos com a camiseta do Brasil, que o total de 49.703 pontos em sua carreira, o maior cestinha do basquete brasileiro, ficou de fora?


Lembrei-me do então técnico do Fluminense, Renato Gaúcho, dizer um dia: ‘O meu time será o Romário e mais dez’. No meu time de basquete de todos os tempos, se pudesse escolher, seria o Oscar Schmidt e mais quatro. E aí poderiam entrar Vlamir Marques, Amaury, Rosa Branca, Marquinhos, Hélio Rubens, Marcel, Carioquinha, até o ‘inábil’ Bira, mas o Oscar não iria ficar de fora, não.


Será que é apenas uma questão de opinião? E o jornalista esportivo, mesmo que seja ex-jogador de basquete, pode se dar ao luxo de ter uma opinião tão excludente, tão sem memória?


Amaury Passos já emitiu no passado, em entrevista, sua opinião sobre Oscar Schmidt: ‘O Oscar é muito bom, mas ele é apenas um chutador competente’. Haja competência, como se competência não bastasse.


Como cantava a imortal Elis Regina, na conhecida canção de Belchior, ‘você diz que depois deles, não apareceu mais ninguém/ mas é você que ama o passado e que não vê/ que o novo sempre vem’. O caro Juca está preso ao passado – e não deveria, pelo menos não como jornalista esportivo.


Ato falho


Três conclusões pessoais sobre a entrevista com Amaury Passos na CBN:


1. Não precisava falar da falta de habilidade do Bira, já que era supostamente uma homenagem. Faltou sensibilidade e bom senso;


2. Não precisava desmerecer o reconhecimento do Hall da Fama ao Bira;


3. Pecado mortal: jamais poderia esquecer do Oscar Schmidt entre os cinco maiores jogadores brasileiros de basquete, nem por ato falho.

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Engenheiro, São Paulo